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Uma mulher com garras

Uma mulher com garras

Está à frente de futebol no mítico bairro da Mafala. Em 2003, criou uma equipa. Admira José Mourinho e o seu maior sonho é treinar o clube espanhol Barcelona. Assim é, em palavras sucintas, Fátima Valente Sitoe, uma mulher cuja paixão pelo futebol é desmesurada.

Fátima Valente Sitoe, ou simplesmente tia Fatiminha, faz-nos mudar a nossa percepção sobre as mulheres: gosta de futebol. Paixão, essa, que despertou na infância, nas “peladinhas” no recreio da escola primária. Mas Fátima não se limitava apenas a ver outros jogarem, também entrava na brincadeira. Aliás, ganhou o gosto pelo futebol graças ao seu falecido irmão, Salomão Sitoe, com quem passeava pelos campos de futebol recreativo da cidade e província de Maputo. “Creio que foi por isso que me apaixonei pelo futebol”, comenta.

Quis o destino, esse juiz que não falha, que a casa onde Fátima nasceu estivesse a escassos metros de um campo – o campinho da Mafalalafacto que a jovem de 34 anos de idade interpreta como uma dádiva de Deus.

Construiu uma equipa

De tanto ver outras pessoas a praticarem futebol à beira do quintal da sua casa, a jovem não resistiu à tentação e acabou por criar uma equipa, em 2003, a qual apelidou de “Bonecos”, constituído por um grupo de miúdos do bairro de Mafalala que jogava sempre com rapazes corpulentos oriundos de outros pontos da cidade. No entanto, diz, estes destacavam-se pela habilidade e inteligência na abordagem do jogo.

“Via-os sempre jogar. Até que, um belo dia, vieram ter comigo pedindo que os inscrevesse num torneio. Fi-lo sem reservas por paixão ao futebol. Não pensei em nenhuma contrapartida, pelo contrário, foi pelo prazer de ter uma equipa de futebol da Mafalala a disputar um torneio”, conta.

Mudar o rosto da equipa

Em 2003, era visível a precariedade, em termos financeiros, da equipa. Diga-se, faltava tudo: desde o equipamento, passando pelo transporte e até a água. Aliás, os “Bonecos” eram movidos apenas pelo amor ao futebol. Mas nem por isso Fátima se deixou ficar pelos obstáculos: amealhou algum dinheiro e, no ano seguinte, comprou equipamento para os rapazes.

Desde aquele dia, a vida dos “Bonecos” deixou de ser a mesma. Passaram a ter, com muito sacrifício, alimentação e transporte. E o resultado não foi o esperado: três anos mais tarde, os “Bonecos” sagraram-se campeões para alegria da tia Fatiminha.

Fátima não conteve as lágrimas de tanta emoção pelo grande feito, até porque os seus pupilos venceram o campeão em título. “Nesse dia não consegui conter a emoção, chorei de alegria. Afinal, defrontávamos o campeão em título e saímos vitoriosos. Aliás, tivemos o prazer de contrariar todos os que até então julgavam a minha paixão pelo futebol mera brincadeira”, diz.

Resultado é consequência do trabalho

A prateleira do pequeno clube conta com cinco troféus, dos quais dois são referentes ao título de campeão do torneio da Mafalala, e um do extinto campeonato de futebol de praia da Vodacom Moçambique. E os restantes dois referentes ao título de vicecampeão e um relacionado com o terceiro lugar.

A tia Fatiminha viu o seu trabalho reconhecido. Foi condecorada com uma menção honrosa por ser a única mulher a dirigir uma equipa num campeonato. Presentemente, apoio, diga-se, não tem faltado. A equipa recebe-o de adeptos e treinadores de clubes já estabelecidos.

A euforia e a força que os miúdos lhe transmitem não são suficientes para afogar as mágoas por alguns círculos do futebol, não a aceitarem como dirigente de uma equipa de futebol. Mas a situação já esteve pior. No início foi pior e ouvia coisas como: “o que a senhora está a fazer aqui? Já não devia estar em casa a cozinhar, a varrer, a lavar a loiça e a cuidar da família como outras mulheres?”. Mas nem por isso desistiu do seu sonho.

Em tempos idos, conta, estar na cozinha era uma actividade que caracterizava a mulher. Mas hoje em dia as coisas mudaram. “Nas cozinhas dos grandes hotéis há homens e outros são professores de culinária”, diz e acrescenta: “não tenho a mania de masculinizar ou feminizar actividades, mas não vejo o futebol como coisa exclusiva de homens”.

É feliz

Sem papas na língua, assegura que é uma mulher feliz em todos os domínios da vida, fruto dessa paixão pelo futebol, pois ganhou mais do que títulos. “Um dos maiores triunfos é o respeito e a admiração que as pessoas nutrem por mim, mas, melhor do que isso, ganhei uma família que sustenta a minha paixão pelo futebol, assim como outras mulheres que, quando a época arranca, se juntam a mim para puxar pelo colectivo.”

Ver os meninos nas melhores equipas

Os laços com a modalidade rainha são inquebráveis. Não troca a paixão por nada e não gostaria de terminar por aqui, “apesar de me faltar formação e experiência, o meu maior sonho é ser treinador e dirigir o Barcelona”. Por outro lado, quer que os seus “meninos” evoluam e joguem nos maiores clubes do país e, quiçá, da Europa.

Estágio actual do futebol

Olhando para o actual estágio do futebol no país, Fatiminha diz que já não se fazem jogadores como os de ontem. Riquito e Tico-Tico (ainda no activo), de quem se lembra alegremente e carrega na alma a saudade de voltar a vê-los nos relvados, são de uma qualidade inalcançável para os atletas de hoje. Fátima, diga-se, é a prova de que o futebol, em Moçambique, não se esgota apenas nos homens.

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