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Será a Revolução Verde um pato que não voa?

Será a Revolução Verde um pato que não voa?

Será a Revolução Verde em Moçambique aquilo a que os americanos chamam de “lame duck” (pato que não voa)? É que ela parece armadilhada antes mesmo de começar. Das contradições no seu próprio conceito, passando pelas dúvidas em relação à estratégia da sua aplicação e terminando na incerteza da eficácia dos seus métodos, estes são os factos que a caracterizam A Revolução Verde é tida como uma estratégia adoptada pelo Governo no contexto da luta contra a fome e visando a promoção de segurança alimentar.

O processo envolve diversos sectores socioeconómicos, com o objectivo de criar mais postos de trabalho, gerar uma mão-de-obra virada para a produção de sementes, o fornecimento de fertilizantes aos camponeses, a melhoria dos sistemas de irrigação e a promoção da agricultura orientada para a comercialização.

OS “VERSICULOS DA BIBLIA” : PLANO QUINQUENAL E PES

O Programa Quinquenal do Governo (PQG) para 2010-14 incentiva as populações para o aumento da produção e produtividade dos produtos básicos alimentares e também encoraja a introdução de culturas de rendimento, de modo a garantir a segurança alimentar, bem como os excedentes para a exportação. Com efeito, a agricultura é o sector considerado a base de desenvolvimento do país, porém, é das áreas que tem recebido menor financiamento do Governo.

Para este ano, estima-se um crescimento de 9.5% na produção agrícola global. De acordo com o Plano Económico e Social (PES) para 2010, estes resultados serão fruto da intensificação da produção com a operacionalização do Plano de Acção para a Produção de Alimento, que é a continuação do plano 2008-2011, o qual consiste na implementação da Revolução Verde.

Dados de 2007 dão conta de que o país dispõe de 35 milhões de hectares de terra arável, dos quais só seis milhões são aproveitados, um número, diga-se, que em 2010 continua actual. Paralelamente, existem 12 milhões de hectares para pastagem, mas a área está actualmente subaproveitada, dado estarem em pasto apenas 1,2 milhão de bovinos e cerca de 4,3 milhões de caprinos.

Para a presente campanha agrícola, 2009/2010, a perspectiva de áreas consagradas às principais culturas alimentares será de 2.883.000 hectares de cereais, 1.389.000 de leguminosas, 1.257.000 de mandioca e 12 mil hectares de batata-reno.

No ano em curso, pretende-se aumentar a produtividade e a produção agrária e pecuária de modo a garantir-se a segurança alimentar, o provimento de serviços de apoio à produção agrícola, o desenvolvimento de tecnologias que promovam o uso e maneio sustentável dos recursos naturais, a construção e reabilitação de infra-estruturas agrárias, e ainda a gestão ambiental sustentável dos recursos naturais.

Deste modo, serão desenvolvidas acções que visam apoiar a produção, dentre elas o fomento da produção de 10.100 toneladas de sementes diversas e aquisição e disponibilização de pesticidas, a irrigação, a extensão rural e a investigação.

Segundo o Governo, a estratégia de intervenção para a implementação da Revolução Verde assenta em recursos naturais; tecnologias melhoradas; mercados e informação actualizada; serviços financeiros; e formação do capital humano e social. Entretanto, desde a sua implementação tem vindo a receber críticas de diversos especialistas que afirmam que em Moçambique ainda não há sinais de Revolução Verde e tão-pouco estão criados as bases para que ela ocorra. É apontada como uma das razões que impedem o seu desenvolvimento a falta de investimentos no sector da agricultura.

Porém, existem também alguns especialistas que chamam a atenção para o facto de que optar pela Revolução Verde é um erro grave, tendo em conta que já ela levou à falência ou degradação de muitos agricultores no mundo, na sua maioria tradicionais, e aumentou a dependência dos países subdesenvolvidos em relação aos países desenvolvidos, além de ter provocado muita poluição.

AGRO NEGOCIO EM MOCAMBIQUE

Na óptica do coordenador nacional da União Nacional dos Camponeses (UNAC), Diamantino Nhampossa, em Moçambique o agro-negócio está em constante crescimento, uma vez que se assiste à aquisição de grandes parcelas de terra para a implantação de projectos ligados à agricultura. Mas reconhece que “existe um grupo de empresários nacionais que pretende investir na agricultura e não tem acesso ao crédito, mas o mesmo não acontece com algumas companhias multina cionais” e, por esta razão, tanto os agricultores emergentes como os camponeses locais têm poucas hipóteses de sobreviver.

Segundo aquele responsável da organização de camponeses, o desenvolvimento da agricultura familiar ainda vai depender dos investimentos do Estado. “Há uma vontade política por parte do Governo em apoiar a agricultura familiar”. Porém, lamenta o facto de os procedimentos não estarem simplificados e a falta de transparência na distribuição de recursos.

