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Uma vida dedicada à escultura

Uma vida dedicada à escultura

Na cidade de Nampula, nos últimos tempos, a arte de esculpir a madeira tem vindo a ganhar uma grande visibilidade. O problema é que, supostamente por não ser uma actividade de renda imediata, a escultura é depreciada pelos jovens. Em contra-senso, é naquela expressão artística que Joaquim Paulo encontra o seu ganha-pão…

Joaquim Paulo tem 39 anos de idade. É natural da província de Nampula e dedica-se à escultura desde 1980, na mesma altura em que frequentava a 4ª classe. Nesse momento, por causa do fraco poder aquisitivo dos seus pais, para sustentar o seu ensino Paulo sentiu-se impelido a aprender – do seu tio paterno – a esculpir.

 

O seu interesse de continuar a estudar era grande. No entanto, o seu pai não encontrou outra alternativa a não ser encaminhá-lo à oficina do tio para ser “alfabetizado” em artesanato. Segundo o seu pai, se Joaquim Paulo dominasse aquela arte, ele mesmo podia gerar dinheiro para garantir os seus estudos. É nesse quadro de acontecimentos que o artesão se recorda de que “quando concluí a 4ª classe, pedi ao meu pai para que me inscrevesse na classe seguinte. No entanto, a sua resposta foi desfavorável, pura e simplesmente, porque ele não tinha dinheiro. Para ele começou a fazer sentido encaminhar- me ao meu tio a fim de que me ensinasse a esculpir”.

Nos primeiros dias da sua relação com o seu primeiro ofício profissional, Joaquim enfrentou as dificuldades primárias. Mas o mais complicado foi “aperfeiçoar o trabalho de limar a madeira pau- -preto”. Além do mais, nessa tarefa, o artista estava a remar contra a maré do seu sonho – estudar para se formar como enfermeiro. De qualquer modo, apesar das barreiras que marcaram essa sua aprendizagem, nos primeiros dias, Joaquim acreditou que poderia ganhar um saber enciclopédico na escultura do pau-preto. Para si, o querer foi o trampolim que lhe garantiu que se desenvolvesse na actividade artesanal.

No bairro de Mutava-Rex, no Posto Administrativo de Namicopo, onde se encontrava a oficina em que Joaquim aprendeu o ofício, inicialmente só trabalhavam quatro pessoas. As criações eram feitas, essencialmente, à mão – o que contribuía para a fraca produtividade diária. A pior situação é que – por causa da falta de equipamentos sofisticados – os artesãos levavam muito tempo a produzir os objectos encomendados pelos seus clientes. Houve vezes em que alguns acabaram por desistir da aquisição devido à referida morosidade.

Entretanto, quando se sentiu maduro na arte de esculpir, Joaquim Paulo abandonou a oficina do seu tio a fim de implantar a sua onde reside. Neste lugar passou a diversificar os objectos que criava como, por exemplo, mesinhas, candeeiros, pilões, objectos de adorno, entre outros artigos. Porque já trabalhava sozinho, Joaquim Paulo passou a ter dificuldades em produzir artigos diferentes e/ou diferenciados – os quais encaminhava para a feira dominical local, em que se expõem objectos de artesões moçambicanos e estrangeiros.

Dos poucos objectos que fabricava, Joaquim conseguia vender gerando o dinheiro com que sustenta a sua família. Ele afirma que os maiores compradores dos seus produtos são cidadãos estrangeiros – e é isso o que faz com que quando não os leva à feira dominical os mesmos não sejam comprados, ficando arquivados no armazém. Como resultado da experiência que adquiriu com outros artesãos – na feira dominical – Joaquim e os seus confrades acabaram por criar uma agremiação para defender os interesses da classe, em 2003, que funcionou durante apenas três anos.

Na verdade, a ideia de criar uma associação de escultores nasce quando Joaquim e os seus colegas foram contactados por um americano que queria comprar obras em grande quantidade. Para satisfazer esta demanda, um grupo de dez escultores – incluindo Joaquim Paulo – organizou- se com o objectivo de trabalhar, exclusivamente, o pau-preto para gerar objectos destinados ao mercado internacional. A organização passou a chamar-se Eucalipto e produzia com base na arte maconde. Na agremiação, a forma particular com que Joaquim Paulo trabalha a madeira notabilizou-se, muito em particular pela observância das datas de entrega dos resultados.

Como forma de credibilizar a associação, em 2004, o grupo registou-a tornando-a uma instituição juridicamente legal. O impacto disso foi a ampliação do número de clientes que demandava os seus serviços e produtos. Ou seja, qualquer entidade que precisasse de escultura em pau-preto podia comprá-la, seguramente, na Associação Eucalipto. De referir que os escultores empenhavam-se mais para dominar o mercado de Nampula.

O sofrimento acabou

Gradualmente, o seu sofrimento começava a desaparecer, afinal, garças ao trabalho desenvolvido na associação, a par dos outros artesãos, Joaquim Paulo ganhava dinheiro suficiente para fazer face às necessidades da sua família, eliminando uma série de constrangimentos. “É nesse momento que compreendi que a minha vida estava a transformar-se. Comecei a compreender os ensinamentos do meu mestre (tio) que dizia sempre que os melhores dias viriam. Ou seja, que o meu sofrimento iria passar”.

Quando o contrato com os americanos prescreveu, alguns membros da Associação Eucalipto abandonaram-na, integrando outras colectividades. A dissolução do grupo fez com que Joaquim voltasse a montar a sua oficina na sua residência, no Bairro de Natiquiri onde, actualmente, trabalha. Joaquim também investiu parte do dinheiro que ganhou na “Eucalipto” na compra de uma máquina eléctrica que lhe permite polir as suas peças depois da fabricação. Um impacto importante resultante da posse do aparelho é o aumento da produção.

Lamentações

Joaquim Paulo lamenta, porém, o facto de grande parte dos jovens da cidade de Nampula não apreciar o trabalho de esculpir a madeira, muito em particular quando toma em consideração que, para si, essa actividade é uma espécie de salvação da sua vida. “Estou preocupado com os jovens que não querem aprender a esculpir o pau-preto dizendo que esta é arte dos mais velhos”.

Ainda que com material precário – é com o dinheiro proveniente do negócio de esculpir a madeira e da venda das obras que daí se criam que Joaquim conseguiu construir a sua casa, estando, neste momento, a assegurar a subsistência da sua família. Com seis filhos, o mais velho frequenta o ensino médio, o sonho desse artesão é garantir que eles se formem para não passarem pelas mesmas dificuldades que o pai experimentou.

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