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Autárquicas 2013: O voto que mudou Nampula

O voto não tolera farsas. Não importa que seja um esquema novo ou velho, que seja uma delegada ou a força da Polícia. A vontade dos eleitores não se pode enganar consecutivamente. E menos, se se trata de uma estratégia que navega à margem da legalidade. A abstenção, às vezes, condena os medíocres e enaltece os bravos. A Frelimo e o seu candidato perderam umas eleições marcadas por inúmeras tentativas de fraude. Cinquenta e três porcento dos votos para Mahamuno Amurane castigaram a governação que nos últimos cinco anos ignorou a periferia e transformou a cidade de cimento…

Nampula é, desde domingo, dia do combate contra a SIDA, uma cidade nas mãos da oposição. Oitenta porcento dos eleitores não foram votar e dos que optaram por exercer o seu dever de cidadania 60.62 porcento escolheeram o candidato do Movimento Democrático de Moçambique. Contudo, os dados da CNE e STAE publicados madrugada adentro indicavam, com 69 mesas contabilizadas, 54,52 porcento para o candidato do MDM e 40,56 para Adolfo Siueia. A contagem paralela do @Verdade consultou 137 mesas e apurou uma vitória bem mais expressiva para o candidato do MDM: 60.62 porcento. Filomena Mutoropa, do PAHUMO, alcançou 4,92 porcento e Mário Albino, da ASSEMONA, 1,16.

Os resultados intermédios divulgados pelo CNE, referentes a 80 porcento dos votos processados, contabilizou 21.795 votos do candidato da Frelimo, Absalão Siueia que entra para a história do partido liderado por Armando Emílio Guebuza como o rosto da derrota na terceira cidade mais importante do país, com 41 porcento dos votos. Mahamudo Amurane, o terceiro candidato apresentado pelo MDM a conquistar uma autarquia, obteve, de acordo com os dados da CNE, 53,28 porcento, ou seja, 28.557 votos.

Filomena Mutoropa conseguiu 2.180 votos, que correspondem a 4.1 porcento da preferência dos eleitores. 791 nampulenses votaram em branco. Em relação à assembleia municipal, a Frelimo obteve 16.723 votos que correspondem a 44.04 porcento dos votos processados. O MDM foi a escolha de 19.738 eleitores o que lhe dá uma vantagem de 51.9 porcento dos votos. O PAHUMO foi o terceiro mais votado, com 908 votos.

Ao contrário dos outros pontos do país onde a oposição se encontra no poder, no contexto autárquico, na capital do norte não foi preciso derramar sangue para vingar a vontade expressa nas urnas. Os poucos residentes da urbe que votaram (menos de 25 porcento) não ficaram ao redor dos postos de votação à espera do resultado. Nessa perspectiva, os polícias dedicaram-se a estorvar o trabalho da imprensa. “Eu sou autoridade”, disse um agente nervoso ao repórter do @Verdade quando este procurava dados na EPC de Namutequeliua.

“A Frelimo decidiu procurar inverter a tendência de voto pela via que melhor domina. Vai ser pela via da fraude”, disse, temeroso, um repórter de uma das rádios comunitárias de Nampula. A profecia não se cumpriu e no período de contagem de votos a Polícia optou por ficar bem distante das mesas. A diferença de motivação resultou decisiva. Por muito que se pense que só é possível ganhar eleições com a fórmula da Beira ou Quelimane, a fiscalização feita pelos delegados e o descaso dos nampulenses foram bem mais importantes.

Incidentes

O processo ficou marcado por quatro detenções, incluindo dois vice-presidentes de assembleias de voto surpreendidos a tentar introduzir boletins para beneficiar a Frelimo e o seu candidato. Na EPC de Muecha, a vice-presidente da mesa no 03001603, Albertina Julião, introduziu votos e fez campanha nos postos de votação a favor da Frelimo tendo sido detida na primeira esquadra da cidade de Nampula.

Na EPC 12 de Outubro, foi detido Agnaldo Paz de Oliveira, vice-presidente de uma assembleia de voto quando tentava introduzir votos na urna a favor do partido e candidato da Frelimo. Está detido na segunda esquadra da PRM de Nampula. Este caso junta-se ao do presidente da mesa 03001802, na EPC de Beleneses, de nome Hermínio da Silva Atumane, que tentou votar com um cartão de eleitor emitido em Angoche.

Ainda no capítulo das detenções, a delegada da Rádio Índico – emissora do partido Frelimo – Yolanda Dombi, foi interpelada pela população com boletins pré-votados a favor do partido Frelimo e arrumados na sua viatura. O caso deu-se na EPC de Mutaunha, onde decorria a votação. Yolanda Dombi foi conduzida à primeira esquadra da PRM, mas saiu em liberdade. A sua viatura de marca Toyota-Rav4, com a chapa de matrícula MMS-83-82, com que transportava os boletins pré-votados ficou parqueada no comando distrital da PRM, uma vez que estava quase a ser vandalizada pela população quando esta descobriu que trazia boletins pré-votados.

Contagem

Silenciaram-se os incidentes e falou a contagem. Era o momento de pôr as cartas na mesa e descobrir quem tinha sido eleito edil pelo povo de Nampula. A retórica da força foi insuficiente para a Frelimo quando Muhamudo Amurano começou a ganhar vantagem à medida que os boletins de voto eram contabilizados, tanto na cidade de cimento como na periferia. Não houve espaço para recuperações milagrosas. O MDM e o seu candidato ganharam as eleições de Nampula e completaram um ano de glória no cenário político nacional. Glória e honra para quem desempenhou o papel mais difícil: o de disputar uma partida com o dono do apito.

“O escrutínio não foi livre”

“Foi uma vitória do povo de Nampula”, afirmou o porta-voz do MDM, Chande Carmona, numa conferência de imprensa convocada para apresentar os resultados apurados pelos seus delegados nas eleições de 1 de Dezembro.

Efectivamente, Carmona considera que o resultado foi justo e que “não há espaço para falsear a vontade expressa nas urnas”. Os números apresentados pelo MDM estão ligeiramente acima dos avançados pela CNE e correspondem aos que foram disponibilizados pelo Observatório Eleitoral e pelo Parlamento Juvenil que fixaram a vitória de Muhamudo Amurane, com 54 porcento dos votos, e do MDM com 52. Refira- -se que a CNE fala de 53 porcento dos votos para Amurane e 51 para o MDM em 80 porcento das mesas processadas.

Contudo, Carmona crê que a percentagem poderá subir depois da requalificação dos votos pelos órgãos eleitorais. Acrescenta também que não haverá espaço de manobra para retirar fraudulentamente “a justa vitória do nosso candidato e do nosso partido”. Com este resultados, o MDM terá 24 assentos de um total de 45 disponíveis na assembleia municipal. “Esta vitória constitui um marco histórico para o partido e para o povo de Nampula porque representa mais uma cidade libertada das mãos dos opressores”, disse.

Carmona fez saber que o processo “não foi livre e transparente”. Como exemplo elencou a exclusão dos delegados de lista do MDM do acto da fiscalização, sob alegação de serem portadores de credenciais desactualizadas e a neutralização de vários delegados da Frelimo com boletins de voto preenchidos. “Nós não vamos recorrer à Justiça, apenas queríamos provar ao povo como a Frelimo tem ganho as eleições através de esquemas fraudulentos, usando os membros das mesas de votação”, sublinhou.

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