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“Venham ver o milho e a soja, venham ver as nossas machambas …obrigado ProSavana” cantam os camponeses da aldeia de Miruto

“Venham ver o milho e a soja

Foto de Adérito CaldeiraEm mais de 40 anos de independência nacional Moçambique não conseguiu ainda alcançar a auto-suficiência alimentar. Agora o Governo pede-nos que esqueçamos os desaires dos Programas Nacionais de Agricultura (PROAGRI), da Estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional, do Plano de Acção de Produção de Alimentos (PAPA) e da Revolução Verde porque é através do Programa de Cooperação Triangular para o Desenvolvimento Agrícola das Savanas Tropicais de Moçambique (ProSAVANA) que os camponeses irão produzir comida, não só para eles mas também para todos os moçambicanos. “Venham ver o milho e a soja, venham ver as nossas machambas …obrigado ProSavana” cantam 15 pequenos agricultores associados na aldeia de Miruto, na vila de Muriaze, na província de Nampula após receberem mais uma visita dos mentores deste programa que junta o Moçambique, Brasil e Japão.

Partimos cedo da cidade de Nampula, apanhamos a estrada que liga a chamada capital Norte à região de Moma, via Nametil, oficialmente terão iniciado obras de asfaltagem desta via que é também usada pelos exploradores das areias pesadas de Moma desde 2007, mas nem todo o conforto das viaturas todo o terreno em que viajamos impedem-nos de sentir a estrada de terra batida e poeirenta onde em vários locais se nota também a erosão causada pela época da chuvas.

Após cerca de 30 quilómetros de solavancos chegamos à Vila de Muriaze, um pequeno aglomerado populacional, como tantos outros que nós os citadinos da capital chamamos de Moçambique real, onde não existe água canalizada, energia eléctrica, unidade sanitária… mas existe alguma cobertura da rede de telefonia móvel e escola primária.

Deixamos a via e entramos numa picada à esquerda, onde só há espaço para um sentido de tráfego. Mas não importa para os residentes locais afinal os únicos usuários da via com automóveis são apenas os visitantes do ProSAVANA. A viagem segue pelo terreno muito acidentado, ladeado primeiro por algum mato e depois por campos de cultivo. À nossa esquerda erguem-se imponentes os montes Miruto, cruzamos dois cursos de água onde nos campos próximos podemos ver pequenas machambas desordenadas de arroz, mandioca, e várias árvores de frutos. Cerca de dois quilómetros depois avistamos uma machamba de amendoim e mandioca um pouco mais organizada e vemos a placa “Associação Nonekheto Makalelo”, a viagem prossegue mais algumas centenas de metros até ao pequena aldeamento erguido sob a protecção de cajueiros e mangueiras.

“É uma machamba demonstração, onde nós aprendemos a tecnologia. Este lado lado é não coberto e este é coberto por capim seco” começa por explicar um dos líderes desta Associação, composta por camponeses de ambos os sexos, mostrando aos visitantes (jornalistas, representantes da cooperação japonesa e do Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Alimentar) um dos campos que pertence-lhes.

Nestes dois campos experimenta-se, desde 2013, duas técnicas de plantação de soja e procura-se avaliar a altura ideal para a sua sementeira, afinal esta cultura é nova aqui. A soja é recomendada pelas suas qualidades nutricionais porém não faz parte da dieta alimentar habitual por isso os camponeses têm também recebido formação de como processa-la para a introduzirem nas suas refeições seja como papa, leite ou mesmo óleo.

No campo adjacente ensaia-se a plantação harmonizada, e organizada, de milho e feijão boer. “Antes plantávamos de qualquer maneira, assim em mix e em linha sai bem. Num bloco destes plantamos mais do que uma variedade, a sacha é melhor e a produção é maior. Noto diferença com aquele outro campo meu onde não cultivei assim”, acrescenta o camponês.

