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100 anos de dedicação à história natural

Na sala central do Museu de História Natural há uma mostra permanente de um búfalo que – agindo em defesa própria, elimina três leões dos quais duas fêmeas que o queriam predar – sofreu ferimentos. Não obstante, popularizou-se, o leão é o rei da selva. O desafio do professor Dércio Rodrigues, que para lá levou os seus alunos, foi explicar como essa experiência estabelece o equilíbrio ecológico. No dia cinco de Julho, a instituição completou 100 anos no contexto dos quais, a directora local, Lucília Chuquela, fala sobre os seus desafios e fracassos. O ‘Marketing’, que praticamente não existe, pode até falhar na sua divulgação, mas, os poucos moçambicanos que a visitarem, talvez não escapem do ‘grito’ daquele letreiro. ‘Este museu é vosso (…) que vos orgulheis dele…’

A ideia de se criar o Museu de História Natural é do tempo colonial e surge em 1911, quando nem se pensava no dito nome. Acabava de ser criada, no mesmo ano, a Escola Comercial e Industrial 5 de Outubro que, agora, se chama Escola Secundária Josina Machel e que é vizinha do edifício em que a instituição museológica funciona desde 1933.

Nos dois primeiro anos, E. Gouveia Pinto, a par de outros companheiros associados animados pela mesma ideia, planearam algo feito com alguma especificidade e profissionalismo. Por isso, em 1913, criaram novos alicerces e abandonaram a ideia de ter uma instituição – que querendo ser – museológica funcionava como ‘um mostruário de exemplares marinhos, amostras de minerais, madeiras e produtos agrícolas’.

Enquanto o tempo passava, a sala de aulas em que os dados eram exibidos mostrou-se desconfortável. Em resultado disso, nessa busca de especialização, em 1916, o Museu de História Natural é transferido para o edifício Vila Jóia – ali, onde, nos nossos dias, funciona o Tribunal Supremo – mas mesmo assim, o governador da Colónia de Moçambique, Álvaro de Castro, inquieta-se com as condições habituais da instituição.

Nessa época, essa casa cultural é dirigida por José Emílio de Oliveira que foi precedido pelo professor Alberto Faria e pelo engenheiro agrónomo José Joaquim. Entre 1920 e 1939, Eurico Cabral Pinto, António Afonso de Carvalho, Eurico de Gouveia Pinto, César de Almeida Fontes e António Esquível sucederam-se na direcção do museu.

Não existe dados específicos sobre quem dirigiu a instituição em 1933, facto, porém, é que é nesse ano que o Museu de História Natural passou para as hodiernas instalações as quais, segundo o depoimento de Lucília Chuquela, deviam ser uma escola. “Indícios disso é que, para quem visita a sala de mamíferos, percebe que está num pátio de uma escola adaptado para acolher as mostras de espécimes”.

Foi a partir daí que a especialização do museu começou a ganhar visibilidade. “Agora temos a colecção etnográfica, de animais mamíferos, de invertebrados, de peixes, de insectos – que é a maior de todas e a mais rica – e, gradualmente, vamos construindo novas salas”, refere Chuquela visivelmente orgulhosa. Com a especialização do sector museológico, um novo sentido – referente às suas funções – ganhou uma consolidação gradual: trabalhar no âmbito da exposição dos espécimes, realizar pesquisas afins, bem como educar a comunidade sobre temas ambientais.

Refira-se que as primeiras duas funções evidenciam-se mais a partir do tempo colonial, sendo que a investigação será feita à luz da subordinação do Museu de História Natural ao Instituto de Investigação Científica de Moçambique (IICM), criado em 1955, o mesmo ano que se nomeou Alberto Peão Lopes filho – que exercera função similar em Luanda – para ser o taxidermista-chefe.

Mas a directora Lucília Chuquela, bióloga especializada em museologia, explica que os factos explicados no parágrafo anterior decorrem, concomitantemente, numa época que havia os projectos da criação da barragem de Cahora Bassa, na província de Tete, no Centro de Moçambique. “Havia a necessidade de se fazerem estudos de biodiversidade de que resultou a grande colecção de insectos que existe no museu”.

Por um lado, devido à preocupação dos directores que se sucederam na instituição nesse sentido, cresceu a necessidade de se fazer a colecção etnográfica dos povos de onde as amostras de animais foram capturadas. Isso significa que se o estimado leitor visitar o Museu de História Natural poderá apreciar, também, os recursos humanos moçambicanos, incluindo os seus artefactos desde os utilitários domésticos, as suas armas, os seus vestuários, até instrumentos artístico- culturais.

