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Um deficiente que venceu as dificuldades

Há poucas histórias de êxito como a de Pedro Langa, cuja deficiência física não significou um entrave para procurar a subsistência. E foi na baixa, uma espécie de meca comercial da capital do país, encostado ao prédio mais alto do território que alcançou a independência em 1975, que um indivíduo que nasceu sem os membros inferiores decidiu dar brilho aos sapatos dos transeuntes para se tornar, também ele, independente financeiramente…

Com efeito, passam 23 anos que Langa fez da 25 de Setembro o seu escritório ao ar livre. Langa acredita na força de vontade e na mestria das suas mãos. “Não há nada fácil no mundo, nem aqui e nem nos outros pontos do mundo”, resume um indivíduo que nunca saiu do país, mas que ouve, quando engraxa histórias sobre a carestia de vida em muitos pontos do globo. “Eu não viajo, mas o mundo vem até aqui”, diz sorridente. A comparação não é presunçosa, mas encerra mais uma das grandes ironias do quotidiano. É como se a dificuldade de lomoção de Langa tivesse, por qualquer desígnio, sido compensada com as várias nacionalidades dos seus clientes. São eles que lhe trazem, em conversas rápidas, um pouco do mundo. Nesse aspecto, diz, Langa é um abençoada. Ou seja, sem sair da 25 de Setembro, já visitou Buenos Aires, Madrid, Porto, São Paulo e muito mais.

“Nasci assim, Deus não me deu os membros inferiores e nem tive a sorte de frequentar uma escola”. À partida, a sobrevivência de um deficiente e pobre encerra as dificuldades de desafiar uma subida sinuosa e íngreme, sobretudo num país onde os direitos das pessoas especiais ainda não foi apreendida. Engana-se, porém, quem julga que Langa se deixou abater pela condição física. A história deste cidadão anónimo podia caber num livro de auto-ajuda para ociosos. Não foi, contudo, do nada que Langa decidiu se dedicar a arte de dar bilho aos sapatos de terceiros. Penou muito, mas nunca “pensei em desistir”.

O ano de 1990 corria lento quando “cansado de deambular” sem eira e nem beira “decide abraçar a profissão de engraxador de sapatos”. Não foi uma decisão imediata. Langa não encarou, na altura, o acto como um porto de chegada. Pensou que fosse uma paragem, para ser mais preciso. No entanto, o tempo, o senhor da razão, acabou por tecer o destino e até hoje Langa vive de melhor o aspecto dos sapatos dos outros. “ Foram as circunstâncias da vida que me ensinaram a pensar. Engraxar sapatos foi a única saída que encontrei, para vencer a fome,” falou serenamente.

O nosso interlocutor disse ao @Verdade, que desde que abraçou a profissão nunca passou fome. Diariamente consegue arrecadar cerca de 150, 00 meticais, sendo que, por mês consegue ter cerca de 4500,00 meticais, “ não é suficiente para suprir todas as minhas despesas, mas não passo fome,” explicou. A maior dor de cabeça do Pedro Langa, é o transporte. Não raras vezes, tem enfrentado a discriminação dos cobradores. Como residente do bairro Trevo, algures, município da Matola, não escapa das ligações.

Só falta vencer a discriminação

“Estou no meio, vivo um pouco longe da terminal, sou obrigado a subir o “chapa” oposto ao meu destino, depois volto com ele. Mas às vezes, os cobradores impedem-me de subir, alegadamente porque não irei pagar.” O problema de transporte é um dos maiores dramas, na vida do Langa, por isso mesmo, ele sonha como motocicleta, diz que, seria mais fácil para deslocar-se, teria um pouco mais de sossego. Não se arrepende por ter apostado em engraxar sapatos, pelo contrário, orgulha-se.No entanto, Langa é consciente de que uma motocicleta não irá acabar com a discriminação. “Isso leva tempo e educação. O país não está preparado para lidar com gente especial e nem se quer preparar”.

“Graças a este trabalho consegui construir uma família, tenho casa própria, esposa e dois filhos. O mais velho tem 21 anos e frequenta a 12? classe,”afirmou. Como toda a gente, a pessoa que nos referimos, transporta consigo um sonho, ser avicultor é a principal meta do Langa. “ Tenho um espaço suficiente na minha casa, para construir uma capoeira, mas não sei se um dia, terei uns 50 000,00 meticais para investir no negócio de criar e vender frangos.”

No fim da conversa, deixou um apelo aos mais jovens: “As pessoas têm de lutar sempre, há que criar ideias, e sobretudo, evitar escolher trabalho, quando não se tem formação. Mesmo vender crédito, é uma alternativa de contornar o desemprego, a marginalidade e a mendicidade. Os jovens não se devem conformar, a deficiência não pode ser, de forma a alguma, uma justificação para abraçar a ociosidade, “ vincou. Para além de engraxar sapatos, a necessidade e o tempo ensinaram-lhe a consertar sapatos.

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