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Xïkwembo-Deus vai organizar

– Senhora veio de jipe lá de Portugal? Ysh! Senhora! É muito longe! Todo esse caminho? Ysh, senhora deve conhecer muitas províncias! Viajei, viajo. Já sabia, passo a passo vou apenas confirmando o prazer que me dá o mudar de lugar. E até agora avanço sempre, nas curvas caprichosas da estrada e sob a orientação misteriosa da estrela. Pelo caminho conheci Moçambique.

Daqui saí, viajei. E voltei. Volto para o desafio exótico, misturado de influências e inchado de cosmopolitismo, para a doçura húmida de Maputo. Volto, ainda não acabou meu tempo aqui. Volto porque me inspira, inspiro-me nas gentes, nas filosofias da vida. Sento-me à sombra da bananeira, e escrevo. Ela fica curiosa: – Senhora está a fazer? – Eu? Estou a escrever.

– Hum… (espreita por cima do meu ombro) eu não sei escrever, eu nasci no mato, láaaaaaaaaaaaaaaaa (alonga o som como a percorrer a imaginária distância) em Inhambane, minha mãe morreu muito cedo, papai casou mas aquela ali não me gostou ou não sei, então eu nem na escola não fui, nem assinar não sei… senhora pode me ensinar? E enquanto arruma as minhas roupas: – Senhora? Posso levar esse vestido? – Bom… esse vestido…

– Sim, mas senhora não está a usar, eu haveria de usar. No dia seguinte: – Senhora, eu estou de malária. – Então não tem problema, pode ficar a descansar. – Nada senhora, eu hei-de vir descansar lá na tua casa. – Mas pode ficar com sua família. – Nada, hei-de ficar aqui na tua casa, lá na minha casa tem muita água para cartar, aqui eu fico bem, bem mesmo. Crianças lá hão-de se organizar.

E como já é hábito de quinze em quinze dias há cerimónia familiar para organizar: – Senhora eu estou sem dinheiro de farinha, de arroz, nem folha de chá não tenho. Amanhã tem aniversário de meu filhos mais novo e eu vou receber visitas, mesmo assim, sem nada, nem biscoito não fiz… – Pois… – Bom, deus há-de organizar. – Pois… Hoje chega atrasada, aproximase de mansinho, na mão um copo de água de coco. – Hum…

Senhora como está? – Eu estou bem obrigada e na sua casa, tudo bem? – Sim, tudo bem, nada mal. Senhora, senhora não tem filhos? – Não. – Nunca teve, na sua vida, toda a sua vida nunca encheu barriga? – Nunca. – Ysh… senhora, jura? – Sim. – Então como faz, senhora usa camisinha? – Eu… – Senhora, sabe que aqui em Moçambique nós sabemos muitas coisas… senhora sabe porquê nunca engravidou?

– Bom, porque… – Nada, senhora não sabe. Essas coisas de camisinhas e comprimidos, isso não é nada. Sangues é coisa forte, nada disso são coisas de importância. Senhora, vamos fazer assim, eu sei das coisas, eu sou sua mamã em África!

Afinal! Então eu vou plantar, plantar e depois apanhar e pilar, pilar e depois ferver, ferver! Senhora toma, nem há-de terminar duas panela e barriga há-de crescer, é assim senhora, não acredita? Eu sei dessas coisas, pessoas vêem de longe, senhoras mesmo da cidade, com esses problemas, e eu faço. Funciona sempre. Isso tudo aí que está fechado vai abrir. – Sim, mas…

Ela já nem ouve, vai fazer os seus trabalhos e na saída: – Senhora, tou pidir sair, posso? – Sim, até manhã, obrigada. – Senhora, senhora tem fé? E… mas não vai na igreja, né? Pois. Então isso que eu disse de deus organizar senhora… – Sim? – Não acredita não é? Por isso… senhora não quer ajudar deus a organizar aquilo ali de meu dinheiro?

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