É por essa razão que, por outro lado, “naquele tempo, anualmente, eram divulgadas publicações sobre relatórios de investigação científica que reportavam as actividades feitas no contexto do museu”, afirma Chuquela que se intriga com o facto de que “o museu nunca teve um quadro de pessoal adequado às suas funções”. O problema prevalece.

E não lhe faltam argumentos: “Por isso, por exemplo, mesmo em relação às colecções que se têm, não foram capturadas no âmbito de um programa específico. Elas apareceram porque as pessoas doaram ao museu até que um dia cresceram”.

Os moçambicanos da época, muitos dos quais viveram o colonialismo, congratulam-se com a independência, mas, também é facto que as vicissitudes que ela trouxe, além do sentimento de liberdade, sob o ponto de vista de transformações sociais, com enfoque para o abandono de quadros formados e especializados em determinadas área, incluída a museológica, tiveram um impacto negativo no percurso do Museu de História Natural.

Pereira Cabral, que se tornou o primeiro director da instituição depois de 1975, narra Lucília Chuquela, concentrou- se na educação promovendo programas infantis radiofónicos com enfoque para a interacção com as crianças a fim de que elas tivessem conhecimento da natureza e do funcionamento museu.

De qualquer modo, o período anterior deu uma grande contribuição científica na história natural do país que se visualiza na produção do livro Borboletas de Moçambique – de Augusto Cabral – bem como Uma Lista Sistemática das Aves da Região Extremo Sul da Província de Moçambique de autoria de António Augusto da Rosa Pinto.

Com a desvinculação do museu do IICM, em 1975, momento em que se subordina à Universidade Eduardo Mondlane, a instituição recebe três quadros formados em igual número de sectores diferentes que aprofundaram os estudos de alguns aspectos da vida museológica nos anos de 1990. Ao longo da primeira década do ano 2000, por causa das catástrofes ambientais que decorreram no país, e, uma vez que o Museu de História Natural é um parceiro do Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental, foi preciso que o mesmo actuasse em relação a aspectos relacionados com fenómenos ambientais.

Nesse sentido, pela primeira vez, a instituição museológica cria um programa de educação ambiental, que ainda é realizado, com o envolvimento de escolas realizando palestras em que se abordam temas afins.

É em resultado de tudo isso que a directora Lucília Chuquela explica que o primeiro centenário do Museu de História Natural se celebra com o sentimento de alegria e de responsabilidade “porque somos o único museu nacional com este património. Por isso, temos o dever de preservá-lo, hoje, para as futuras gerações. No entanto, para o efeito, precisamos de ter pessoal e recursos financeiros adequados”.

Chuquela explica que, por mais que não pareça, “este museu nunca teve recursos humanos, muito menos financeiros, apropriados para todas as diferentes áreas que possui. Sempre sobreviveu graças a doações de entidades nacionais e estrangeiras”.

Desafios

As celebrações do primeiro centenário do Museu de História Natural continuam até Julho de 2014 e, para tal, estão agendas palestras e encontros de discussão académica sobre, por exemplo, o tema dos desafios de uma instituição dessa natureza. Mais importante – e para isso o leitor deve andar atento – será essa discussão sobre a abordagem sociológica da caça furtiva em Moçambique, bem como o impacto que daí advém.

De uma ou de outra forma, para a vida museológica, neste momento, Lucília Chuquela elege como factor importante, “a necessidade de discutirmos sobre determinados aspectos referentes à estratégia do desenvolvimento do museu”. Ou seja, “este museu está subordinado à Universidade Eduardo Mondlane que tem o seu plano estratégico de desenvolvimento; por isso, nós também temos de encontrar formas de nos enquadrar no referido plano para desenvolver o museu”.

Entretanto, outro desafio, sempre presente na vida museológica, “é a necessidade de preservar as colecções que existem, bem como chamar o público à consciência de que o museu também lhe pertence. Todos nós, os moçambicanos, temos alguma responsabilidade partilhada na salvaguarda deste património”.

A interacção do Museu de História Natural com instituições do ramo, na região da África Austral e no mundo, revela que o desenvolvimento de um museu depende da acção de um grupo de amigos – para o qual se está a criar um programa específico. “Estes grupos de amigos não só são responsáveis pela nutrição da instituição em termos de colecções de espécimes, mas também na produção de ideias. Por exemplo, no contexto destas celebrações, com a realização da feira de gastronomia, tivemos um número grande de visitantes”, esclarece.

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