“Tinha de haver clareza sobre para que é destinado o dinheiro e não apenas dizer que é para a produção de alimentos, quando se devia focalizar na produção de insumos de modo a permitir que os camponeses recorram ao fundo para desenvolver a sua actividade”. Nhampossa comenta que no país a agricultura tem muitos elementos positivos no que respeita ao apoio aos camponeses, contudo, não pode ser vista como um negócio. “Para os agricultores que querem assumi-la como negócio encontram muitas dificuldades, só as empresas de grande capitais podem fazer da agricultura um negócio em Moçambique”, disse. Para Nhampossa a Revolução Verde deve ser entendida como uma estratégia de longo prazo de apoio à agricultura familiar.

“O Governo está preocupado com o desenvolvimento da agricultura do povo e não havia de apostar numa abordagem comercial ou de grande escala porque ficou provado, com a crise financeira, que não resolve os problemas da fome”. Nhampossa lembrou que resistiram à crise de alimentos os países cujos camponeses tinham a capacidade de produzir alimentos para si próprios enquanto os que dependiam de produção de grande escala tiveram graves problemas.

Portanto, “penso que se o Governo está focalizado no apoio à agricultura familiar está no caminho certo, pois esta é a melhor forma de acabar com a fome e pobreza no país”. Embora reconheça que o Executivo moçambicano esteja a enfrentar uma forte dependência de ajuda externa, o que o condiciona na tomada de decisões em função dos interesses nacionais, o responsável da UNAC observa que a agricultura deveria ser uma prioridade, uma vez que ela é a base de desenvolvimento.

A concluir, Diamantino Nhampossa diz que “é muito importante o país buscar as experiências bem sucedidas de outros países sobre a Revolução Verde” de modo a evitar-se que se caia nos mesmos erros cometidos por esses países, um dos quais a extrema dependência dos camponeses de insumos externos, nomeadamente fertilizantes químicos e pesticidas. “É importante evitar que os camponeses fiquem endividados, pois as empresas que vendem insumos agrícolas não vêm para desenvolver a agricultura de Moçambique mas para fazer negócios. As experiências são importantes para que se entenda a Revolução Verde e se avance para uma agricultura ao nível da capacidade dos camponeses”.

REVOLUCAO VERDE TEM UMA ABORDAGEM FAMILIAR

Em Moçambique, na área de agro-negócios os empresários são os que têm maior dificuldades no que respeita ao acesso ao crédito ou financiamento agrícola. Segundo o economista Eduardo Macuácua, assessor no pelouro Agro-económico da CTA, o facto resulta das experiências negativas por que as instituições bancárias passaram em tempos idos.

“Está situação deve-se ao passado de algumas empresas, sobretudo estatais, que não devolveram o crédito”, disse tendo ainda acrescentado que outro obstáculos ao desenvolvimento do agro-negócios prende-se com o facto de os bancos concederem créditos mediante exigências de garantia quase que inatingíveis. Na opinião daquele economista, a agricultura no país é deficitária e, por esta razão, precisa de insumo, conhecimento, financiamento, capacidade técnica e mercado.

“Continuamos a pensar em práticas usadas no passado quando o que é necessário fazer é olhar-se para o presente ou novas formas de desenvolver a agricultura”. Macuácua afirma que a Revolução Verde tem uma abordagem familiar, ou seja, está virada à disponibilização de insumos para os camponeses quando deveria estar organizada de forma comercial. “O país precisa de uma estratégia global de desenvolvimento e não apenas distribuir tractores para os camponeses.”, comenta.

Para Macuácua, tractores, motobombas e alfaias agrícolas são necessários mas o mais importante é “definir zonas agro-ecológicas para o desenvolvimento da agricultura de forma organizada”. “O nosso sistema primeiro produz e depois procura o mercado. Existem produtos que não são compatíveis com este sistema, temos que ter um sistema integrado para o desenvolvimento”.

O facto de Moçambique apresentar o custo de produção mais elevado relativamente a outros países da região e o sector de agricultura receber menos financiamento são também alguns aspectos que preocupam aquele economista. “Se o Governo acha que a agricultura é a base de desenvolvimento do país então deveria-se criar condições agro-ecológicas”, disse.

AFRICA QUER MUDAR ESTRATEGIA AGRICULA

A 20ª reunião do Fórum Económico Mundial (FEM) sobre África terminou no fim-de-semana em Dar es-Salaam, na Tanzânia, com o compromisso de os participantes continuarem a reflexão para soluções comuns face às dificuldades da agricultura no continente. Componente essencial da economia africana, o sector agrícola é fornecedor de 70 porcento dos empregos em países africanos como a Tanzânia e a base de sustento para a maioria da população em países como Moçambique.

Mas, as mudanças climáticas poderão reduzir em 25 porcento a produção agrícola nos próximos anos, “ameaçando igualmente a segurança alimentar e os eventuais rendimentos no plano económico”. “Não acredito na necessidade de cada país ter uma nova abordagem sobre a agricultura”, declarou o Vice-Primeiro-Ministro do Zimbabwe, Arthur Mutambra, que questionou o que os países africanos conseguiram fazer das suas visões anteriores.

