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SELO: Theresa May, a nova primeira-ministra do Reino em ruínas – por Birgit Maass*

Não passam nem três semanas, o mundo ainda estava em ordem no Reino Unido: a economia ia aos poucos fortalecendo-se, o desemprego apresentava um recorde negativo histórico. Na casa número 10 da rua londrina Downing Street, o primeiro-ministro David Cameron podia dar-se por feliz de contar com uma maioria estável no seu segundo mandato, podendo governar sem parceiros de coligação. A iniciativa separatista na Escócia acabara de ser evitada, e na Irlanda reinava a paz.

De repente, numa única noite, a vontade do povo mudou tudo, e agora Cameron encontra-se diante de um monte de destroços pelo qual ele próprio é responsável. Até o último minuto, o político conservador esperava vencer o referendo e assim encerrar o incómodo tema “União Europeia”, que há décadas dividia o seu partido.

No entanto, em vez de pacificar o Partido Conservador, Cameron colocou a si mesmo em xeque-mate e precipitou o país para a crise. Depois da consulta popular, a libra esterlina teve uma queda histórica; o clima de pânico espalhou-se em Londres (onde a maioria é contra a saída da UE); a Escócia ameaça separar-se; o oposicionista Partido Trabalhista dilacera-se. E quase diariamente há novas renúncias, com um defensor do “Leave” após o outro a saltar fora do navio que afunda: Boris Johnson, Nigel Farage e, por último, Andrea Leadsom.

E, assim, tudo se precipita no Partido Conservador: porque, de acordo com os estatutos, quando um líder conservador entrega o cargo deve haver uma campanha eleitoral interna. Assim, as bases deveriam ter várias semanas para escolher o sucessor entre as duas opções restantes: a ministra do Interior, Theresa May, que se empenhou pela permanência britânica na União Europeia, e a da Energia, Andrea Leadsom, uma partidária do Brexit que só se projectou publicamente durante a campanha.

A inesperada renúncia de Leadsom, nesta segunda-feira (11), abalou essa ordem, e o partido decidiu rapidamente: não haverá um novo candidato adversário, e May será simplesmente empossada.

A decisão está certa. A base conservadora, de qualquer modo, não é representativa da população: ela é mais idosa e mais branca do que a média e localiza-se principalmente no sul do país, portanto o seu voto não daria grande legitimidade democrática à nova primeira-ministra.

Além do mais, ninguém ganharia nada em ter Cameron a governar por várias semanas como “lame duck”, um “pato coxo”. É bom que a coisa avance rápido e que Cameron já tenha contratado o camião de mudança. Na quarta-feira, os pertences dele já devem estar empacotados, e May assume.

Teria sido mais honesto se, desde o início, o ainda primeiro-ministro tivesse deixado claro que renunciaria no caso de vitória do Brexit. Aí os britânicos teriam pelo menos uma ideia da avalanche de acontecimentos que iria se suceder à decisão deles. Em vez disso, Cameron afirmou até o fim que levaria a cabo aquilo que começara, e negociaria a saída pessoalmente com a UE.

Desonestidades desse tipo são também um dos motivos da crise: os políticos estão, em princípio, sob suspeita. Para muitos, só colateralmente o voto pelo Brexit teve a ver com a União Europeia. Eles queriam, acima de tudo, “dar uma banana” para o governo em Londres – por se sentirem excluídos da globalização, pela sensação de que o país só é governado no interesse da elite urbana moderna e para o bem da “London City”.

Por não poder ignorar esses ressentimentos, May está certa em adoptar uma posição clara: Brexit é Brexit, nada de segundo referendo, nada de novas eleições, pelo menos não até segunda ordem. Ela prometeu reconciliar o país e também cercear o poder do big business. Cabe ver se terá tempo para tal, paralelamente às negociações com a UE sobre a saída britânica.

Enquanto isso, Cameron entrará para a história como um chefe de governo trágico: aquele que foi responsável pela saída do Reino Unido da União Europeia – embora, na verdade, jamais tivesse querido isso.

* Correspondente da DW em Londres

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