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Autoridade Tributária: Um clube de Namialo que surpreendeu África

O Clube de Voleibol da Autoridade Tributária de Nampula participou, no passado mês de Abril, em Tripoli, capital da Líbia, no Campeonato Africano de Clubes Campeões de África, edição 2012. E apesar do oitavo lugar conquistado tornou-se a primeira equipa moçambicana a chegar aos quartos-de-final, bem como a inscrever a posição assumida no livro de recordes do país.

Nesta semana a conversa é com Efraím Solano, técnico ao serviço da Autoridade Tributária, o responsável pelo projecto de estruturação de uma equipa que, depois de se sagrar campeã da Zona VI, surpreendeu o continente africano ao ser consagrada como a sensação do certame que decorreu na Líbia. O nosso entrevistado que definiu, nas entrelinhas, a sua equipa como um exemplo a seguir no país, falou também de assuntos ligados à vida do voleibol moçambicano.

Jornal @Verdade – Qual é o seu sentimento encontrando- -se a comandar uma equipa na maior competição africana de voleibol a nível de clubes?

Efraím Solano – Depois de um período longo de trabalho, ultrapassando vários obstáculos, primeiro estar na Líbia e, segundo, conquistar a oitava posição é para mim motivo de muita satisfação. Sinto-me bastante orgulho por pertencer a esta geração de vencedores.

@V – Quer dizer que se sente confortável por ter terminado na oitava posição da competição?

ES – É uma posição que pode não orgulhar ou não significar muito para ninguém. Mas só o facto de termos passado da fase de grupos e ainda na qualidade de equipa improvável, sendo a primeira vez na história de Moçambique em competições africanas, é bastante relevante.

@V – Qual foi o segredo para alcançar este resultado histórico?

ES – O nosso trabalho é complexo e teve a sua génese há sensivelmente três anos. Engloba várias componentes desde a psicológica, a nutricional até à técnica da equipa. A palavra-chave do nosso sucesso é a capacidade do atleta de estar no voleibol.

@V – O que falhou para que esta equipa da Autoridade Tributária não fosse para além dos quartos-de- -final?

ES – Temos, em primeiro lugar, que olhar para o grupo em que estivemos inseridos, com equipas do Quénia, de Uganda e da Costa do Marfim que constituem, de per si, potências a nível do continente. Em segundo, olhar para o “azar” que tivemos no sorteio dos quartos-de-final ao cruzarmos o caminho de um anfitrião que todos sabemos o que representa também para o continente africano.

@V – Teve a oportunidade, nesta competição, de ombrear com equipas com um nível elevado em termos de rendimento no voleibol. Qual é a avaliação que faz de Moçambique neste momento?

ES – O nosso voleibol vai, pouco a pouco, andando de forma progressiva. Nos já demos o primeiro passo. Algo que se destacou na nossa participação na Líbia é o facto de que, inicialmente, éramos considerados uma equipa qualquer. Mas, graças à nossa prestação e dedicação, fomos consagrados como a equipa sensação da competição, o que demonstra que estamos a subir.

Soube, recentemente, que a Confederação Africana de Voleibol enviou uma nota à Federação Moçambicana de Futebol e à direcção do nosso clube a saudar o “show de bola” que demos na Líbia, bem como a considerar que temos um futuro brilhante a nível de África. Mas isso não deve envaidecer-nos. Pelo contrário, temos de manter esta humildade, este trabalho e esta constância para que possamos ser aquilo que todos esperamos.

@Verdade – Esta é uma equipa que surgiu numa zona, diga-se, rural. O que é que a difere das restantes do país, sobretudo as urbanas, tomando em conta que grande número está centrado nas cidades?

ES – Não tenho autoridade para falar das outras equipas. Mas na Autoridade Tributária há união e espírito de trabalho colectivo. Nós estamos sempre juntos. Somos uma espécie de amigos de infância. É um facto que estamos baseados em Namialo, um local que dista da cidade. Mas é lá onde implantámos o nosso centro de formação que neste momento conta com cerca de 250 atletas.

É preciso deixar claro, também, que nada tem a ver com a localização, ainda que nas regiões recônditas tenhamos problemas de infra-estruturas. Todo o atleta pode adaptar-se quando há um projecto claro e sério de trabalho, partindo da própria formação. Há um aspecto que contribui para o fracasso das equipas em qualquer desporto: muitos treinadores esquecem-se de que a componente psicológica do jogador é preponderante para a vitória.

