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Uma tragédia em torno das escolas

Uma tragédia em torno das escolas

O consumo de bebidas alcoólicas e estupefacientes propaga-se a um ritmo alarmante nas escolas públicas e privadas do país, assumindo o rosto da normalidade. Os alunos já começam a trocar os bancos da sala de aulas pelas mesas dos bares, barracas ou habitações ao redor das instituições de ensino, e, no mesmo diapasão, o álcool e as drogas pesadas substituem os cadernos, livros e esferográficas. Diga-se, em abono da verdade, os grupos de estudo ganharam outros propósitos.

Num dia normal de aula, um grupo composto por seis alunos da 10ª classe da Escola Secundária de Napipine, na cidade de Nampula, optou pelo seu divertimento favorito: os jovens faltaram às aulas para se dedicar ao consumo de bebidas alcoólicas.

O ponto de encontro é uma habitação que se localiza a menos de 50 metros da escola que eles frequentam. No local para onde vão regularmente vende-se “cabanga”, uma bebida caseira feita à base de farelo de milho e açúcar, vulgarmente conhecida por “mal coado”.

Em forma circular, sentados rigidamente nuns pequenos bancos de madeira e ostentando uniforme escolar, os alunos pedem imperturbados “cabanga” de 30 meticais e são servidos num recipiente contendo pelo menos três litros. Minutos depois, solicitam a segunda rodada da bebida e, mais tarde, vem a terceira vasilha.

Depois de um prolongado golo, olhando xamente para o copo ainda na mão, um dos estudantes, num tom sarcástico, diz: “Tenho de me empenhar na disciplina de Química pois quero investigar o volume de álcool que contém a ´cabanga´”. E os seus companheiros soltam sonoras gargalhadas numa marcante despreocupação com os estudos e o futuro.

Tem sido sempre assim de segunda à sexta- feira, enquanto os seus colegas assistem às aulas. Mas não é frequente o consumo de “cabanga”. Isso apenas acontece quando a situação económica do grupo não é das melhores.

“A cerveja é muito cara, custa entre 35 a 40 meticais e nós não temos dinheiro para isso. Com o preço de uma, podemos adquirir um baldinho de “cabanga” ou outra bebida seca”, diz o mais velho do grupo. “Rhino”, “Zed”, “Enica” e outras bebidas secas produzidas localmente, embora desconhecendo-se o volume do álcool, são as preferências deste grupo de estudantes.

Desinibido, o grupo, que noutros dias chega a ser constituído por pelo menos 10 pessoas, não se preocupa com os transeuntes, nem com os professores e tampouco com a direcção da escola pois, segundo eles, é comum ver os alunos a consumirem bebidas alcoólicas naquele recinto.

Com idades compreendidas entre 17 e 21 anos, quase todos começaram por beber socialmente e foram perdendo o controlo da vida. Presentemente, passam mais tempo nas barracas e habitações ao redor da instituição de ensino do que na sala de aulas.

Joana* é a mais nova e a única rapariga no grupo. Com apenas 17 anos de idade, a estudante da 10ª classe já experimentou quase todo o tipo de bebidas alcoólicas, mas são as secas como “Rhino” e “Zed” que a fascinam.

Sem perspectivas, ela não se lembra ao certo quando começou a ganhar o gosto pelo álcool, porém, afi rma que foi entre os 13 e 15 anos que iniciou a sua incursão nesse mundo, e não sabe explicar com exactidão as razões que a levaram a mergulhar nele. Quando pode, a adolescente falta às aulas e vai juntar-se ao grupo de amigos nas barracas ao redor da escola.

“Quando a aula não é aborrecida, esperamos até ao fim. Só depois disso é que vamos beber, com regularidade às sextas-feiras”, diz a rapariga. À semelhança de Joana, estão outros cinco integrantes do grupo que também não se lembram quando começaram a ingerir bebidas alcoólicas, porém, arranjam uma justi ficação para o acto: “as aulas tornaram-se chatas, é necessário desanuviar a cabeça”. Quase todos orgulham-se de forma delirante de consumir excessivamente o álcool.

Este é apenas um exemplo num universo de milhares de casos de consumo de bebidas alcoólicas e estupefacientes por parte dos alunos nas escolas públicas e privadas do país. A, pelo menos, 50 metros de algumas instituições de ensino na cidade de Nampula, existem barracas ou residências onde se pode adquirir qualquer tipo de álcool ou entorpecente.

O crescimento do número de consumidores de droga pesada que se tem vindo a registar nos últimos anos coloca a cidade e a província de Nampula em estado de alerta máximo.

