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Uma mulher tirada da rua torna-se caridosa

Uma mulher tirada da rua torna-se caridosa

Aos cinco anos de idade, Maria Augusto Massingue, natural de Maputo, foi raptada algures em Boquisso, no distrito de Marracuene, por um bando de homens armados para a guerra, em 1981. Ela recorda, com muita mágoa, os episódios do último conflito armado que durou 16 anos em Moçambique, o qual só cessou, em 1992, depois de o país ter ficado dilacerado. Por causa disso, não estudou, ficou traumatizada devido ao conflito armado e quando foi restituída à liberdade não voltou a ser uma pessoa completamente normal, pois sofria de alguns desequilíbrios mentais. Por falta de tratamento, viveu na rua até o dia em que encontrou a salvação.

Aos 38 anos de idade, Maria Massingue, faz parte de uma associação de voluntários – em formação – destinada a causas humanitárias, sobretudo para ajudar os enfermos, deficientes físicos e órfãos. A sua profissão, como gosta de dizer, é ajudar o próximo. Ninguém da família de Maria Massingue acreditava que ela estivesse ainda viva. Era dada como morta, mas, por milagre, conseguiu localizar os parentes e recomeçar a vida, pese embora tenha enfrentado várias dificuldades para se inserir normalmente na sociedade.

As imagens da guerra não abandonavam os seus pensamentos. Estava espiritualmente abalada e era conhecida como uma mulher extremamente agressiva. Não conseguia dialogar com ninguém, muito menos manter uma relação de afecto com os homens, pois agredia-os fisicamente. Ao @Verdade, Maria Massingue contou que durante vários anos levou uma vida de perturbações e sem rumo. “Não encontrava a paz em mim mesmo e as imagens sangrentas da guerra inquietavam-me constantemente, o que me tornava anti-social e agressiva.”

A vida da nossa entrevistada mudou drasticamente no dia em que ela, deambulando pelas ruelas do bairro de Maxaquene, encontrou, por acaso, Denise Tsai – uma mulher taiwanesa que representa a Tzu Chi Foundation (uma organização de caridade que existe em todo mundo e que prega o amor pelo próximo) – e cumprimentaram-se. Depois de uma conversa, a senhora convidou a nossa interlocutora a conhecer uma fundação de voluntários naquele país. Mesmo sem entender precisamente do que se tratava, Maria Massingue viajou para Durban e os custos da deslocação e hospedagem foram suportados pela senhora que a convidou.

Na África do Sul, a moçambicana foi apresentada a pessoas que padeciam de várias enfermidades e devia ajudá-las voluntariamente a superar esse mal. Para quem levava uma vida desregrada, andava na rua sem eira nem beira por causa de um choque dos efeitos da guerra, era normal que sentisse uma repulsa devido ao estado deprimente em que alguns doentes se encontravam. Todavia, não foi o caso de Maria Massingue. Esta mulher, apesar das dificuldades que enfrentou num país cuja língua desconhecia, aprendeu a amar pessoas de diferentes origens e as que sofriam por diversos motivos.

Maria Massingue disse que cuidou de pessoas em extrema vulnerabilidade que nunca antes havia pensado encontrar na sua vida. “Paulatinamente senti que eu estava a mudar, comecei a apegar-me às pessoas, descobri o amor. Passei a amar o próximo de uma maneira especial.” Em Durban, a nossa entrevistada ficou apenas uma semana, mas, ainda assim, ela acredita que teve lições positivas para uma vida inteira. Daquele país regressou a Moçambique e passou a viver sem preconceitos, além de ser solidária.

Com o auxílio da Tzu Chi Foundation, na casa da sua mãe, Maria Massingue montou uma espécie de um “paraíso” para quem a esperança de vida já não existia. A senhora e a progenitora acolheram, pela primeira vez, um velho doente abandonado pela esposa e pela família, agoniado e à beira da morte depois de passar uma semana inteira sem uma única refeição. “Acolhemos o doente, começámos a tratar dele e, paulatinamente, começou a recuperar. Sentimos que podíamos ajudar outras pessoas.”