Sistema de Informação de Mercados Agrícolas não chega a Muriaze

Foto de Adérito CaldeiraOs camponeses associados da Nonekheto Makalelo (vejamos a nossa vida, em tradução livre) cultivam várias dezenas de hectares na área mas, apesar de terem formalizado a sua Associação no ano 2000, até hoje não procuraram conseguir a posse legal da terra, concedido pelo Estado através do Direito de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT), “não têm dono”, clarificam a falta de necessidade deixando claro que ali não existem conflitos pela posse da terra arável.

“Este solo aqui é mais fértil, porque é abastecido por muchén” indica um outro camponês apontando para um campo desordenado de milho. “Lá embaixo, perto do riacho, a terra é preta e cultivamos as hortícolas” mostra outro dos camponeses que, tal como os restantes membros da Associação, vivem em Muriaze há várias gerações.

A agricultura que aqui pratica-se é de sequeiro, este ano a chuva não veio como deveria, foi intensa mas durante um curto período, e por isso os campos mais longe das fontes de água estão um pouco secos.

Mas no ano passado a colheita foi boa, contudo a venda não deu grande rendimento, “vendemos a um comerciante que esta ali na vila e agradecemos-lhe”. Em Muriaze a informação do Sistema de Informação de Mercados Agrícolas não chega, embora esteja disponível há vários anos nos centros urbanos, “o preço foi ele que marcou, não temos como” lamentam os camponeses.

Foto de Adérito Caldeira“Nós não sabíamos o que era a tecnologia do amendoim em linha, ou do feijão e do milho em linha. Não cultivávamos a soja, aprendemos com eles”. Eles são os extensionistas agrários moçambicanos cuja missão é intervir nas comunidades com soluções práticas para os problemas relacionados com a produção.

Segundo dados oficiais existem actualmente tantos extensionistas como haviam na década de oitenta, além de serem poucos faltam-lhes meios de locomoção para visitarem o maior número de camponeses possível.

Milhões de dólares que não chegam aos camponeses

O ProSAVANA tem um orçamento estimado em 36 milhões de dólares norte-americanos, pagos pelo Governo do Japão através da sua agência de cooperação internacional, a JICA, e pelo Executivo do Brasil, também através da sua agência de cooperação, a ABC.

O Estado moçambicano entra no programa com os recursos humanos do Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar – que além de receberem salários do Orçamento de Estado passam a “mamar” do ProSAVANA – e com instalações e infra-estruturas degradadas que à custa do ProSAVANA estão a ser reabilitadas.

Este orçamento tem sido usado “para o custeio das actividades de campo, compra de equipamentos e obras de construção mais actividades relacionadas à pesquisa, à assistência técnica e ao plano director”, indica um comunicado do ProSAVANA.

Muito pouco desses primeiros milhões de dólares chegou aos camponeses de Miruto, muito dinheiro tem sido gasto em seminários e workshops supostamente de auscultação aos camponeses mas onde não os encontramos, nesses eventos estão os seus “representantes” a enriquecer o plano director que conduzirá a aprovação do controverso programa agrário.

Foto de Adérito CaldeiraÉ inquantificável o que se tem gasto em visitas, merchandising e propaganda do ProSAVANA enquanto os camponeses em Miruto sonham com um tractor para lavrar com mais eficiência e transportar as colheitas para mercados que paguem melhores preços, com uma represa no riacho que passa perto, “para reter mais água entre os meses de Março e Setembro”, e esperam um dia possuir uma moto-bomba que possibilite irrigar as machambas localizadas longe da fonte de água.

O ProSAVANA promete materializar todos os sonhos destes, e de outros pequenos agricultores moçambicanos, contribuindo para “o desenvolvimento social e económico, no sentido de promover um sistema de produção sustentável e reduzir a pobreza na região do Corredor de Nacala”, indica o Esboço Versão 0 do plano director que se pretende aprovar ainda durante 2016, doa a quem doer.


* Este artigo foi escrito no âmbito de uma viagem organizada pela Embaixada do Japão
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