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Violações sexuais: um mal imputado à permissividade das leis

Em diferentes partes de Moçambique, em particular nos centros urbanos, como é o caso das cidades de Maputo, Beira, Manica e Nampula, ouve-se, de forma recorrente, relatos de pais que violam sexualmente as próprias filhas menores, algumas ainda com idade para usar fraldas, tios que assediam as sobrinhas e vizinhos que mantêm relações sexuais forçadas com crianças dos seus próximos. Trata-se de um fenómeno cujas razões dividem opiniões. Contudo, o repúdio vem de todos os lados, não somente porque a maior parte das vítimas é composta por crianças e adolescentes, mas, sobretudo, porque os traumas contraídos deixam sequelas eternas. Pede-se, vigorosamente, sanções pesadas contras os violadores.

A Polícia da República de República de Moçambique (PRM), por exemplo, reporta, quase todas as semanas, nos seus briefings com a Imprensa, que um certo progenitor, de um bairro X, violou sexualmente a sua filha até lhe causar escoriações quando a mulher não se encontrava em casa. E que dizer dos casos em que algumas mães são cúmplices alegadamente para proteger o marido? Na maioria dos casos, os agressores cometem este tipo de actos, diga-se, hediondos, sob o efeito de estupefacientes.

As relações sexuais não consentidas com as adolescentes e crianças são também protagonizadas por indivíduos que depois fogem e permanecem em parte incerta, segundo nos tem dado a conhecer a Polícia, que há bastante tempo também tem estado a manifestar o seu agastamento em relação a este problema.

Orlando Modumane, porta-voz do Comando da PRM a nível da cidade de Maputo, disse, ao @Verdade, esta segunda-feira (04), que a corporação não tem o controlo da situação e o número de vítimas está a crescer. Para além de vários casos de abusos sexuais que são reportados isoladamente, há aqueles que não chegam a ser divulgados, mantendo-se no segredo dos deuses.

A Lei 7/2008 é disfuncional

A WLSA Moçambique refere que a Lei de Promoção e Protecção dos Direitos da Criança (7/2008) não garante o cumprimento e a efectividade dos privilégios da classe para a qual foi criada. Ela não é aplicada, é disfuncional, arbitrária e fomenta a impunidade dos violadores sexuais. Ao invés de punir, apenas dá lições de moral.

A secretária executiva daquela organização, Conceição Osório, ex- plicou à nossa Reportagem que a Lei 7/2008 preconiza que a violação sexual só é crime público até aos 12 anos de idade, facto que, na sua opinião, denuncia uma lacuna que, por conseguinte, viola os direitos da criança e a descrimina. Ela argumentou que à luz de diferentes dispositivos legais, os menores de idade são todos aqueles que têm uma idade abaixo de 18 anos.

Alguns artigos contestados

A nossa interlocutora entende que o artigo 401 da Lei de Promo- ção e Protecção dos Direitos da Criança deve ser melhorado de acordo com a situação vigente para proteger uma faixa etária aci- ma de 12 anos de idade.

Na opinião de Conceição Osório, aquele dispositivo legal peca ainda por ter sido concebido de modo que a violação sexual não seja punível quando não houver denúncia por parte das vítimas ou da família das mesmas, porque o sistema judicial moçambicano considera crime um caso que é comparticipado pelos intervenientes directos do sucedido.

Num outro desenvolvimento, a nossa fonte disse que o artigo 409 da Lei 7/2008 estatui que “se o agressor (violador sexual) casar com a vítima, embora a acção pública prossiga, a pena é suspensa e caducará cinco anos depois se não houver divórcio ou separação judicial por factos somente imputáveis ao marido”.

Esta disposição legal penaliza as pessoas ofendidas porque não passa de uma reiterada vitimização na medida em que logo a seguir à violação a pessoa é forçada a casar-se com o seu agressor. Algumas famílias chegam estar a favor dessa união desonrosa porque tiram benefícios financeiros. O interesse da criança é ignorado e ela serve como uma mercadoria.

Segundo a explicação de Conceição Osório, as uniões são obriga- tórias, fazem com que as meninas em idade escolar sejam assumam uma vida de cônjuge prematuramente e satisfaçam, com a sua vontade, os apetites sexuais de homens adultos. Isto é uma autêntica escravatura sexual.