@V – Partindo do princípio de que o patrono do vosso clube é a Autoridade Tributária, uma instituição abastada, não será este o factor que vos diferencia das restantes equipas e vos coloca numa posição privilegiada?

ES – É o que muita gente pensa. A questão material nunca junta uma equipa, só separa. Eu, na qualidade de técnico, tenho de pensar somente nos meus atletas e eles nos objectivos traçados. A humildade e o trabalho caminham verticalmente com o sucesso. Volto a repetir: o trabalho psicológico é a nossa qualidade. Este é um projecto que começou do nada e há sensivelmente três anos. Há algo, por exemplo, de baixo custo mas fulcral e que, se calhar, muitos treinadores não usam neste país: os vídeos sobre o voleibol.

@V – Qual é a importância desses vídeos?

ES – São vídeos que ensinam como deve ser um trabalho de equipa; qual deve ser o comportamento de um atleta de voleibol; e qual é a responsabilidade de cada um em campo. Na Autoridade Tributária nós temos um total de 15 filmes desse género e, para nós, são como uma segunda arma.

@V – Quais são as necessidades da equipa da Autoridade Tributária?

ES – Felizmente, temos as condições básicas para continuarmos como equipa. Tudo, diga-se, joga a nosso favor. Temos envidado esforços para que os atletas sejam bem nutridos, exerçam normalmente os trabalhos de musculação e tenham num treino diário sem preocupações. Algumas coisas são improvisadas, cujo mérito vai para a criatividade do próprio treinador com ajuda dos coordenadores. Em termos de condições, repito, tudo joga a nosso favor.

@V – A nível de infra-estruturas?

ES – Este é, infelizmente, o nosso calcanhar de Aquiles. Mas entendo que a falta de infra-estruturas é um problema de todo o país. O que percebo é que até o próprio Governo, sem falar das associações, ainda não concebeu esta ideia da construção e da importância de pavilhões desportivos. Na Autoridade Tributária temos de pensar, a longo prazo, em ter um pavilhão e um ginásio.

@V – Onde é que a equipa da Autoridade Tributária treina neste momento?

ES – Em Namialo temos um campo aberto da vila que usamos para treinar. Temos, também, o campo da Escola Secundária de Muatala usado como alternativo onde, com a ajuda do antigo presidente da Federação Moçambicana de Voleibol, Camilo Antão, montámos um tapete.

@V – Os campos de Tripoli não constituíram algo estranho para os atletas moçambicanos?

ES – Na verdade, aqueles campos são diferentes e evoluídos se fizermos uma análise comparativa. Mas nós temos o básico, como bem disse anteriormente. O que tem de acontecer no país é a federação continuar a apoiar a nossa equipa em termos materiais para que possamos despontar a nível internacional.

@V – O técnico Efraím tinha excelentes relações de amizade e cortesia com Camilo Antão, no período em que ele era presidente da Federação Moçambicana de Voleibol. Nunca escondeu isso. Qual é a relação que mantém, neste momento, com Khalid Cassam?

ES – É uma relação normal. Mas também não deixa de ser verdade que com Camilo Antão havia muita confiança. Com Khalid sempre houve diferenças desde o período em que ele era treinador. Mas porque estamos unidos em prol do voleibol, estando ele no topo, temos de nos compreender. O contexto não muda.

@V – O que é que o elenco anterior disponibilizava à Autoridade Tributária e que este já não faz e vice-versa?

ES – Para além da própria afinidade que tínhamos com o elenco anterior, sobretudo com o próprio Camilo Antão, a única ajuda que tivemos da federação foi o tapete. Hoje continuamos com este material apesar de persistirem alguns embaraços. Outro aspecto que revela que há entendimento entre o nosso clube e o novo elenco federativo é o do uso desta equipa como selecção nacional sub-23, sabido da média de idade de 21 anos e do reconhecimento do trabalho que desenvolvemos ao longo destes três anos. Trabalhamos todos em prol de um objectivo comum: desenvolver o voleibol moçambicano.

@V – Quais são os objectivos da Autoridade Tributária?

ES – Neste momento estamos a pensar no Campeonato Nacional de Voleibol. Felizmente somos campeões da Zona IV e isso coloca-nos novamente no campeonato africano. Mas continuaremos a trabalhar para glorificar a província de Nampula e o país no geral.

