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Será que o Estado se demitiu do seu papel?

Será que o Estado se demitiu do seu papel?

No debate recentemente havido – no âmbito do Festival Encontrarte – o realizador moçambicano, João Ribeiro, afirmou que as manifestações artístico-culturais nacionais não são inseridas na produção audiovisual por causa de uma série da lacunas no sistema. É que o “Estado moçambicano não regula, não financia e não promove” nada nesse contexto. Será que o Estado se demitiu do seu papel?

O Festival Encontrarte 2013 incorporou na sua programação uma preocupação – perceber até que ponto o cinema moçambicano insere, na sua produção, as manifestações artístico-culturais nacionais? Para o efeito, juntou três artistas, Virgílio Sitole, Gilberto Mendes e João Ribeiro, para analisar o tópico.

João Ribeiro, cujo ponto de vista se apresenta neste artigo, opina que a inserção das manifestações artísticas nacionais, nos produtos audiovisuais, é obstruída por uma série de disfunções ao nível de todo o sistema, incluindo o legislativo. Mas antes, é melhor clarificar que para Ribeiro, apesar de estar independente há quase 40 anos, Moçambique carece de um sistema nacional de carácter industrial.

“A quantidade da nossa produção cinematográfica ainda não tem valor para que seja chamado indústria. Ela não é uma produção de cinema que, como acontece na dança e no teatro, construiu um estilo e uma forma particulares”. No entanto, “temos, no país, cineastas e realizadores que são pessoas que se trabalham na área”.

O que o realizador explica é que, em Moçambique, o cinema não é expressivo. “Estamos a caminhar para isso, mas de forma muito incipiente”. Nas palavras de Ribeiro, devemos harmonizar a percepção do conceito cinema. “Entendo o cinema como um conjunto de obras audiovisuais, porque se nós o separarmos, pretendendo falar sobre uma área específica, não teremos assunto para esta discussão”.

No entanto, se, em sentido contrário, “juntarmos tudo o que se produz no âmbito da televisão e do audiovisual, a fim de chamarmos cinema – poderemos dividir esse conjunto em três categorias fundamentais: Os documentários, os filmes de ficção e os trabalhos televisivos”. Isso significa que as manifestações culturais moçambicanas podem ser – e são – inseridas nestas categorias de produção.

Os constrangimentos

Na área do documentário, por exemplo, há muitas obras produzidas, por vários realizadores, com base na vida de personalidades ligadas à arte – músicos, pintores, escultores, escritores, fotógrafos, entre outros. “O problema é que essas produções são mais viradas para o trabalho artístico daquela pessoa, do que essencialmente em tono da (sua) arte”. Consequentemente, “não se analisa e não se discute nada sobre a história da referida expressão de arte”.

Existem também trabalhos especializados sobre uma área – mas são muito poucos. Por exemplo, há anos, o músico José Mucavel recolheu dados sobre os ritmos moçambicanos os quais chama Compassos. Esse conjunto de materiais também possui expressões de dança.

Trata-se de um sonho pessoal do artista no sentido de um dia poder divulgar e promover esse trabalho. O problema é que “no nosso país, não temos uma acção de apoio que contribui para que tais obras sejam publicadas a curto prazo. As iniciativas existentes orientadas para a produção e divulgação de obras sobre as nossas manifestações culturais, de forma científica, não têm desenvolvimento. Elas morrem na intenção ou mesmo na fase da recolha”.

Como se pode inferir da experiência do músico Júlio Silva, que recolhe materiais referentes aos instrumentos de música tradicional, há um esforço de pessoas singulares para a produção de trabalhos artísticos. No entanto, esses esforços são obstruídos porque os seus resultados não têm divulgação e promoção. “Não há continuidade”.

Por sua vez, a televisão faz reportagens genéricas sobre alguma manifestação que acontece, muitas vezes, para suportar uma acção que é fundamental como, por exemplo, uma visita do Presidente da República. “Há também nas estações televisivas programas que se dizem ser culturais. Os mesmos passam entrevistas com os artistas – mais uma vez, aqueles que produzem a arte – focalizando-se no seu trabalho e dificuldades”.

É frequente ver-se um magazine informativo com uma duração de meia hora, cuja produção se baseia na compilação de conteúdos de eventos que decorrem ao longo da semana. Essas agendas, às quais se chama programas culturais, cumprem a missão de actualizar o cidadão. “Mas também são constrangedoras porque não abordam a arte”.

Ainda ao nível da televisão, temos muitos concursos musicais. “São programas que, provavelmente, produzirão artistas que se tornarão famosos. O problema é que, no momento em que acontecem, tais eventos são meros entretenimentos ou propagandas”.

Arte como acessório

Na área da ficção cinematográfica, João Ribeiro afirma que a arte é utilizada como um acessório. “Não há nenhuma representatividade de expressões artísticas nesse sector. No entanto, existe a exploração de personagens baseados em expressões artísticas como, por exemplo, o curandeiro que utiliza uma determinada forma de falar, uma dança, ou uma maneira de construir algum artefacto que tem a ver com uma expressão artístico- -cultural”.

O que se pretende explicar é que na ficção, “os elementos artísticos – uma dança, uma pintura, uma máscara – são utilizados para criar um momento de tensão no desenvolvimento da história. Não há nenhum filme de ficção que tenha sido baseado numa expressão cultural, muito menos artística”.

O que se deve fazer?

Para contrariar esta situação, o realizador propõe que seja criada, urgentemente, uma lei da televisão. “A lei que vigora agora está ultrapassada e não é abrangente. Trata-se de um instrumento fundamental na medida em que define as regras do serviço público de televisão”.

Por exemplo, compete ao serviço público de televisão a criação de um espaço para que estas manifestações artístico-culturais sejam incluídas e promovidas. “Além do mais deveria haver o sistema de quotas para se garantir que determinados produtos sejam exibidos em função do serviço público de televisão – por obrigação”.

João Ribeiro refere que “porque recebe um subsídio do Estado, a televisão pública devia ter um contrato-programa no qual se deviam defender os interesses do Estado – entendidos como sendo a promoção da cultura e dos valores da identidade nacional. É provável que esse contrato exista, mas não é cumprido e controlado pelas partes – muito menos pelo público”.

Por outro lado, para João Ribeiro, devia-se criar arquivos para a produção cinematográfica nacional, incluindo uma base de dados – algo de que o Instituto Nacional do Cinema e Audiovisual carece. “A nossa produção está connosco, os artistas, mas devia estar arquivada nalgum lugar. É em resultado disso que tudo o que se faz de bom fica perdido, porque não tem divulgação nem promoção”.

Isso significa, em última análise, que “o Estado não regula, não financia e não promove a produção artística e intelectual no país. Ora, esses três papéis são fundamentais para que as manifestações culturais nacionais sejam incluídas na nossa actividade – o audiovisual”.

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