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Fernando Nhaca cava a sua própria tumba

Fernando Nhaca cava a sua própria tumba

Numa cidade onde você está a ser constantemente apunhalado pelas costas, não pode esperar melhor resultado. Fernando Nhaca, do MDM, candidato vencido nas últimas eleições autárquicas, em Inhambane, é disso um perfeito exemplo. Bastou que se recusasse a ser arrebanhado como uma rês, e por isso proibido de pensar e de dar liberdade à sua cidadania, para comer o pão amassado pelo diabo. Só que Nhaca recusou-se a engolir a massa amarga. Chegou a mastigá-la, sim, mas depois cuspiu-a para a cara dos que o achincalhavam. Pelas costas. Porque de frente não ousam fazê-lo.

Com certeza que Nhaca tinha (tem) a consciência do íngreme caminho que escolheu, mesmo assim cingiu o seu lombo, desafiando todos os cépticos e todos os cobardes que lhe estenderam a rede de emalhar e depois fugiram, escondendo-se por detrás dos escolhos para ver o homem cair. Mas Nhaca não entrou em derrocada. Antes pelo contrário, construiu na sua postura uma reputação que parece estar a aumentar em cada passo que ele dá. Hoje é tratado com respeito, em todo o lugar por onde ele passa. É o resultado da tomada de atitude, e aqueles que queriam destruí-lo estão envergonhados.

A reportagem do @Verdade acompanhou de perto a última campanha eleitoral do candidato do MDM. À sua volta tinha pouca gente que lhe pudesse enrobustecer na imagem e na confiança que devia depositar nos potenciais eleitores. Porém, mesmo sabendo disso, Nhaca suplantou essa penumbra, e avançou com segurança. Com um discurso muito melhor em relação ao que levava nas intercalares. Os locais de escavação eram bem estudados, e os poucos companheiros que o confortavam iam com ele para esses lugares, com a mesma verve.

Nalgumas vezes chegámos a acreditar, pelas conversas que ouvíamos nas ruas e nos mercados e nas barracas onde se bebia cerveja a rodos, que Nhaca poderia ir morar temporariamente no palácio municipal. Mas também os resultados que vieram posteriormente, os quais não sofrem qualquer contestação, em termos globais, não nos surpreenderam. Porque as pessoas daqui são assim mesmo. Você pode pensar que está com um grupo fiel que lhe vai garantir os seus objectivos de luta e, chegada a hora da decisão, esse mesmo grupo abandona-o. Ou, pior do que isso, pode atirá-lo a um poço cujo fundo está infestado de verrumas de aço.

Achamos que ainda existe muito para se dizer acerca das últimas eleições municipais em todo o país, e não vai ser excepção em Inhambane. Ou seja, para além do terreno movediço constituído pelos inimigos teoricamente identificados na senda de Fernando Nhaca, este tinha outros inimigos camuflados pela bandeira do MDM, os quais cantavam com ele os cânticos de revolta contra um sistema segregacionista. Aqueles que, durante os dias da campanha, tomavam o samovar com o jovem professor de desenho, e ao fim do dia passavam o relatório para o outro lado da barricada, de que eles, verdadeiramente, fazem parte.

Nhaca esqueceu-se destes, chegando mesmo a indicar alguns para membros das assembleias de voto. Sendo assim, o resultado não poderia ser pior. Mas o importante no meio de tudo isso não será chorar pelo leite de vaca derramado, embora esses acontecimentos sejam lícitos de se registarem nos anais da história do MDM em Inhambane, porque um dia, disso não temos a menor dúvida, o rio acabará por mudar de direcção.

Para este homem, que já é tratado com muito respeito depois destas últimas eleições, o importante agora é encontrar uma estratégia para fazer perceber, sobretudo aos jovens, que o país precisa de outro sangue, sangue novo e com visão de futuro. Mas para isso Nhaca terá que arregaçar as mangas, porque ele conta com enormes barreiras, estampadas no medo e na cobardia de muitos que até o cumprimentam com sorriso de chacais. Outros ainda, na sua sinceridade, ficam no mutismo, porque não querem morrer como o peixe.

Havia uma grande esperança, durante as eleições autárquicas, no próprio candidato e naqueles que sempre acreditaram no crepúsculo do amanhecer, mas na hora da verdade registou-se aquilo que não surpreendeu ninguém, porque, como se diz em surdina, a aposição aqui não tem lugar. Todavia, se a oposição não tivesse lugar, Fernando Nhaca não continuaria a lutar. Não haveria necessidade de se encheram as urnas como aconteceu nas intercalares, onde foram detectados eleitores vindos dos distritos.

“Também nas últimas eleições houve muitas vicissitudes. Por exemplo, os delegados dos bairros que, por serem membros do MDM foram excluídos do processo, “lavaram as mãos” para o trabalho que tínhamos pela frente. Fizemos a campanha com muitas dificuldades. Fomos à votação sem todos os fiscais. Em algumas mesas nem tínhamos fiscais por causa destes problemas criados”. Para Fernando Nhaca, sem querer contestar os resultados globais das últimas eleições, “isso contribuiu nos números”. O secretário do bairro, o chefe do quarteirão, o suplente do fiscal e o próprio fiscal, receberam instruções para não traírem a “maçaroca”.

E no meio deste cenário pouco favorável, Nhaca tem pela frente um caminho sinuoso, em que os estudantes, os professores, o funcionário público, têm medo de se aproximar do MDM. “É muita pena que eles continuem a ter medo porque estão a perder a oportunidade de pertencerem a uma geração que tem a missão sublime de mudar o país. Ainda sobre as eleições, estou a recordar-me de que foi descoberto um fiscal que não sabia assinar, para além da distribuição de boletins de voto aos membros de confiança do partido. Mesmo assim, apareciam alguns honestos que, recebendo mais do que um impresso, reclamavam e devolviam”.

Fernando Nhaca fala destas questões todas sem tirar os olhos do futuro. “Isto não nos desanima, antes pelo contrário, dá-nos mais força para continuarmos a lutar pelo nosso objectivo que é de criarmos um Moçambique para todos, onde haja justiça e respeito pelas pessoas. Poderemos, sim, ter cavado a nossa própria tumba, ao confiarmos em pessoas que tinham objectivos do nosso adversário. Porém, continuamos a convidar a todos para que se juntem a nós, mesmo que venham do outro lado. Vamos todos mudar o país”.

Fernando Amélia Nhaca nunca mais será o mesmo. Cada vez se espera mais dele.

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