Para melhorar o perfil da sua agricultura, Mutambra considera que os blocos económicos regionais como a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e a Comunidade Economica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) deverão estudar as suas visões regionais respectivas para permitir à agricultura ocupar um lugar de eleição tanto na vida das populações como na economia em geral. O continente africano está confrontado com uma necessidade mais urgente de modernizar as suas políticas agrícolas, tendo em conta a explosão demográfica que ela regista, declararam os participantes no FEM.

Explicando as razões do atraso do desenvolvimento agrícola na Etiópia numa altura em que a maior parte da sua população sobrevive graças à ajuda humanitária, o primeiro-ministro, Meles Zenawi, admitiu que o espectro persistente da fome no seu país constitui “um dilema”. A Etiópia conheceu uma grande fome que conduziu ao derrube, em 1975, do regime do imperador Hailé Selassié e uma outra combinada com uma seca que assolou o país em 1984/85 sob o regime ditatorial do coronel Mengistu Hailé Mariam. Meles declarou que, desde a sua ascensão ao poder depois de derrubar o regime de Mengistu, em 1991, “o seu Governo tem conseguido dar uma assistência alimentar às populações confrontadas com um problema de sobrevivência”.

A propriedade e a disponibilidade das terras são os factores essenciais que podem fazer da agricultura um motor do desenvolvimento em África. Na Etiópia, as terras foram nacionalizadas e distribuídas aos camponeses em 1985. O contrato de cessão de terras não impediu os camponeses na Etiópia de dobrar todos os 10 anos a sua produção alimentar, mas a desnutrição e a insegurança alimentar ameaçam a população. “Nos últimos 18 anos, surgiram pelo menos 30 milhões de pessoas suplementares por alimentar.

Mas não devemos limitar os nossos nascimentos”, declarou Meles. Segundo o Presidente da Tanzânia, Jakaya Mrisho Kikwete, anfitrião este ano da reunião do FEM, o maior problema de África é a falta de meios. Os participantes no FEM indicaram que os camponeses necessitaram de ajuda para transformar, para o seu consumo, os produtos da sua colheita dos quais eles conhecem o valor nutritivo. Além disso, a tecnologia vai tornar a agricultura mais atractiva para os jovens que representam 60 porcento da população em África mas não está interessada nesta actividade que eles julgam aborrecida.

REFLEXAO SOBRE REVOLUCAO VERDE

A Revolução Verde é vista pelo Governo moçambicano como sendo um processo de ajuda para reduzir a dependência do país em relação ao exterior no que se refere à aquisição de bens de consumo. Aliás, o aumento de produtividade que o programa preconiza visa essencialmente satisfazer as necessidades internas. Para o efeito, a tecnologia é tida como elemento fundamental do processo produtivo social.

Na óptica do economista Carlos Castel-Branco, a Revolução Verde Agrícola (RVA) tem sido tratada como mais um programa paralelo à estratégia agrária geral, à de desenvolvimento rural, dos combustíveis, com a produção de alimentos e industrialização. Para o académico, o RVA não é apenas um problema de tecnologia, nomeadamente sementes, agro-químicos e a biotecnologia. Portanto, não faz sentido uma abordagem puramente tecnológica para a agricultura, mas deve-se ter sim uma visão produtiva (tecnológica, socioeconómica, institucional e cultural).

“As opções tecnológicas só têm sentido dentro de quadros produtivos, comerciais e logísticos estratégicos específicos”. No entanto, Castel-Branco afirma que em vez de se repetir soluções do passado por estarem historicamente associadas ao conceito Revolução Verde Agrícola, é necessário diagnosticar os problemas, os desafios e oportunidades e adoptar medidas adequadas. O académico observa que chamar Revolução Verde ao esforço nacional de desenvolvimento agrário não é a melhor opção táctica, visto que esta denominação parece incentivar respostas institucionais defensivas e limitadas que procuram replicar elementos soltos da RVA indiana ou mexicana em Moçambique, ao invés de procurarem as respostas para os problemas específicos de desenvolvimento do país.

Respondendo à questão de como é que Revolução Verde Agrícola se relaciona com o aumento da produção numa base sustentável, o economista comenta, na sua nota de reflexão, que os resultados finais dependem do processo e padrão de produção e acumulação, os recursos e os mercados. Ainda na sua reflexão, Castel- Branco nota que o debate sobre a RVA é bastante focado na adopção de tecnologias de três a quatro décadas atrás ignorando o desenvolvimento científico e tecnológico ocorrido nos últimos 40 anos.

“Por causa da referência ao que constitui a experiência histórica reconhecida como RVA, as experiências africanas de modernização da base produtiva agrícola são frequentemente marginalizadas na análise”. No seu entender, o aumento da produtividade e dos rendimentos agrícolas requerem capacidades produtivas novas, que não estejam apenas relacionadas com sementes, adubos e equipamentos, tais como a organização social e técnica da produção; organização da logística; ciência e tecnologia; finanças; e ligações intersectoriais.

Carlos Castel-Branco salienta que é necessário aumentar a produção e os rendimentos agrícolas e estes objectivos não são atingíveis com alterações tecnológicas apenas, uma vez que estas requerem mudanças económicas, sociais, institucionais e capacidades logísticas e comerciais.

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