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verdade pop – O Michael dos africanos

Vinte e seis anos depois, revejo estes jovens senegaleses oriundos sobretudo da burguesia, exibindo febrilmente uma cabeleira luzidia à Michael Jackson. O “encaracolado” acabava de fazer a sua aparição nos lares onde os pais não viam com bons olhos a americanização dos seus filhos. O país de Molière, cujas fronteiras eram muito abertas, era assim ultrapassado pelo do tio Sam! 
 
Em 1983, ano de saída do álbum “Triller”, Dakar, Abidjan, Libreville, …foram todas conquistadas por Michael Jackson. Os mais velhos que dançaram as músicas de Diana Ross e dos Supremes, dos Temptations ou ainda dos Commodores, assim como de míticos grupos afro-americanos, conheciam bem o pequeno Michael e os seus quatro irmãos.
 
Mas, agora era diferente. O garoto bochechudo de grandes olhos negros inocentes e de voz esganiçada havia crescido. Para mais, ele inaugurara uma coisa extraordinária para a época: os videoclips. Imagens que a juventude dourada troca na escola para em seguida os visionar em casa nos leitores de vídeo, muito em voga na época. É o início da “michaelmania”. O “moonwalk” e todas as outras coreografias espectaculares que rapidamente seduzem mesmo os pouco dado às lides da canção e da dança.
 
O fenómeno Jackson, a par da ascensão do cinema de acção americano, é sem dúvida uma das causas da paixão súbita de milhões de jovens africanos pelos Estados Unidos. Paixão, essa, reavivada desde a eleição de Barack Obama para a presidência do país. É verdade que os anos Bush refrearam a adoração. Mas isso é outra história.

“Michael Jackson morreu, “thiey Yallah, o artista bou rey leu” (Olá Deus, é um grande artista, em wolof, a língua mais falada do Senegal). No dia 26 de Junho, quando a notícia do falecimento corria mundo, em Dakar cada um tecia o seu comentário. A sua voz, a sua metamorfose física e a sua tez lívida, as suas gloriosas prestações, as acusações de pedofilia.

Mas, acima de tudo, o que interessa, neste país em que 95% da população são muçulmanos, é a sua religião. Michael era muçulmano? Para muitos, seguramente que sim. “Se não fosse esse o caso, ele não teria cantado o profeta do islão”, jura-se enquanto as rádios locais passam “Give thanks to Allah”, um título que ele registou no Bahrein em 2005 antes de se converter ao islamismo. Mas, quem pode assegurar que tenha sido verdadeiramente ele a cantá-la?

Hoje, em todo o caso, lembro-me, como muitos fãs do continente nos anos oitenta, de ter amado loucamente Michael. É verdade que os posters desapareceram das paredes do meu quarto (felizmente); não faço ideia onde pára a luva branca de lantejoulas; as centenas de pins; a toalha de banho; o boné; o blusão vermelho que fez furor no clip “Beat it”.
 
Hoje já não acordo de manhã rodeada de efígies do meu antigo ídolo, mas conservei cuidadosamente, em pequenas pastas, uma quarentena de cassetes (“Jackson 5”, “The Jacksons”, “Michael Jackson” e “Best of”) e de vinis para nostalgicamente voltar a ouvir. Agora que ele nos deixou, os produtores vão servir-nos Michael com todos os molhos. Mesmo os mais indigestos. Belas receitas em perspectiva, não é? E, pior ainda, quando se massacra a obra do artista.
 
*Correspondente da “Jeune Afrique” no Senegal, República da Guiné e Guiné-Bissau.
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