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ISTO É: Vá tratar-se, meu filho, você é muito jovem!

Na sequência da última greve dos médicos – cujas consequências todos conhecemos – fiquei doente. Encamado, não conseguia andar. Entretanto, não sei porquê, – desta vez – recebi uma atenção especial do meu chefe. Falo sobre o contexto laboral. Ele perguntou-me se havia ido ao médico, mas a minha resposta foi negativa. No entanto, disse-lhe que iria a uma farmácia comprar fármacos. “Fármacos? Para curar que doença?”, com muita razão, perguntou-me.

Sugeriu-me que fosse a uma clínica, afinal, lá, o preço das consultas não é alto, beira apenas os mil meticais. Percebi, imediatamente, que pertencíamos a classes sociais, completamente, diferentes. Mas senti-me motivado. Além do mais, ele prontificou-se a emprestar- -me algum dinheiro da empresa para o efeito, o qual devia restituir. Detesto empréstimos. Por isso, agradeci o gesto, assegurando-lhe que faria algum esforço para me deslocar até ao trabalho. Estranhamente, porque não encontro explicação racional, fiquei fortalecido.

Não me restava muito tempo para passar pelo trabalho, por isso – e acima de tudo por não querer endividar-me – resolvi utilizar parte das minhas economias, para resolver o problema. Afinal, o que me faltava, na verdade, era a ousadia – e se o quisermos a cultura – de ir a uma clínica. Acho que aquela foi a segunda vez, na minha vida, que visitei um consultório médico privado. Mas esse é outro assunto.

Imediatamente, telefonei para a Clínica Especial do Hospital Central de Maputo. Foi em vão. Não fui atendido. A greve dos médicos era geral. Por essa razão, procurei uma lista telefónica na qual encontrei o contacto e o endereço de uma clínica privada, situada no Bairro Central. Para lá telefonei e marquei a consulta para as 15 horas. Nessa altura, como me assegurou a secretária, haveria um médico. Saí de casa uma hora antes, tendo chegado com alguma antecedência.

O médico, um jovem simpático e meio-chatinho – com aquela mania habitual da classe – formulou-me algumas questões, as quais respondi claramente. Também me questionou sobre o meu estado serológico. Respondi, mas ele mostrava-se duvidoso não obstante sem encontrar em mim muitos dos sintomas que se associam à doença. Sinto que estou suficientemente maduro para enfrentar algumas situações com segurança. Comecei a perceber a verdade. Sim! A verdade apocalíptica: nos nossos tempos, os tempos do fim – e assim está escrito – determinados fenómenos sociais e naturais, as doenças por exemplo, desafiarão a ciência e a tecnologia, de tal sorte que até o Homem mais instruído religiosa, académica e culturalmente, não os compreenderá.

Estou a falar sobre as minhas convicções. Então permitam-me que faça este juízo de valor: certos homens perdendo a razão e a coerência, irão consultar os curandeiros, esses verdadeiros ‘marketeers’ e mercenários da nossa época, que, aproveitando-se da sua precariedade social e espiritual, simplesmente exploram-nos. Diante do meu quadro clínico, o médico pediu que eu fizesse três exames – o de malária, o de hemograma completo e o de VIH. Mas em relação ao último – não só por questões ligadas ao dinheiro – perguntou-me se podia ou não fazer. Ninguém suporta a SIDA – percebi, mas autorizei.

Levei os documentos para o laboratório, onde encontrei uma senhora de idade, cuja aparência denunciava alguma maturidade, embora o que disse – como o leitor irá perceber – revele muita infantilidade. Sugou-me o sangue através de um tubo de ensaio. Perguntou-me onde eu residia. Respondi. Mas ela voltou a questionar-me se era nas proximidades do Posto de Saúde de Malhangalene. Desta vez, animado, também ripostei favoravelmente.

Olhou-me e disse: “Meu filho, você é muito jovem. Vá tratar- -se!” Ninguém imagina, mas quase chorei. Ir-me tratar de que? Na verdade, mil e uma questões encheram a minha cabeça. Comecei a falar comigo mesmo. A dizer asneiras. Pensei em atirar-me de um edifício e morrer. Mas, além do mal que acabava de me fazer – como é que me manda tratar-me de uma doença indefinida? –, a senhora orientou-me a aguardar uma hora para ter o resultado dos exames. Mas, na verdade, o processo durou mais de duas horas – e aqui não estou a falar de nenhum tempo psicológico.

Há pessoas que me confortam quando estou em crise. Liguei para uma delas à medida em que me deslocava para o trabalho onde resolvi aguardar. Entretanto, cabisbaixo – como estava – quando lhe disse que estava numa clínica porque não me sentia bem, ela ficou desmoralizada. A situação depreciou-se mais quando lhe disse que o médico me pediu que fizesse o teste de SIDA. Acho que a partir dali a (nossa) história mudou de rumo.

Recebi os exames e, sem violar o envelope, entreguei-os ao médico. Os resultados – todos – eram negativos. Mas o médico ficou muito animado com os de VIH. Eu estava/estou doente e – apesar de não ser SIDA, uma das doenças supostamente incuráveis – os médicos também não sabem de que padeço. Não posso abalar a minha fé por nada. Por isso, que venha a morte. Não quero perder a coerência e consultar os curandeiros. Esse grupo – em que se funda a nossa existência antropológica e cultural – já está adulterado.

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