Segundo o coordenador da Associação de Combate à Droga e Trabalhadoras de Sexo e assistente provincial da Rede Nacional contra a Droga em Nampula (Othola), Zaiyate Abdul Ihlah Bim Atumane, a situação é bastante preocupante, visto que há cada vez mais adolescentes e jovens estudantes a usarem substâncias psicotrópicas, ou seja, que causam a sensação de embriaguez.

Sem avançar números, Zaiyate Atumane diz que a nível da cidade de Nampula os consumidores inveterados têm vindo a promover as suas práticas junto aos estudantes e adolescentes nas escolas primárias, secundárias e até nas universidades.

As escolas secundárias públicas de Nampula, Muatala, Namicopo, Napipine, 12 de Outubro e Maparra, e as privadas Comunitária da ADEMO, Clave do Sol, Escola e Centro Cultural Abubacar Mangira, Liceu Pitágoras, e as escolas primárias do segundo grau 7 de Abril e Mutauanha são apontadas como sendo os principais focos de concentração dos promotores do consumo de droga e bebidas alcoólicas.

De acordo com o coordenador da “Othola”, nessas instituições de ensino os estupefacientes mais consumidos são a cocaína, cannabis sativa, kuber, LCD, êxtase, mandrax, além de tabaco e bebidas alcoólicas.

“Nesses locais não só reinam o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, cigarros e cannabis sativa, também é possível encontrar cocaína, mandrax, LCD e kuber”, a firma Zaiyate Abdul Atumane, que culpa os responsáveis das escolas, os pais e encarregados de educação dos alunos pela situação, visto que quando descobre um caso estranho com o seu lho ou educando ocultam ou optam por expulsá-lo de casa, ao invés de procurar meios para apoiá-lo.

“Se eu tenho um lho que usa drogas, tenho de me aproximar dele de modo a encontrar uma maneira de ajudá-lo a sair da situação”, aconselha.

@Verdade visitou algumas escolas, bares, barracas, e locais de venda de bebida de fabrico caseiro, com destaque para a “cabanga” e a aguardente feita à base de cana-de-açúcar localmente conhecida por “kwilili”, na cidade de Nampula, e presenciou uma situação de degradação da moral dos alunos. Na verdade, os estudantes passaram a fazer um percurso inverso: no final das aulas o destino já não é a casa ou a biblioteca, agora eles inundam as casas de pasto.

O consumo de álcool e outras drogas não é só feito nas proximidades das escolas ou nos locais de diversão nocturna, também é possível encontrar alunos em diversos mercados da cidade como, por exemplo, Resta, 25 de Junho, Belenenses, Namicopo, Pinto Soares e Mulapani, onde se pode adquirir cannabis sativa e outros estupefacientes.

No mercado dos Bombeiros, local ocupado por cidadãos de nacionalidade estrangeira na sua maioria oriundo da região dos Grandes Lagos, a droga é vendida em forma de chá. Por cima de um fogão sobressai uma pequena panela e um líquido a ferver no seu interior que posteriormente é servido aos consumidores em chávenas que variam entre 10 e 25 meticais cada, sob o olhar cúmplice das autoridades policiais que fazem a patrulha por aquela zona.

“Grande parte dos adolescentes ou estudantes é convencida a consumir drogas pelos amigos ou colegas cujos pais têm algum poder financeiro. Ou seja, a maioria recorre a esses lugares para se divertir, mas acaba por receber convites ilícitos e, como pretendem fazer parte do grupo, aceitam”, a firma Zaiyate Atumane.

O nosso entrevistado aponta igualmente os locais de diversão nocturna como um dos principais centros de proliferação de consumo da drogas e álcool, tendo referido que é nos bares que se encontram localizados no centro da cidade onde mais se consomem droga pesada, bebidas alcoólicas e tabaco, enquanto os que se situam nos bairros periféricos são frequentados pelos consumidores de cannabis sativa ou soruma, além de álcool e cigarros.

Zaiyate Atumane explica ainda que o perigo não só reside nos usuários de entorpecentes, mas também as trabalhadoras de sexo que muitas vezes são forçadas pelos seus clientes a ingerir estupefacientes.

Como são descobertas as redes de drogados?

Zaiyate Atumane a firma que é muito fácil descobrir a rede de consumidores de drogas na cidade de Nampula porque grande parte dos integrantes dos grupos tem os mesmos ideais, além de frequentar os mesmos locais.