O passo a seguir foi albergar na casa todos os indivíduos que precisavam de ajuda e mais pessoas ficavam sensibilizadas com a iniciativa; por isso, uma semana depois, o irmão de Maria Massingue também abraçou a causa. Difundiram pelo bairro a vocação deles para cuidar de gente sem condições para sobreviver e anunciaram que estavam abertos a todos os que necessitassem do apoio de voluntários.

Volvido algum tempo, a casa que já funcionava como um lugar de recuperação e reabilitação de pessoas quase à beira da morte ganhou a consistência de uma associação destinada ao efeito. Aliás, graças ao apoio da Tzu Chi Foundation já albergava 15 doentes, que padeciam de várias enfermidades, num espaço exíguo que a cada dia se mostrava insuficiente para suportar a demanda dos serviços da senhora a que nos referimos.

Para além da ajuda de vários voluntários, a Igreja Doze Apóstolos de Maxaquene, na qual a mãe da nossa interlocutora reza, disponibilizou um espaço para albergar mais indivíduos que precisavam de cuidados. Foi assim que no bairro de Maxaquene “A” a “D”, Maria Massingue e a Tzu Chi Foundation Moçambique – em fase de formação -, representada por Denise Tsai, fundaram uma associação que já conta com mais de 600 voluntários distribuídos pelos bairros de Matendene, Zimpeto, Magoanine, Albazine, Mahotas, Laulane, Guava, Hulene, Ferroviário incluindo o distrito de Moamba.

A nossa entrevistada dedica todo o seu tempo e esforços a causas humanitárias; por isso, considera que a sua profissão “é amar o próximo incondicionalmente.” Ela sonha expandir as acções de caridade a todo o país e, neste momento, iniciou, com a ajuda de Denise Tsai, contactos que visam abrir uma associação na cidade de Maxixe, na província de Inhambane, onde já tem 58 voluntários. Actualmente Maria Massingue viaja constantemente para a África do Sul com o intuito de colher mais experiências sobre a actividade que desenvolve.

Em Novembro último, ela esteve em Taiwan com outros voluntários daquele país asiático, onde conheceu a fundadora da Tzu Chi Foundation, Mestre Cheng Yen, de 79 anos de idade, que criou, há 47 anos, a associação na qual a nossa entrevistada dedica-se a amar o próximo e que existe em mais de 80 países. “Lá, aprendi que o amor não tem fronteira nem raça.”

Apesar de todos os avanços conseguidos, ainda há muito mais por fazer. Há muito mais gente a precisar de auxílio, mas não tem sido possível abranger todos os necessitados por falta de meios financeiros. Para a construção de instalações próprias, uma das apostas da organização de Maria Massingue é a compra de um sistema de som para palestras, uma vez que tem sido difícil trabalhar sem esse instrumento. “Ainda temos muitas dificuldades, mas é inegável que melhorámos muito em pouco tempo. Se antes um voluntário devia cuidar de quatro ou cinco doentes, hoje dois voluntários estão para um doente.”

Refira-se que, Maria Massingue e Denise Tsai ofereceram, no dia 31 de Dezembro passado, uma carrinha de rodas a uma jovem de 24 anos de idade, no bairro do Bagamoyo, que sofre de deficiência física. Para se locomover, a rapariga identificada pelo nome de Orlanda Magaia, cuja mãe morreu há anos e o pai está em lugar incerto, arrasta-se pelas nádegas.

Orlanda Magaia depende da tia, que sofre de paralisia, para sobreviver. A família está a passar por necessidades extremas e já perdeu a fé em Deus devido a tanto sofrimento a que está votada, pese embora insista que Orlanda vá à igreja. Entretanto, para aliviar essa dor, Denise Tsai e Maria Massingue comprometeram-se a prestar ajuda e o primeiro passo já foi dado. É que, para além da carrinha de rondas, o irmão de Orlanda, que frequenta o ensino primário, recebeu algum material escolar.

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