Para continuarmos  a fazer jornalismo independente dos políticos e da vontade dos anunciantes o @Verdade passou a ter um preço.

Um brinde à maturidade…

Um brinde à maturidade...

Depois de recorrentes vezes, nas edições anteriores, o maior duo de música moçambicana, Willy e Aníbal, beirar o topo do Ngoma Moçambique (sem sucesso), a recente conquista do Prémio Melhor Voz Masculina, 24 anos depois, nada mais significaria do que um brinde à maturidade…

Além da mensagem profunda, criteriosamente elaborada, a voz invulgar que torna as suas interpretações musicais incomuns é o principal factor que instigou os membros de júri do maior certame artístico-musical dinamizado pela estação radiofónica nacional, Rádio Moçambique, a render-se perante o mérito dos gémeos.

Willy e Aníbal têm mais de 30 anos de carreira, e em quase todas as vezes em que concorreram ao Ngoma Moçambique, a sua participação foi um insucesso. Ou seja, sempre beiravam o topo sem nunca alcançá-lo.

Recorde-se de que o referido programa existe desde o ano de 1987. No entanto, como se diz na gíria, “quem corre por gosto não se cansa”. Os artistas foram tenazes marcando continuamente a presença no evento, da mesma forma que superaram alguns dissabores que o “vício” de cantar se lhes colocou ao longo do percurso.

Não é obra do acaso que (apesar de que os seus admiradores lhes tenham assegurado de que eles, como artistas que são, têm um espaço cativo na história das artes moçambicanas), a dupla considere:

“O prémio representa uma classificação da nossa obra feita por pessoas bem entendidas na música. Já havíamos participado em inúmeras edições do Ngoma Moçambique no passado. Nunca tínhamos conseguido alcançar o topo.

Convimos que, ao logo dos anos, os artistas que ganharam eram os melhores. Como tal, nós podíamos ter boas músicas, mas sempre que eles lograssem vitória éramos impelidos a reconhecer o seu mérito. De uma ou de outra forma, nos dias actuais, passados tantos anos de carreira, é gratificante ouvir de especialistas o reconhecimento de que temos a melhor voz masculina de Moçambique”.

Com 60 anos de vida, mais de metade dos quais dedicados à música, presentemente, os irmãos Willy e Aníbal Matine orgulham-se de ter vivenciado os principais momentos da história da construção da nação moçambicana. Trata-se dos períodos colonial, da proclamação da independência, a época pós-independência, incluindo os dias actuais.

Perante os artistas, ficámos com a impressão de que o passado (ainda que algumas vezes melancólico) tem sempre fragmentos de acontecimentos que se mantêm inolvidáveis. Aliás, o comentário de Aníbal Matine não transparece o contrário:

“a preparação da independência foi um momento muito determinante para o destino dos moçambicanos, porque a FRELIMO quando se formou possuía uma força enorme de tal sorte que, todos os moçambicanos se reviam na referida organização. O resultado disso é que todas as pessoas tinham alguma vontade de ajudar (com acções objectivas) para a construção de algo positivo para o futuro da nação”.

Compreenda-se, então, que passados quase quatro décadas, os nossos interlocutores, verdadeiros saudosistas de uma época à qual, mesmo que queiram, jamais regressarão, fantasiem:

“na altura, quem praticasse acções que contrariavam o bem-estar geral da nação, ou que o seu procedimento não concorresse para o advento de um futuro melhor era criticado. As pessoas e as instituições sociais, em particular, mostravam à sociedade os procederes que deviam ser seguidos em benefício de todos”.

E mais, ao nível das artes, a música em especial, acredita-se que o referido comportamento social – instigado pela União Moçambicana da Cultura Musical, uma espécie de Associação dos Músicos Moçambicanos, na actualidade, que, vezes sem conta, apoiava os artistas nos processos da criação das suas músicas – contribuiu muito para que a arte de cantar não fosse vil.