 

“O voleibol moçambicano é anacrónico”

@V – Tendo em conta que está há cinco anos a residir em Moçambique, o que acha do nosso voleibol?

ES – Na minha opinião, o voleibol moçambicano está numa fase de transição. Espero não ofender a ninguém, mas ele tende a sair duma camada mais antiga para uma mais moderna em que a modalidade, embora de forma isolada, ganha novos projectos sérios e ambiciosos. Creio que daqui a mais algum tempo chegaremos até onde todos queremos.

@V – Em termos concretos, quais são os indicadores dessa evolução?

ES – Não é por uma questão de vaidade. Mas quando surge um clube como o da Autoridade Tributária a mostrar serviço fora de portas, muitos clubes do país querem seguir o exemplo. Internamente, passaremos a ter mais concorrência e a nível internacional teremos maior repercussão. Fomos elogiados e consagrados como equipa sensação do ano pela Confederação Africana de Voleibol e isso demonstra que o voleibol moçambicano tem futuro e poderá ser uma referência africana. Quanto mais competência apresenta a equipa “Y”, mais equipas poderão subir porque vão querer derrotá-la. Eu penso assim.

@V – É correcto dizer que a Autoridade Tributária é o exemplo do voleibol moçambicano?

ES – É muito complicado responder directamente a essa pergunta. Apenas tenho a dizer que somos um clube organizado que luta todos os dias para ser cada vez melhor. Todo o pessoal, desde os coordenadores até aos atletas, sabem que nada sabem e por isso procuram aprender a cada instante. Felizmente estamos a viver um sonho, o de ombrear com as grandes equipas, ainda que africanas. A Autoridade Tributária está a ajustar o voleibol global no contexto moçambicano.

 

“Não proibi nenhum atleta de estar na selecção nacional”

@V – Os jogadores da Autoridade Tributária rejeitaram a selecção nacional logo após o regresso da Líbia. Porque?

ES – Teve a ver com as condições impostas pela federação. Acabávamos de fazer uma viagem cansativa de Tripoli, Líbia, a Moçambique, em que os atletas ficaram sem dormir dois dias. Quando chegaram a Nampula, os nossos atletas tinham de viajar de autocarro até à cidade de Maputo e numa carreira nada confortável. Ademais, foi num período conturbado na zona centro do país com os acontecimentos de Muxúnguè. Obviamente que nenhum pai gostaria de ver o seu filho exposto a estas condições.

@V – Diz-se que foi o técnico Efraím quem proibiu os atletas de representarem a bandeira nacional. Isso é verdade?

ES – Nós somos humanos e temos as nossas limitações. Um atleta que vem de uma competição precisa de repouso e a federação devia também ver as coisas nesse prisma e não aparecer a exigir que os atletas viagem de Nampula a Maputo de autocarro.

 

“No voleibol não temos selecções representativas”

@V – Olhando para o trabalho que é feito pela Autoridade Tributária e a brilhante prestação que teve na Líbia, na sua óptica, o que falha na selecção nacional de voleibol sénior masculina?

ES – O maior erro da nossa selecção nacional é não ser representativa. Tentou-se, na última convocatória, chamar- se atletas de quase todo o país mas, infelizmente, as escolhas não foram as mais acertadas. Eu sempre defendi que, em qualquer modalidade desportiva, um seleccionador nacional, para ter sucesso, deve conhecer a realidade do país e os jogadores que vai convocar.

Mas é preciso, também, que a federação garanta que o técnico principal viaje pelo país à busca e pesquisa de talentos para a selecção nacional. Os atletas, por sua vez, merecem melhores condições enquanto representantes das bandeiras nacionais. A federação falha, por outro lado, ao não planificar as competições, quer dos clubes internos, quer da própria selecção.

@V – Se fosse convidado a abraçar a função de seleccionador nacional, aceitaria?

ES – Seria complicado. Eu sou um funcionário público e estou no voleibol apenas no período livre da minha vida. Eu acho que neste momento a selecção nacional está bem entregue ao técnico Beto Araújo. Eu chegarei à selecção nacional no dia em que forem melhoradas as condições para os meus atletas. Neste momento as coisas ainda estão numa fase em que precisam de transição.

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