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Sindicato Nacional de Jogadores: “O jogador moçambicano não paga impostos”

Sindicato Nacional de Jogadores: “O jogador moçambicano não paga impostos”

Em Fevereiro de 2013 foram eleitos os novos órgãos sociais do Sindicato Nacional de Jogadores de Futebol (SNJF). António Gravata, o único candidato, venceu as eleições e assumiu a presidência daquele órgão cujo propósito é defender os direitos dos atletas profissionais em Moçambique.

O Sindicato Nacional de Jogadores de Futebol (SNJF) é um órgão independente e constituído por atletas profissionais (apesar de ser liderado por antigos praticantes da modalidade), com o papel de defender os interesses laborais, económicos e sociais desta classe junto ao patronato, neste caso os clubes. Para além destas áreas, também presta assessoria jurídica aos seus associados e intervém nos conflitos.

Existe desde 2004, porém não se encontrava em funcionamento durante longos anos. Em Fevereiro de 2013 realizou a sua assembleia-geral que visou a escolha de novos órgãos directivos, conhecida como a da “revitalização”. Num momento de balanço, António Gravata, ou simplesmente Tony, que preside aquele sindicato com menor expressão no país, acusa a Federação Moçambicana de Futebol (FMF), órgão que tutela o desporto-rei no país, de estar a ignorar os problemas dos jogadores moçambicanos ao marginalizar a sua instituição.

@Verdade – Existe a ideia de que o SNJF é um órgão com pouca expressão no país. Está de acordo com esta opinião?

Tony Gravata – As pessoas até podem conhecer e saber da existência do sindicato. Sucede que muitos, refiro-me exactamente aos jogadores, desconhecem o seu papel. Os atletas profissionais ainda não têm o entendimento desejado sobre a função deste sindicato. Esse é, para mim, o maior problema. Porém, estamos, a cada dia, a lutar para ultrapassar esta barreira e aproximar o nosso organismo cada vez mais dos jogadores.

@V – Mas em termos concretos, quais são as questões ligadas aos jogadores que são tratadas pelo sindicato?

TG – Neste momento estamos concentrados nas questões laborais, ligadas aos contratos, à segurança social, aos seguros de trabalho e à assistência médica e medicamentosa dos jogadores. No que diz respeito aos conflitos temos ao dispor dos atletas um gabinete jurídico que presta assistência gratuita.

@V – Quais são os casos mais constantes que o sindicato tem recebido dos jogadores?

TG – São vários os casos que temos mediado. Em termos de importância são todos iguais. Mas temos situações de atletas que, durante as suas carreiras, sofreram de uma incapacidade motora e recorreram ao sindicato para os ajudar a reclamar os seus direitos. No ano passado tivemos de intervir contra o Ferroviário de Pemba em virtude de um jogador seu ter perdido a vida, mas o clube não soube prestar assistência necessária à família do malogrado. Temos muitos casos de atletas que passam meses sem salários e outros em que os emblemas simplesmente os dispensam ainda com contratos em vigor.

@V – De uma forma geral, como se pode avaliar a relação entre os jogadores e os clubes em Moçambique?

TG – Eu não posso afirmar que existe uma relação saudável enquanto persistirem problemas básicos. Seria positiva se estas questões ligadas aos conflitos laborais não existissem. Nisto eu incorporo a má-fé das direcções dos clubes que, de uma forma geral, chegam a marginalizar os jogadores. O nosso maior mal em Moçambique é o dirigismo desportivo. Não podemos ter medo de afirmar isso, ainda que a culpa do estágio do nosso desporto recaia, também, sobre os jornalistas, o público, os próprios jogadores e outros intervenientes.

@V – Há casos em que os jogadores são os prevaricadores. Por exemplo, existem os que assinam compromissos com os clubes e depois não cumprem. Por outro lado, temos conhecimento daqueles que rubricam contratos de trabalho com mais de uma colectividade. Qual tem sido o papel do sindicato nestas situações?

TG – Neste aspecto, sem sombra de dúvidas, está implícito o carácter de cada jogador. Mas quando isto acontece é preciso perceber que há sempre “jogadas” dos dirigentes dos clubes. Por vezes, as pessoas têm conhecimento de que um dado atleta tem contrato firmado com um determinado emblema mas, mesmo assim, fazem de tudo para que ele assine um segundo contrato.

