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Restaurantes a céu aberto

Restaurantes a céu aberto

Na urgência de ganhar a vida, centenas de moçambicanos tomam as refeições na via pública indiferentes às condições de higiene em que os alimentos são confeccionados e servidos, até porque o que importa é enganar a fome, obter energia e continuar a sua luta pela sobrevivência. Do outro lado da barricada, estão os fomentadores desta “indústria” de comida que prosperam, ainda que informalmente.

Ao despontar do dia, centenas de mulheres deixam as suas casas para garantir o sustento das suas famílias através de comercialização de refeições ao longo das artérias da cidade de Maputo.

Diga-se de passagem, nos últimos tempos, essa actividade informal tem vindo a ganhar força, principalmente na zona baixa da urbe assim como nos mercados formais, informais e locais de grande movimentação de pessoas, o negócio de comida tomou uma dimensão imensurável de tal modo que a cada esquina é possível encontrar pelo menos uma vendedeira.

No mercado do Xipamanine, um dos maiores da capital do país, a azáfama é de bradar aos céus. Para quem por lá ganha o sustento diário do seu agregado familiar, o dia começa relativamente cedo. Por volta das 6h00 da manhã, já estão posicionados por detrás das suas respectivas bancas improvisadas de madeira.

Neste mercado, existe uma área especí ca onde mulheres de diferentes idades se juntam e confeccionam alimentos para a posterior comercialização aos demais vendedores e pessoas que trabalham nas imediações e que, por razões de tempo, não podem ir à casa.

Expostas à poeira, centenas de pessoas tomam as duas primeiras refeições do dia naquele mercado. Pedro Sambo é um exemplo disso. Com 28 anos de idade, vive maritalmente e tem dois lhos. Presentemente, reside no bairro Polana Caniço e dedica-se à comercialização de roupas usadas, vulgo calamidade, desde 1998.

Natural de Gaza, chegou à cidade de Maputo a convite de um amigo que também se dedica ao mesmo negócio. No início, comprava e revendia apenas um fardo de roupa, e, com o decorrer do tempo, passou a adquirir grandes quantidades.

A sua carga horária é de 18 horas e trabalha de segunda a domingo. Inevitavelmente, e como não podia deixar de ser, estando a trabalhar a uma longa distância de casa, isso impossibilita-o de interromper a jornada temporariamente para tomar a refeição com a família.

“No princípio, trazia a marmita de casa e durante o período da tarde alimentava-me, mas, às vezes, a comida estragava-se. Para não morrer à fome, passei a comprar as refeições nas bancas daqui do mercado”, conta.

Sambo a rma que, apesar dos preconceitos que possam estar à volta das refeições feitas na rua, são muitas as pessoas que delas bene ciam. “Agora as pessoas não precisam de ir à casa para tomar o pequeno-almoço, por exemplo”, diz.

Comida para todos

Na baixa da cidade de Maputo e não só, os pratos variam de 25 a 100 meticais e a sopa custa entre 15 e 30 meticais. Neste ponto, há sempre uma avalanche de pessoas. Dentre várias actividades comerciais praticadas, a confecção e venda de refeições a céu aberto é o que mais chama à atenção.

Ainda que não dispondo de dados numéricos ou estatísticos de quantas pessoas se fazem àquele local, diga-se, em abono da verdade, que dezenas de milhares de moçambicanos desempregados ganham a vida através daquela actividade.

Inimigas de estômagos vazios

As vendedeiras de comida são uma espécie de inimigas de estômagos vazios. Os clientes assíduos são os vendedores informais xos e ambulantes, que fazem daquele mercado a segunda casa.

“Com apenas 30 meticais consigo comprar um prato de comida, não penso duas vezes para sentar e tomar a refeição, seja onde for. Não posso ir comer na barraca porque não tenho quem possa tomar conta do meu negócio na minha ausência”, diz Adamo Sale, vendedor de material eléctrico, que a rma que, para além de os pratos serem de qualidade, os preços são acessíveis.

“Também os ricos comem nas barracas”

Engana-se quem se der ao luxo de pensar que as pessoas que consomem refeições nas barracas ou ao ar livre são apenas as de classe baixa ou marginais. Há trabalhadores de empresas de renome situadas nas redondezas que diariamente acorrem àquele lugar, entre noutros mercados da cidade de Maputo, para tomarem as refeições.

Sebastião Daniel trabalha numa instituição situada ao longo da Avenida 25 de Setembro, próxima do Mercado Central. É morador do bairro Patrice Lumumba, no município da Matola. À semelhança de outros, quando tem fome, dirige-se a uma das barracas no interior do mercado.

“Nos primeiros dias, desprezava quem comesse nas barracas. Na verdade, fazia-o sem a mínima consciência das circunstâncias que provavelmente ditam a realidade”, conta para depois acrescentar que “as pessoas alimentam-se seja onde for por necessidade, os preconceitos vão desaparecendo à medida que o tempo passa”.

“O que não mata engorda(?)”

O mercado Malanga não é uma excepção, mas sim uma regra. Neste local, há quase tudo para todos. Os preços dos pratos variam entre os 25 e 80 meticais.

