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Chico António segue o Trânsito da vida…

Chico António segue o Trânsito da vida...

Chico António é um músico que não se apresenta a ninguém. É reconhecido. Há um ano juntou-se a Chude Mondlane, Edmundo Matsielane e Nico M’sagarra e criou o Projecto Trânsito. Presentemente, o artista ignora as dificuldades humanas, deixando-se seguir adiante. “A nossa iniciativa tem o sentido da própria vida”.

Lá no Trânsito há muitos instrumentos de música tradicional. Alguns dos quais bastante desconhecidos, inclusive entre nós. E os artistas Chico António, Chude Mondlane, Edmundo Matsielane e Nico M’sagarra estão a explorá-los. Difundem-nos no seio dos públicos que os acompanham. Na semana passada, na cidade da Matola, fizeram-no no antigo Cinema 700 que agora é municipal.

No mesmo grupo, a título de convidados, às vezes, actuam Cheny Wa Gune e Zé Maria. Mas é com Chico António que conversámos. Por isso, é sobre ele que queremos falar ao estimado leitor.

Temos muita familiaridade com os concertos do Projecto Trânsito. Por essa razão, e em função disso, podemos afirmar que os mesmos são quase um ritual africano. Ainda nos é difícil qualificá-lo: se é mágico-religioso ou simplesmente da produção musical.

Ouvir as suas músicas dá um gostinho particular, sobretudo quando se considera que entre aquelas vozes masculinas, fortes e presentes, existe a de Chude Mondlane que, teimosamente, se quer confundir com o rugir desses homens da música.

Constata-se que no Trânsito, a rara voz feminina de Chude Mondlane, às vezes, cumpre papéis diversos – o de liderança como também o de complementaridade. Mas também há um outro bem maior nessa experiência laboratorial – a qual os artistas chamam ‘Workshop’ – que é a fusão de ritmos, de géneros e de instrumentos musicais.

Na verdade, talvez a fusão musical, acima de tudo no contexto do Projecto Trânsito, seja o género mais inclusivo de todos. Também é o mais difícil de definir, porque resulta dos entrosamentos de experiências humanas, de vozes, de instrumentos e de músicas.

“Sempre disse que o Trânsito é uma ideia de quatro pessoas que se encontraram e resolveram desenvolver uma oficina para intercambiar as suas experiências. Temos entrosado os instrumentos de música tradicional que exploramos. Esse entroncamento faz-se, igualmente, ao nível da relação humana, porque somos pessoas de origens, tribos e nacionalidades diferentes. É esse o mérito do Trânsito”, explica Chico António.

Para os espectadores fiéis aos seus ‘shows’, vê-los actuar em palco não significa renovar, mais uma vez, a mesma experiência. Mas é consumir as mesmas músicas e participar nas metamorfoses permanentes que nelas se operam. Então, essas músicas, esses ‘shows’ são signos de arte, contendo em si eternas novidades. São notícias que se renovam em cada contacto com os artistas.

Entretanto, esclareça-se, esses não são os motivos pelos quais o público deve ver o concerto daquela colectividade artística, sempre que ocorre. Chico António apresenta um argumento elaborado. “As pessoas devem seguir os movimentos do Projecto Trânsito, porque quem está em trânsito compreende o movimento da vida humana, desde o seu nascimento até a morte. Nós, os Homens, estamos em permanente trânsito na vida”.

Como uma iniciativa colectiva, o Projecto Trânsito cumpre o seu papel na música moçambicana – mas não a desmistifica. Há muitos empreendimentos artístico-musicais que ainda se podem criar no país. Para Chico António, os instrumentos tradicionais que produzem a música suave são um objecto passível de pesquisa – e ninguém s focaliza neles.

Sucede, porém, “que muitas vezes quando se misturam instrumentos como a mbira, o teclado, a voz, a bateria e o chocalho – a mbira não se ouve. Porquê? Então, estamos a fazer esta experiência, focalizando-nos nos instrumentos mais sensíveis, a fim de mostrar a sua funcionalidade”.

O flautista percebe que há, no país, muitos instrumentos abandonados os quais, por isso, um dia podem desaparecer. “Queremos trazê-los de volta ao espaço de produção musical e uma forma de fazer isso é usando-os e aprender algo sobre como se faz a sua utilização”.

Ora, o facto de “estarmos a utilizar estes instrumentos não significa que temos um domínio pleno dos mesmos. A música é uma plataforma de eterna aprendizagem”. É por essa razão que ao exibirem- se os instrumentos de música tradicional, parte dos quais é produzida por Edmundo Matsielane, expressa-se a vontade de valorizá-los e instigar os moçambicanos para o mesmo exercício.

De acordo com Chico António – e os restantes membros do grupo comentam quase da mesma forma –, a gravação de um disco é um objectivo ulterior do Projecto Trânsito. “A nossa meta inicial é compreender o efeito que as nossas músicas geram na sociedade. E, em função disso, queremos desenvolver contactos com os países da Europa para que possamos participar em festivais internacionais de música”.

De uma ou de outra forma, “se nós compreendermos que existem pessoas que gostam das nossas músicas, então, vamos gravar um disco para que se possam ter as músicas nas suas residências ou mesmo para que potenciais cientistas, no futuro, tenham material de pesquisa em torno dessa música. Acreditamos que é provável que, a partir das nossas pesquisas, se comece a seguir o estilo musical que propomos”.

Conquistar o carinho do público Chico António é um músico reputado e com uma carreira de alto nível. E isso, como alguns pensam, devia enfuná-lo de orgulho, fazendo-o ser muito mais criterioso em relação aos locais onde actua. Para quem, nos últimos dias o tem acompanhado, não há dúvidas de que esse acto de cantar não lhe rende nada, antes pelo contrário, requer investimento. No entanto, o artista não desiste desse seu trânsito da vida. Que ganho há nisso?

Sem cinismo nenhum, o músico afirma que “o grande retorno que temos é o carinho que o público nutre pelo nosso Trânsito. Estimamos sempre que, mesmo que por pura curiosidade, as pessoas demandam os resultados do nosso trabalho. Além do mais, quando criámos este projecto não tínhamos em vista os ganhos materiais, o dinheiro, mas dissemos que se tratava de um ‘workshop’ entre os músicos apenas”.

Portanto, isso equivale ao mesmo que dizer que “financiamos as nossas actividades porque temos o propósito de recuperar alguns instrumentos musicais que não são muito utilizados na praça”.

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