Não estou a dizer que os atletas são inocentes. Eles devem ser responsabilizados e é isso que temos estado a transmitir nos nossos encontros. Mas também os directores desportivos devem procurar conhecer a situação de cada profissional antes de qualquer contratação. Nós propusemos aos nossos associados que depositem uma cópia dos seus acordos no sindicato para que possamos evitar, de uma vez por todas, este tipo de conflitos.

“Trabalhamos somente com jogadores do Moçambola”

Uma das questões respondidas por Tony Gravata está ligada ao funcionamento do sindicato. Segundo o presidente, o elenco que tomou posse no ano passado trabalha no órgão desde a sua fundação em 2004. “Existe um estatuto que deve ser estritamente cumprido. E o mesmo não prevê que um jogador no activo se possa candidatar a ocupar um dos órgãos sociais”, revelou.

@V – Quais são os requisitos exigidos para a filiação de um jogador?

TG – Ainda estamos num processo de implantação. O ideal para nós seria que cada jogador se afiliasse, de forma automática, no momento em que assina o contrato com um determinado clube. Neste momento estamos a levar a cabo trabalhos de sensibilização desta classe de profissionais para se tornarem membros. Conforme disse no princípio da entrevista, eles precisam de conhecer a utilidade do sindicato. Agendámos, como actividade, efectuar visitas a todos os clubes do país com o propósito de transmitirmos uma mensagem aos atletas sobre a necessidade de se associarem a nós, bem como convencer os responsáveis pelos clubes de que o nosso objectivo não é gerar conflitos.

@V – Mas que tipo de jogadores deve filiar-se ao sindicato?

TG – Porque estamos a começar, nós decidimos privilegiar jogadores do Moçambola por ser a nossa competição principal, regular e a mais organizada. No futuro não descurámos contar com os da segunda divisão.

@V – Em termos financeiros, com que meios trabalha este organismo?

TG – Por meios próprios das pessoas que pertencem aos órgãos sociais do mesmo. Nós disponibilizamos o nosso tempo e as nossas condições para que o sindicato funcione devidamente. Não temos fundos, é verdade. Mas estamos a fazer de tudo para defender os direitos dos jogadores moçambicanos. Estamos a pensar na melhor forma de ganhar autonomia e a sustentabilidade desta agremiação. Uma das coisas é pôr em prática o sistema de pagamento de quotas por parte dos associados.

 

A profissionalização dos nossos jogadores

@V – Hoje discute-se a profissionalização do nosso futebol. Os jogadores moçambicanos são ou não profissionais, na óptica do sindicato?

TG – O primeiro exercício que deve ser feito é o de se definir o termo “profissional”. Só depois da resposta poderemos ver se em Moçambique há, ou não, condições para se afirmar que existe a profissionalização do futebol. Mas é um facto inegável que os nossos clubes pagam mais os seus jogadores do que algumas colectividades da segunda liga de Portugal, o que pode significar que são profissionais pois, quanto maior for o salário, maior é também a exigência.

@V – Há pessoas que rotulam os jogadores de analfabetos, bêbados, entre outros adjectivos pouco elegantes. Qual é a vossa opinião?

TG – As pessoas gostam de classificar os nossos jogadores de uma maneira infeliz. Sucede que eles foram sempre o elo mais fraco e nunca, antes, tiveram alguém para lhes defender. Mas também há um comportamento generalizado que afecta os nossos jogadores. Pela sua humildade e medo de represálias, até para defender o seu trabalho, eles aceitam todos esses adjectivos pouco abonatórios, em alguns casos até vindos dos seus treinadores. Já imaginou alguém confrontar o seu superior no clube, alegadamente por lhe ter insultado? Pode custar o despedimento por justa causa.

 

“A Federação Moçambicana de Futebol (FMF) ignora a existência do sindicato”

@V – Em quase todas as aparições públicas, o sindicato tem- -se queixado de uma suposta marginalização perpetrada pela federação. O que se passa na verdade?

TG – Nego-me a aceitar que existe uma relação saudável entre a federação e o Sindicato de Jogadores. Nós temos mantido encontros com várias entidades administrativas nacionais, desde o Ministério da Juventude e Desportos até à Liga Moçambicana de Futebol. Solicitámos, em Outubro passado, uma audiência à FMF, na qualidade de órgão máximo de gestão do futebol em Moçambique, para fins de apresentação do sindicato, como também para pedir algum tipo de apoio no desenvolvimento das nossas actividades. Mas, de lá a esta parte, ainda não houve nenhuma resposta. Existem vários planos que desenhámos e que só precisam do aval da FMF para beneficiar os jogadores, sobretudo no tocante ao calendário desportivo nacional. E, ao não responder, embaraça e coloca o sindicato numa situação de marginalização.