Ou seja, não denegrir os valores morais e éticos. “Nenhuma música era publicada sem, antes, passar pela crítica e aprovação dos artistas em todos os aspectos – incluindo o conteúdo”, refere Aníbal.

Inspirados por essa filosofia nacionalista, os artistas cantavam com o espírito de querer ajudar outrem a desenvolver-se como pessoa humana no espaço social. “Foi nessa onda de procedimentos que nós embalamos a nossa música e a nossa maneira de ser e estar na sociedade”, reiteram.

Eles não mudaram

De facto, há várias formas de falar do passado. Enaltecê-lo é uma delas. Mas, convenhamos, fantasias à parte. Se quisermos ser rigorosos, a verdade pode ser dita: se nos dias que correm a cultura – enquanto um conjunto de manifestações e produção artística – está desamparada, se não é possível responsabilizá-lo, o passado pode ser acusado do que sucede hoje. Isso é o que a opinião de Willy, este guitarrista com uma eterna vontade de aprender e de ensinar, nos induz a pensar.

“Nós invocamos os aspectos positivos sobre o passado. Mas é preciso ter em conta que muitos governantes não mudaram de mentalidade”, diz esclarecendo que “actualmente, alguns governantes não são claros em relação ao apoio que devem dar à cultura, isso significa que dentre os intelectuais da nossa sociedade, nunca houve uma formação no sentido positivo para elevar a nossa cultura”.

Para Aníbal, os exemplos que consubstanciam a sua posição encontram-se nas residências de cada um dos moçambicanos que nos dirigem. Ou seja, “é por isso que, nas suas casas, muitos dirigentes têm armários cheios de quinquilharias importadas, entretanto, mesmo assim, não são capazes de dar um ponto de referência para incrementar a cultura moçambicana”. É que, “as suas viagens poucas vezes são feitas num contexto cultural”, considera.

O intérprete advoga que esta realidade – típica dos primeiros anos da criação da nação moçambicana – foi legada os filhos do País da Marrabenta.

Em resultado disso, “actualmente há uma enorme abertura na forma como se concebe a questão cultural, de tal sorte que ninguém consegue controlar os desvios. A reflexão que se faz agora mostra-nos que os problemas que vigoram hoje, no campo das artes, se devem ao facto de no passado não ter havido uma boa assistência ao sector artístico”.

De acordo com Willy não há nenhuma intenção de politizar a discussão, mas se assim o quiséssemos fazer diríamos que “no passado pós-colonial – houve uma imposição sobre aquilo que se podia/devia produzir como arte nas actividades culturais. Sempre foi assim, o que é depravado. Felizmente, nós os artistas, trabalhávamos no sentido de garantir a integridade social das pessoas”.

O estimado leitor há-de convir que a sociedade é um espaço de interacção e que, por conseguinte, não há nenhuma sociedade que evoluiu isolada da maldade.

“O problema é que, nos dias actuais, o que sucede em Moçambique é que há uma libertinagem na forma como as pessoas se expressam nas artes. Não queremos falar de censura. Mas, como se sabe, a música é uma ciência que precisa de ser balizada para que as pessoas saibam quais é que são os seus limites”.

De qualquer forma, provavelmente o maior problema não é a proliferação da imoralidade. O crítico, nos nossos dias, será a queda de moralidade que se nota perante alguns formadores de opinião pública a partir do momento em que – através dos órgão de comunicação social – ampliam a visibilidade de tais situações, algumas das quais a nudez, de alguns artistas do sexo feminino as palavras insultuosas ditas por alguns músicos.

Mas, a respeito disso, não há nada melhor que perceber a visão de Willy quando afirma que “nos dias que correm, o que tem sido promovido na televisão (pelo menos ao nível da música) são pessoas que não têm nenhuma performance para serem consideradas artistas. Aliás, tais pessoas não conseguem realizar um concerto de apenas meia hora. Mas são promovidas pela Comunicação Social”.

