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Uma OMS cada vez mais privada

A reforma da Organização Mundial de Saúde, decidida na sua assembleia-geral, em Genebra, preocupa muitas organizações não-governamentais.

Na abertura da 64.ª assembleia anual da Organização Mundial de Saúde (OMS), a directora-geral da instituição, Margaret Chan, deu o pontapé de saída para a “reforma mais vasta alguma vez levada a cabo no interior da organização, desde a sua criação, em 1948”.

Qualificada como “essencial” para enfrentar os desafios que se avizinham, o primeiro dos quais diz respeito à continuidade da subsistência financeira da instituição, a reforma é proposta num momento em que a OMS atravessa uma grave crise de identidade. Este organismo, que é uma agência da ONU, tem sido repetidamente acusado de agir sob a infl uência da indústria farmacêutica.

A iniciativa agora tomada causa preocupações. Alguns observadores e diversas ONG´s receiam que a reforma proposta – que vai ser sujeita à votação dos Estados-membros da OMS – seja o primeiro passo para uma privatização crescente desta agência da ONU.

“A questão reside em saber se, em vez de uma agência multilateral de saúde pública, a OMS não irá transformar-se numa agência privada ao serviço dos interesses de meia dúzia de doadores”, resume o colombiano Germán Velásquez, antigo director do departamento de inovação e propriedade intelectual da OMS e actualmente conselheiro do South Centre, um gabinete de reflexão com sede em Genebra.

Desde há alguns meses, regista-se um debate aceso acerca do financiamento da organização e da capacidade desta para manter o seu papel de líder em matéria de saúde pública mundial.

Em Janeiro de 2010, foi lançada uma consulta informal e alguns países, como a Índia, o Brasil e a Tailândia, declararam estar muito “preocupados com a dependência crescente da OMS das contribuições voluntárias para fins específicos”, ou seja, destinadas a um determinado programa de saúde.

Quem dá o dinheiro?

Hoje, as contribuições fixas dos Estados- membros representam apenas 20% do orçamento da OMS e as contribuições voluntárias 80%. Estas últimas provêm dos Estados-membros – alguns dos quais podem estar muito interessados em financiar um determinado programa –, de fundações filantrópicas e do sector privado, designadamente dos laboratórios farmacêuticos.

Destinadas a um fim preciso, estas contribuições podem flutuar ou desaparecer de um ano para o outro. Em 2011, a sua diminuição (de 10% para 15%) provocou uma perda de receitas de 300 milhões de dólares (210 milhões de euros), num orçamento total de 4,5 mil milhões de dólares para 2010-2011.

Está prevista uma redução imediata das despesas nos gabinetes regionais e na sede, em Genebra, onde não haverá renovação de 300 dos 2400 postos de trabalho.

Desejosa de inverter esta tendência, Margaret Chan preconiza “um aumento do número de doadores, apelando aos Estados- membros com economias emergentes, a fundações e aos sectores privado e comercial, sem no entanto comprometer a independência da OMS”.

A ONG suíça La Déclaration de Berne considera que a ideia envolve um risco de “influência crescente dos poderes económicos sobre as prioridades sanitárias no mundo”. Por outro lado, nada é dito acerca de um possível aumento das contribuições fixas dos Estados-membros, o que, segundo Germán Velásquez, seria “a única maneira de garantir um financiamento estável a longo prazo”.

O programa de reforma prevê ainda a realização de uma auditoria independente à actividade da OMS. Essa ideia foi avançada pelo Canadá e obteve o apoio dos Estados Unidos, mas alguns países europeus receiam que, em resultado desta avaliação, sejam os peritos externos a ditar a forma como a OMS deve ser gerida.

O projecto preconiza também a definição de prioridades para a organização, que deveriam centrar-se sobretudo no reforço dos sistemas de saúde, na redução dos custos dos cuidados e nas normas sanitárias.

Um fórum mundial de saúde Reconhecendo que o número de intervenientes no domínio da acção sanitária mundial não pára de crescer, a reforma anunciada propõe a organização de um “fórum mundial da saúde”, cuja primeira edição, reunindo actores privados e públicos, deveria realizar-se no início de 2012. O fórum poderia “contribuir para redireccionar as decisões e os programas de acção da OMS” sem usurpar a “prerrogativa de decisão” da agência da ONU, garante o documento.

No dia 17 de Maio, um colectivo de ONG´s, que incluía, entre outros, os Médicos Sem Fronteiras, reagiu vivamente, argumentando que a proposta vai “contra os princípios da governação democrática e afecta a independência e a eficácia da OMS, ao mesmo tempo que reforça o já desmesurado poder do sector lucrativo”.

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