“Basta apenas encontrar um consumidor de droga, torna-se fácil descobrir os outros. Geralmente, uma rede comporta entre 10, 20 e 30 consumidores de droga”, garante acrescentando que, muitas vezes, quando são submetidos a uma sessão de aconselhamento eles acabam por denunciar um grupo de adolescentes ou jovens.

“Vendo ´cabanga´ porque sou pobre”

Inês Mário Henriques Pheverre, de 28 anos de idade, é mãe de dois lhos e reside no bairro de Napipine nas imediações da Universidade Pedagógica – delegação de Nampula e Escolas Primária e Completa e Secundária de Napipine. Para garantir o sustento do seu agregado familiar, composto por sete pessoas, ela vende “cabanga” há sensivelmente três anos, logo após a morte do seu marido.

“Vendo a “cabanga” porque sou pobre e não tenho a quem recorrer para ajudar- -me a sobreviver, mas graças a Deus estou a sustentar a minha família”, justi fica-se Inês Pheverre tendo referido ainda que os seus principais clientes são alunos da Escola Secundária de Napipine e os estudantes da Universidade Pedagógica – delegação de Nampula que faltam às aulas.

Inês comenta que o grupo de fregueses que recorre frequentemente à sua casa a firma que hoje em dia os professores criam muita preguiça nas salas de aulas, uma vez que perderam o dom de transmitir conhecimentos, passando a dar conselhos desnecessários aos alunos.

“Eles chegam aqui e dizem que querem beber para se sentirem à vontade na sala de aula”, conta e acrescenta que “às vezes, passa-me pela cabeça deixar de vender ´cabanga´, sobretudo aos alunos com uniforme escolar, mas, por outro lado, tenho de sustentar a minha família”.

Ela fica muito impressionada com a quantidade de álcool ingerida pelos alunos. “Eles não gostam de estudar e não respeitam os professores. Todos os dias bebem entre quatro e cinco baldinhos de “cabanga”, o correspondente a 15 a 20 litros. Saem da minha casa embriagados e entram na sala de aulas”, a firma. Diariamente, perto de 100 pessoas, sobretudo estudantes, “aportam” na sua casa para beber “cabanga”.

Drogas apreendidas

Os dados o ficiais sobre a quantidade de drogas até então apreendida no país é desconhecido, porém, o porta-voz do Comando Provincial da Polícia da República de Moçambique em Nampula, João Inácio Dina, diz que, quando comparado com o primeiro trimestre do ano passado, em 2012 registaram-se mais casos de apreensões de droga.

Nos primeiros três meses de 2011, foram apreendidas pouco mais de 461 quilogramas de cannabis sativa (soruma) contra um quilo de heroína no presente ano. A título de exemplo, no mês em curso, o distrito de Malema registou uma apreensão de cerca de 32 quilos de soruma. Em relação ao ano passado, foi apreendido um total de 833 quilogramas de cannabis sativa e 48 de haxixe.

Drogas e HIV

O coordenador da Othola e assistente provincial da Rede Nacional de Combate à Droga em Nampula disse que a sua agremiação, em parceria com a PSI internacional, a Global Health Comunication (GHC), a CDC, e a LAMBDA e trabalhadoras de sexo, tem vindo a trabalhar na prevenção do HIV/SIDA no tocante aos usuários de drogas injectáveis.

O principal objectivo da iniciativa é reduzir o número de partilha de seringas entre usuários de drogas pesadas por se tratar de uma das vias mais perigosas de contaminação, pois, diga-se em abono da verdade, o risco de se contrair o HIV é de 100 porcento.

Só no ano passado, aquelas agremiações tinham planificado a assistência a 150 consumidores de droga e conseguiram atingir mais de 502, que beneficiaram de apoio moral e meios de evitar Infecções de Transmissão Sexual (ITS), através da partilha de seringas entre os usuários de droga.

Dos abrangidos, segundo o coordenador, apenas 82 pessoas aceitaram fazer a testagem voluntária, tendo sido diagnosticados 10 com HIV. Os seropositivos foram encaminhados para os diferentes postos de saúde onde estão a receber tratamento anti-retroviral.

Em relação aos primeiros quatro meses do presente ano, foram diagnosticados pouco mais de 300 novos consumidores de droga com HIV, que, presentemente, se encontram a receber aconselhamento, além de estarem a beneficiar igualmente de uma quantidade não especificada de preservativos.

Atumane disse à nossa reportagem que estes consumidores de drogas seropositivos, quando têm o seu CD4 com um índice baixo, são levados ao Hospital de Saúde Mental para a sua desintoxicação e posterior tratamento anti-retroviral.

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