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Os três desafios de Simão Nhacule

Os três desafios de Simão Nhacule

O jovem instrumentista da Companhia Nacional de Canto e Dança (CNDC), Simão Adriano Nhacule, que – além de ser professor prático de instrumentos tradicionais na Escola Nacional de Música (ENM) – é director artístico do agrupamento Silica, apresentou, na passada quinta-feira (11), a sua nova peça, e por sinal a primeira, de recital de ritmos africanos “Mais Um Desafio”. A obra é uma homenagem ao artista pelos obstáculos enfrentados e superados na sua carreira artístico-musical.

Para os mais organizados e preservadores das práticas milenares de, quase, todo o mundo, a quadra festiva representa mais do que a celebração do nascimento de Jesus Cristo e a passagem do ano, um momento de introspecção, em que as pessoas procuram analisar o percurso e, de qualquer modo, fazer o balanço das actividades que decorreram durante o ano. Simão Nhacule, nascido na província de Inhambane e actualmente residente na cidade capital, desde Fevereiro de 1992, não foge à regra.

Ao lançar a sua primeira obra no Cine África, o artista explicou que o tema é proposto em virtude da relevância que o seu percurso artístico possui dentro e fora da CNDC. Na verdade, o início da sua história – a mesma que faz parte do seu primeiro desafio – inicia-se a partir da década de 90 altura em que, a par de outros seus conterrâneos, decide vir a Maputo a fim de trabalhar.

Embora ainda muito jovem, numa cidade tão conflituosa, com as mangas arregaçadas, o artista a que nos referimos conseguiu adequar-se à vida da cidade. Mas, nada foi fácil pois, agricultor como era, além de saber trabalhar a terra, Nhacule só tocava instrumentos tradicionais de música, como, por exemplo, a timbila.

E logo à partida explica-se: “Quando terminei os meus estudos elementares, na província de Inhambane, fiquei à mercê da sorte. Os meus pais não tinham condições necessárias para me matricularem numa outra escola para que continuasse os estudos. Então, aos 18 anos de idade, a convite do meu irmão que na altura residia aqui na capital do país, cheguei a Maputo, onde durante dois anos vendi roupa usada, comummente conhecida por roupa das calamidades, no Mercado Xipamanine”.

Incrivelmente, essa foi a primeira experiência que marcou profundamente o coração de Simão. Não é pela dura vida a que foi sujeito aquando da sua procura de emprego, mas pelo simples facto de esta prática lhe ter aberto as portas da “salvação”.

“Fiquei cerca de dois ou três anos a vender roupa das calamidades. Mas num certo dia ouvi o eco de um tambor que soava a partir do Conselho Municipal de Xipamanine. Foi um momento de êxtase, de tal sorte que quando me aproximei do local senti o entusiasmo dos dançarinos e, estranhamente, senti-me em casa. Foi nesse momento que realmente senti que alguma coisa me ligava à música, aos instrumentos, à dança…”.

Atrevido – claro, como qualquer um da terra de boa gente – Simão pediu ao mestre do grupo que actuava naquele recinto do Estado para que lhe prestasse atenção durante o tempo em que ele demostrava o seu talento. Surpreendido com a brilhante apresentação do jovem machope, o representante do agrupamento deu a oportunidade de o aspirante às artes na altura ensaiar com a sua colectividade. Volvido algum tempo, devido à sua dedicação, Simão passou a tocar no grupo de Canto e Dança da Casa da Cultura do Alto- -Maé, liderado na altura por Fernando Rafael, onde trabalhou até a sua saída desta associação para a Companhia Nacional de Canto e Dança.

O segundo desafio

Ainda neste rol de acontecimentos – desta vez destacando o segundo desafio do jovem artista –, após a sua afirmação na Companhia Nacional de Canto e Dança, o criador de “Mais Um Desafio” foi transferido para a Escola Nacional de Música onde ministra aulas práticas de instrumentos tradicionais. Foi igualmente na ENM onde começou a sua segunda luta.

“As dificuldades que enfrentei na ENM estão relacionados com conhecimentos teóricos. Quando saí da CNCD sabia somente tocar timbila e percussão, mas na escola fui encarregue de ensinar a mbira e a marimba. Então, este foi um dos incríveis desafios que enfrentei na minha carreira, pois, além de ensinar, tive que aprender com os alunos e com os outros colegas. Difícil foi também ter que incentivar as crianças a sentirem paixão pelos instrumentos tradicionais. De todas as formas, para os petizes, quando se fala de aparelhos musicais ficam as imagens de viola, trompetes, pianos, violinos, etc. E isso é legítimo, pois, nas ditas sociedades modernas, o tradicional já está ultrapassado. Mas a experiência foi boa. Na verdade, é um bem que vem por mal. Digo isso porque quando me transferiram da CNCD para a ENM pensei que já não tivesse utilidade naquela casa que me viu a crescer profissionalmente, mas, embora tarde, descobri que realmente estavam a apostar em mim. Por essa razão, depois de ter atingido um certo nível de maturidade na escola, decidi mostrar aos meus colegas o trabalho que vim desempenhando durante os três anos em que me afastei deles”.

O último momento

Tal como se canta no “Próximo Ano”, um tema pertencente ao agrupamento moçambicano de música hip hop “GPro”, Simão Nhacule vangloria os seus resultados, alcançados durante 14 anos. Por isso, “para mim, isso significa o surgimento de um indivíduo novo, transformado e experiente”, disse o artista.

O trabalho é composto por 11 temas, dos quais alguns da sua autoria e outros recriados e que pertencem à artistas zimbabweanos, tais como John Chibadura e Leonardo Dembo; revela , acima de tudo, a influência e a admiração que Nhacule tem por estes ícones. Questionado sobre a sua ligação com os dois artistas de renome e conhecidos internacionalmente, Simão Adriano explica que cresceu a ouvir músicas zimbabweanas, devido à influência dos sul-africanos mineiros que residiam na sua vila, em Zavala.

“Na altura, todos os moçambicanos que viajassem para a terra do rand tinham como objectivo, para além de trazerem pão, arroz, açúcar, leite, entre outros produtos, a compra de aparelhos de som com cassetes para divertirem os seus familiares”, conclui o artista.

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