E a mãe tornou-se madrasta

Está claro que os decanos da música moçambicana, aqueles que durante muito tempo obraram o nome Moçambique – como uma potência artístico- cultural incontornável no mundo – estão a perder ou já perderam a pujança. Referimo-nos a Alberto Mhula, Alberto Mutcheca, Ernesto Chimanganine, Gabriel Chiau, António Marcos, Zena Bacar, Venâncio Mbande, entre outros.

Mas não deixaram de ser poços de sabedoria. Se alguém não se lembrar dos mesmos, não ouvi-los, não fazê-los ouvir, não tardará muito que fiquemos sem referências como um país obreiro de homens de arte.

O que é facto é que a Rádio Moçambique de onde surgiram, de há alguns tempos para cá, deixou da ampará-los no processo de registo das suas obras. E, como a lógica que se instalou não os favorece, é como se tivessem ficado inertes o que não é verdade.

“Há falta de oportunidade de sermos convidados. Nós já somos crescidos. Não precisamos de conflitar com as pessoas para actuar ? isso é inadmissível”, diz Aníbal repondo a dura verdade que abriga o seu aparente sumiço no cenário artístico nacional.

Uma transformação necessária

A preocupação da dupla é que, presentemente, há uma necessidade de (re)organizar o aparelho artístico-cultural no país, em termos de criação e aplicação de dispositivos legais que possam gerir a situação: por exemplo, “é urgente que haja empresários que possam investir no artista de modo que ele possa progredir. Ora, se neste momento existem, então eles são muito poucos e trabalham, recorrentes vezes, com os mesmos artistas”.

Por essa razão, e como o que se promove ao nível da música visa adquirir lucro, acontece que “os artistas que têm uma mensagem salutar para a sociedade acabam por ficar apartados e, em certo sentido, prejudicados”.

Regulamento

Músicos que são, Willy e Aníbal congratulam-se com o advento do novo Regulamento de Espectáculos e Divertimentos Públicos (REDP), o instrumento que, na sua visão, caso for bem interpretado e implementado na arena musical beneficiará de forma significativa ao sector das artes.

Para eles, trata-se de um documento profundo que “resume todas as preocupações dos artistas. Mas, para que seja bem- -sucedido, deve-se trabalhar no sentido de garantir a sua inserção, de forma prática e efectiva, em todos os sectores da vida social. Só assim o regulamento poderá permitir a criação de algum espaço para o músico marginalizado; poderá ajudar no combate à pirataria; promoverá os verdadeiros profissionais da música, sobretudo porque é um instrumento que distingue quem é profissional da música”.

Mais importante ainda, “é preciso que, a partir de agora, o músico saiba que para realizar um espectáculo deve ser contratado e ter o documento que comprova isso – o contrato. É por isso que eu penso que o cumprimento e o sucesso do regulamento dependerá da forma como os músicos irão interpretá-lo”.

Valorizar a herança

Se, no passado, a camada de artistas de que fazem parte os nossos interlocutores era muito criterioso na produção da uma música, criticando o seu conteúdo, com a finalidade de que uma vez publicada não constrangesse os ouvintes, o mesmo já não acontece.

A tecnologia legou uma enorme rapidez nos processos que determinam a criação de músicas. E quem domina a tecnologia são, maioritariamente, os jovens. “Eles são muitos flexíveis. As suas músicas são feitas em pouco tempo nas residências. E na manhã do dia seguinte são entregues aos órgãos de comunicação social audiovisuais para serem divulgadas”.

A dupla Willy e Aníbal congratula- se com as inventivas da tecnologia, assim como com a flexibilidade e a garra que a camada juvenil possui. No entanto, considera que “se tal empenho fosse mais aproveitado para dar continuidade à herança que possuem seria muito gratificante para o país”.

Partindo do princípio de que estilos musicais como o Rap e o Raggae apesar de interpretados por jovens moçambicanos, são importados, Aníbal louva a invenção do Pandza e Dzukuta que, na sua visão, “são géneros originários moçambicanos. São músicas de dança. Mas a juventude peca apenas num aspecto: o conteúdo”, diz concluindo.

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Related Posts

error: Content is protected !!