A legislação que protege a criança é moralista e religiosa

A legislação moçambicana, acrescentou a fonte, não está harmoni- zada com as várias convenções internacionais ratificadas em prol do respeito, da protecção e da promoção dos direitos dos menores de idade. “A lei da criança ainda é muito moralista e religiosa, por- que a criança não é vista como sujeito de direito”.

A finalizar, a secretária executiva da WLSA afirmou que o Código Penal também é muito permissivo à impunidade dos violadores e incentiva o aumento de casos. O outro instrumento legal que está a ser sistematicamente violado quando se aceita que a vítima case com o agressor é a Lei da Família (10/2004).

O governo e a Sociedade civil devem agir

A secretaria executiva da WLSA Moçambique defendeu que as comunidades, o Governo e a sociedade civil não devem olhar passivamente para as violações sexuais de menores de idade como um acto que resulta do consumo do álcool e de outras drogas que alteram o comportamento humano.

Se este ponto de vista for repetitivamente assumido como uma explicação cabal para o problema, uma das consequências será a desfiguração da moral e a submissão da ao homem.

A nossa entrevistada explicou que as violações sexuais de menores estão, em parte, ligadas à alienação das famílias na educação das crianças. Para o caso dos pais que praticam este acto na pessoa das próprias descendentes, a explicação está no facto de se acreditar no boato segundo o qual se pode curar o HIV/SIDA recorrendo a relações com virgens, por sinal meninas numa faixa etária de 2 e 3 anos de idade.

A pobreza também concorre para esta promiscuidade em que os progenitores usam as filhas para fins de obscurantismo com o propósito de enriquecer.

Num outro desenvolvimento, Conceição Osório apontou que há outros tipos de ofensas sexuais que ocorrem num contexto em que para um número considerável de pessoas tal significa um poder exercido pelo homem sobre a mulher, o que sugere a existência de uma relação de superioridade entre os géneros e, consequentemente, geram-se comportamentos violentos.

“Esta questão de poder é tão importante quando se reconhece que a violação sexual é compreendida no contexto de uma estrutura de género e de um normativo cultural que exerce a sua dominação através do controlo do corpo”, disse a nossa interlocutora.

Na sua opinião, a ausência de um entendimento comum sobre a violência sexual impede que haja uma acção concertada de combate e prevenção. Por isso, o fenómeno tende a atingir índices preocupantes e “há muito secretismo no Hospital Central de Maputo porque este não torna públicos os casos que assiste. Se os divulgasse, poderia ajudar a comunidade a intervir e desencorajar a prática”.

De acordo com Conceição, as vítimas sofrem também um abalo psicológico devido à falta de um acompanhamento clínico adequado sempre que acontece um incesto inter-geracional. Os lares e as escolas são considerados os lugares onde mais casos de abuso sexual ocorrem. Algumas famílias não denunciam os agressores porque são aliciadas com dinheiro em troca do silêncio. Outras são marginalizadas por terem procurado apoio legal.

A psicóloga isabel Munguambe acredita na existência de distúrbios psicológicos

Os abusos sexuais das crianças resultam, por um lado, do facto de o agressor ter sido vítima do mesmo acto ainda pequeno e, por outro lado, da atracção que sente pelas crianças, de acordo com a psicóloga Isabel Munguambe. Os protagonistas desta atrocidade precisam de um acompanhamento clínico para evitar que o estado anímico em que se encontram piore e seja reabilitado e reintegrado na sociedade.

“Actualmente, acontece que as comunidades condenam apenas a prática e as suas acções são pouco eficientes para conter a multiplicação das vítimas”, disse Isabel.

Como combater a violação sexual

Segundo a WLSA, o combate às relações sexuais forçadas depende da operacionalização das políticas públicas que regulam os direitos da criança. As medidas punitivas devem igualmente ser aplicadas sendo necessário haver um plano multissectorial para melhorar o atendimento das vítimas. As famílias têm a obrigação de romper o silêncio e passar a denunciar qualquer acto de violação sexual.

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