@V – Revelou que tem mantido encontros com a Liga Moçambicana de Futebol. Que assuntos têm tratado conjuntamente?

TG – Por acaso a liga de clubes tem estado muito aberta à nossa instituição. Porém, não consegue resolver todos os nossos problemas em virtude de alguns serem da competência da federação. A Liga Moçambicana de Futebol representa os clubes. É mais fácil ir ter com aquela instituição, apresentar os nossos problemas, as nossas ideias e as nossas actividades do que necessariamente com as colectividades.

Por exemplo, se nós não reunimos condições para viajar até Nampula, aquele órgão serve de elo de ligação entre o sindicato e as equipas lá existentes. E nesta relação não temos razões de queixa. A liga é uma instituição que se preocupa com os jogadores e procura, a todo o instante, resolver qualquer questão que possa existir, sempre em coordenação com o SNJF. Sentimos que somos valorizados por ela.

“Os jogadores moçambicanos ganham muito, mas não pagam impostos” Na temporada passada, o Ministério do Trabalho, através da Inspecção Geral, revelou que muitos jogadores moçambicanos não descontam dos seus salários para a segurança social, uma forma de garantir o futuro após o término das suas carreiras ou para efeitos de assistência em caso de algum acidente laboral. Tony Gravata, presidente do SNJF, também quis abordar este assunto tendo declarado que, como dirigente daquele órgão, sente-se muito triste com este cenário.

@V – O sindicato tem-se queixado dos descontos para a segurança social. O que se passa, na verdade?

TG – Sucede que o jogador moçambicano ganha muito dinheiro mas não paga impostos. Não desconta para a segurança social como os outros trabalhadores deste país. Por norma, um atleta tem um tempo de carreira muito curto. Não ganha tanto dinheiro como aquele que milita nas competições europeias. Sucede que quando deixa de jogar futebol profissionalmente fica “pobre”. Temos ídolos que nos deram glórias no passado, mas que hoje se encontram moribundos, sem condições até para sustentar a própria família. Nós queremos evitar isso, a bem do futuro dos nossos atletas.

@V – E qual é o papel que o sindicato quer desempenhar neste caso?

TG – Simplesmente queremos que seja instituído o pagamento obrigatório da segurança social dos atletas. Queremos que eles paguem impostos e contribuam para o desenvolvimento do país. Repare que os jogadores quando ficam doentes vão aos hospitais onde, por vezes, faltam medicamentos que eles mesmos deviam pagar.

Nós temos estado a trabalhar com o Ministério da Juventude e Desportos, bem como com o Ministério do Trabalho no sentido de resolver, o mais urgente possível, esta componente bastante importante para a carreira de um desportista. Aguardamos, por outro lado, o encontro com o Instituto Nacional de Segurança Social e com a Organização dos Trabalhadores Moçambicanos – Central Sindical de modo que, novamente, voltemos a discutir a segurança social dos nossos atletas.

Há treinadores estrangeiros que são um “zero” em Moçambique

Para Tony Gravata, há treinadores estrangeiros que constituem uma mais-valia em Moçambique, que, pelo currículo e competência que têm, vieram ajudar no crescimento do futebol, sobretudo do jogador moçambicano. Apresentando a visão do sindicato dos jogadores relativamente a este aspecto, aquele dirigente afirmou que “é difícil fazer uma avaliação global da vinda desses técnicos ao nosso país”.

“Mas, pela experiência que tive como jogador de futebol, há treinadores estrangeiros que são um ‘zero’. Que não trazem nada ao país, que não têm o domínio das coisas e que não ensinam nada aos seus jogadores”, disse. Lamentavelmente, continuou, “há técnicos nacionais mais competentes mas que não são valorizados e são muito mal pagos”.

A concluir, Tony Gravata esclareceu que o sindicato nunca foi contra a vinda dos treinadores estrangeiros. “Até certo ponto é agradável a presença deles, pois introduziram uma nova mentalidade nos nossos jogadores, sobretudo na componente táctica em que facilmente conseguimos ver que passaram a usar mais a cabeça do que o esforço físico”.

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