A partir das 12h00 a pacata zona onde as vendedeiras preparam e vendem as refeições ca abarrotada de pessoas que desejam comer alguma coisa. Por vezes, a fome é maior a tal ponto que os clientes já nem se preocupam com a higiene ou como as refeições são confeccionadas.

As moscas aproveitam-se da falta de higiene colectiva e da distracção das vendedeiras para pousarem nos pratos e panelas.

Os insectos mais atrevidos até chegam a mergulhar nas panelas de caril, e ao cliente só cabe mandar vir o “tacho”, consumir e matar a fome, fazendo, deste modo, jus ao adágio popular segundo o qual “o que não mata, engorda”.

A saúde pública pode estar em causa, se tivermos em conta as condições em que nalgumas vezes as refeições são confeccionadas. Ainda que a intenção primeira passe por matar a fome, alguns consumidores pouco se importam com as repercussões que a imundice pode ter nas suas vidas.

E as cozinheiras, que dizem?

Anita Zavala, de 29 anos de idade, é natural de Manjacaze, província de Gaza, e mãe de três lhos. Há sensivelmente três anos decidiu enveredar pelo negócio de refeições no mercado Ben ca.

Durante quase dois anos confeccionava refeições para os trabalhadores afectos a uma empresa de construção civil que estava a erguer uma estância hoteleira algures na praia da Costa do Sol, na cidade de Maputo.

“Quando as obras de construção do referido hotel terminaram, o meu negócio também parou. Mas, como queria dar continuidade, vim arranjar um espaço aqui neste mercado, embora seja uma banca que se encontra num avançado estado de degradação”, conta.

Diariamente, esta jovem mulher, para responder e satisfazer à procura, prepara uma variedade de comida, começando pelo guisado de vaca, peixe, estufa de peru, passando pelo fígado até as verduras.

Um negócio rentável

A confecção e venda de comida em lugares públicos tem sido uma bóia de salvação para muitas famílias moçambicanas que se encontram no eterno sofrimento e mergulhadas numa pobreza que teima em não passar.

Anita diz que o seu negócio é lucrativo, e a cada dia que passa sente-se na obrigação de aumentar a quantidade dos alimentos. Começou com esta actividade cozinhando diariamente dois quilogramas de arroz, uma quantidade que esgotava no mesmo dia.

“Presentemente, cozinho cinco quilos de arroz, aumentei a quantidade de outros ingredientes que uso na confecção das refeições”, comenta ajuntando de seguida que de há um tempo a esta parte a sua vida e, consequentemente, da sua pacata família tende a melhorar.

Os obstáculos

No entanto, a degradação das bancas a gura-se um grande problema para esta jovem. A sua pequena banca coberta de chapas de zinco esburacadas e enferrujadas deixa iminente o perigo, pois a qualquer altura o tecto pode desabar.

Os problemas não param por aqui. Quando chove a situação torna-se mais crítica. “Esta banca cá submersa, as panelas não escapam à fúria das águas da chuva e o negócio cá parado”, a rma e acrescenta que por mais que os clientes apareçam, não existem condições de alojamento.

Se para a Júlia vender cinco quilos de arroz não é algo de outro mundo, o mesmo não se pode dizer relativamente a Guidinha, de 37 anos de idade, casada e mãe de cinco lhos.

“Por dia preparo dois quilogramas de arroz, além de outros alimentos para o caril, mas não consigo esgotar estas quantidades no mesmo dia. Às vezes, volto para a casa com as tigelas cheias de comida e isso constitui um prejuízo para mim”, considera.

“A hora que regista maior a usência dos clientes é no intervalo das 13 às 14 horas, durante este tempo não se descansa, temos que os atender da forma mais rápida possível para que não levem muito tempo à espera”, comenta.

A falta de espaço

A nossa reportagem deslocou-se também ao município da Matola, concretamente ao mercado Patrice Lumumba, onde a realidade (também) é desoladora. As “cozinheiras do povo” exercem a sua actividade em condições, diga-se, inaceitáveis, principalmente para a confecção de alimentos.

A falta de um espaço (con)digno para a confecção e venda de refeições é um grande problema que quase tira o sono às “inimigas de estômagos vazios”. “Eu ocupei uma área de 1,5 metro quadrado, é um espaço muito pequeno, os clientes não podem sentar-se enquanto passam as refeições.

Como os clientes não podem comer em pé, tive de ocupar uma parte do corredor do mercado que separa as bancas para colocar troncos de árvore e fazê-los de bancos”, diz uma das vendedeiras.

“No ano passado sofri uma queimadura no braço, enquanto tentava tirar um fogão de um lado para o outro. Tudo isto aconteceu porque não havia espaço para arrumar as panelas, bacias e outros utensílios”, lamenta.

Não obstante os problemas com que as senhoras se debatem no seu negócio, elas asseguram de pés juntos que com o dinheiro da venda de refeições conseguem suportar as despesas escolares dos seus lhos, fazer o rancho para a família, e muito mais.

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