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Travaço: um deficiente físico diferente

Travaço: um deficiente físico diferente

Os deficientes físicos têm sido destratados, o relacionamento com eles é preconceituoso, e são excluídos e discriminados em muitas famílias. Para além do desamparo, inúmeros indivíduos nessas condições recorrem à mendicidade para sobreviver, levam uma vida de cão e até chegam a morar na rua como indigentes. Todavia, Ageu Momade Travaço, de 37 anos de idade, residente no bairro de Muatala, na cidade de Nampula, transformou a sua vida numa arte para superar esses obstáculos e, hoje, abraçou o empreendedorismo para não depender de terceiros.

Chefe de uma família composta por sete pessoas, as quais sobrevivem através dos rendimentos obtidos da venda de acessórios de telemóveis, doces e criação de frangos, Ageu Travaço supera a limitação dos movimentos dos seus membros inferiores e superiores atrofiados, e deixa o lar pela manhã à procura de meios de subsistência. Apesar das dificuldades quanto ao financiamento, ele sonha tornar-se um grande comerciante.

Desde as mais antigas civilizações, os indivíduos com deformação física são postos à margem da sociedade. Num país como Moçambique, onde esse tipo de pessoas é invariavelmente menosprezado, os empregadores olham para elas como pessoas incapazes de ter um bom desempenho profissional, dificilmente têm acesso ao emprego formal e são rotuladas como seres inúteis para a sociedade, Ageu Travaço é uma prova de que tantos outros numa situação como a dele podem viver normalmente e com dignidade se não optarem por cruzar os braços.

O nosso interlocutor ficou condenado a locomover- se com recurso a uma cadeira de rodas aos dois anos de idade devido a uma doença desconhecida, que afectou os seus membros inferiores e superiores. Nenhum tratamento feito na altura evitou que fosse uma pessoa com insuficiência das suas funções físicas, sobretudo porque aos pais faltaram meios para que ele fosse submetido a uma cirurgia na África do Sul, por indicação do Hospital Central de Maputo.

Entretanto, Travaço, que nos disse ter ganho o espírito de empreendedor aos 12 anos de idade, a partir de um negócio do irmão, ainda tem a esperança de um dia voltar a movimentar os seus membros superiores e inferiores.

Ao contrário dos que têm sido rejeitados pelos seus parentes por serem deficientes físicos, o nosso entrevistado orgulha-se de ter tido sempre o auxílio dos seus ascendentes em quase tudo. “Quando o meu irmão me colocou a vender hortaliça ganhei vontade de um dia desenvolver o meu próprio negócio, através do qual eu podia garantir a minha sobrevivência”. Volvidos alguns anos, “os meus familiares desembolsaram algum dinheiro que investi no negócio de cigarros, em 1991”.

Com o montante disponibilizado pelos parentes, Ageu Travaço iniciou a venda de doces e bolachas nas proximidades da Escola Secundária de Nampula. A sua actividade comercial prosperou até que um dia decidiu aumentar as suas fontes de rendimento, vendendo acessórios de telemóveis. A sua boa gestão dos lucros fez com que conseguisse comprar a primeira cadeira de rodas com vista a facilitar a sua locomoção.

Em 2010, Ageu Travaço pediu um empréstimo ao Fundo de Desenvolvimento Urbano, no posto administrativo de Muatala, que não foi concedido. Contudo, teve um financiamento de 29.990 meticais do Fundo de Apoio a Iniciativas Juvenis e o dinheiro foi aplicado na criação e venda de frangos.

“Consegui devolver o valor no prazo de um ano e usei os lucros para continuar com a actividade, que actualmente está sob gestão da minha esposa. Considero-me um homem minimamente realizado porque nunca me deixei fragilizar por causa da minha deficiência física nem precisei de frequentar as lojas, às sextas-feiras, para mendigar. Eu é que tenho dado esmola a algumas pessoas”.

Por não poder gerir os três negócios em simultâneo, o nosso entrevistado convidou dois sobrinhos para o auxiliarem, sobretudo no transporte de mercadorias. Neste momento, o seu maior desejo é conquistar a confiança dos compradores e vendedores retalhistas de frangos, o que não tem sido fácil por causa do domínio de uma empresa chamada “King Frango”, cujos proprietários são cidadãos estrangeiros e abastecem quase toda a zona norte.

Da venda de doces até ao comércio de acessórios de telemóveis e frangos, sem nenhum estudo das possibilidades de demanda e oferta desses produtos nem dos riscos de haver lucros ou não recuperar o investimento, poucos são os indivíduos, sobretudo com limitações de locomoção, que conseguem superar as dificuldades do ramo e serem bem-sucedidas. O nosso interlocutor não precisou que alguém lhe dissesse que era capaz de ser um bom empreendedor.

Em 2012, a dedicação de Ageu Travaço ao trabalho valeu-lhe um prémio de melhor empreendedor daquele ano e foi-lhe atribuído um certificado de mérito e uma quantia de 12.500 meticais. Ele investiu o valor na criação e venda de frangos para aumentar a produção, porém, aquela firma concorrente voltou a influenciar negativamente nas suas vendas e por pouco entrava em falência, neste ano. Preocupado com o rendimento bastante diminuto da sua actividade comercial, Ageu Travaço canalizou os lucros da venda de acessórios de telemóveis ao negócio de frangos. Neste momento, ganha entre 200 e 1000 meticais por dia.

Em qualquer negócio, nem tudo corre de acordo com as nossas expectativas. Segundo o nosso interlocutor, “nos primeiros anos, fui vítima de extorsão protagonizada por alguns agentes da Polícia Municipal na via pública e, por vezes, os meus produtos eram apreendidos sem nenhuma explicação. Perdi alguns produtos, mas nunca desisti nem reduzi as vendas, porém, a acção dos fiscais da edilidade contribuiu para o retrocesso da minha vida económica”.

Agastado com a atitude dos elementos da Polícia Camarária, Ageu Travaço marcou uma audiência com o presidente Castro Namuaca para um frente a frente com ele com vista a saber por que motivo os seus produtos eram sistematicamente apreendidos. Inicialmente, o edil aceitou recebê-lo, porém, quando teve a informação de que a pessoa que pretendia expor as suas preocupações era um deficiente físico, mudou de ideia.

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