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SELO: Senhor Presidente Filipe Nyusi, que armas tem para erradicar a tuberculose no nosso país até 2030? – Por José Maria de Igrejas Campos

Senhor Presidente Filipe Nyusi, li com grande satisfação e alegria as suas declarações ao Jornal Notícias, referindo que ia conseguir erradicar a tuberculose no nosso país até 2030. Isto é uma tarefa espantosa. Espero que o Ministério da Saúde (MISAU) esteja preparado para levá-la a cabo!

Que novas armas foram postas à disposição do nosso país, pelas Nações Unidas e o seu braço sanitário a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF)? Têm de ser armas potentes que até uns dias antes da sua ida à Assembleia Mundial de Saúde não existiam.

Será uma nova vacina que consiga evitar todos os casos de tuberculose e não apenas prevenir as formas graves de disseminação hematogénea do bacilo? É o que faz o BCG que apenas evita a meningite tuberculosa, a granúlia (tuberculose gravíssima que abrange todos os lobos de ambos os pulmões) e a peritonite tuberculosa?

A administração do BCG à nascença não diminui um único novo caso de tuberculose ou seja não tem qualquer influência na incidência da doença. Há mais de 50 anos que se estuda isto na Índia e os resultados são esses. Terão sido descobertos novos fármacos com efeitos fantásticos sobre a doença!?

Os números que o Senhor Presidente apresenta da situação actual da incidência (novos casos por 100.000 habitantes por ano) ou de prevalência (número total de casos de tuberculose por 100.000 habitantes por ano) são assustadores.

A incidência actual é 551 novos casos por 100.000 habitantes.

Vamos agora calcular a prevalência com base nos dados que o Senhor Presidente forneceu ao Notícias: cerca de 159.000 pessoas infectadas. Se o país tiver 28.000.000 habitantes com uma regra de 3 simples chegamos à conclusão de que a prevalência será de 611,5 casos de tuberculose em tratamento por cada 100.000 habitantes ao fim de cada ano. O que significa que a prevalência é 1,098 vezes a incidência o que é um valor inacreditavelmente baixo.

A prevalência não deve ultrapassar o dobro da incidência, mas geralmente anda por valores 50% acima da incidência. Apresenta outros valores de incidência que eu calculei a partir do número de casos diagnosticados que deu ao Notícias e que são os seguintes: 2013 – 203,8/100.000 habitantes; 2017 – tem 2 valores 285,71 e 310,7/100.000 habitantes; 2018 – 392,85/100.000 habitantes.

Tentei contactar telefonicamente com o Dr. Ivan Manhiça, chefe do Programa de Luta Contra a Tuberculose, mas não consegui efectuar a ligação. Pretendia que ele me dissesse que novas armas temos no combate a esta doença, quer para o diagnostico, quer para o tratamento. E dizer de que o livro de que lhe falei, editado pela OMS, da autoria do Dr. K. Toman, tem como subtítulo QUESTIONS AND ANSWERS (em inglês: perguntas e respostas).

Não queria estar na pele do Senhor Presidente com esta meta de erradicar a tuberculose até 2030. Até julguei que estava a ler mal e se tratava de 3030! E mesmo assim seria difícil de cumprir a meta dada a existência simultânea da infecção pelo HIV. Destes infectados pelo HIV há 75.000 que abandonaram o tratamento com anti-retrovirais e há além disso 350.000 crianças também infectadas pelo HIV e que os pais não os levam aos centros de saúde para tomarem os anti-retrovirais (ARN).

Estes dados foram fornecidos pelo MISAU há já alguns meses pelo que devem estar desactualizados (devem ser mais!). É óbvio que uma grande parte destes infectados com o HIV sem tratamento com ARV vão ser infectados pelo bacilo de Koch e terão tuberculose. Costumo dizer que, no nosso pais, para apanhar tuberculose, basta apanhar um chapa numa hora de ponta!

Não fui ao MISAU para falar pessoalmente com o Dr. Ivan Manhiça porque ainda tenho dificuldades de locomoção em virtude de uma fractura do colo do fémur esquerdo, agora com prótese. Gostaria que ele me telefonasse a contar como pretende cumprir a meta. Pura curiosidade!

Vou-lhe contar, meu caro Senhor Filipe Nyusi, que houve um Chefe de Estado que conseguiu erradicar a tuberculose no seu país (o Camboja, agora Myanmar), chamava-se Pol Pot e não precisou de tanto tempo: fuzilou todos os tuberculosos do país sem excepções, alegando que eram improdutivos. E não foram só eles, os leprosos tiveram o mesmo destino.

Dos 3000 médicos que havia no pais só escaparam 60 que conseguiram fugir de lá a tempo e, foi um destes que me contou a história de Pol Pot durante um curso de Saúde Pública na Nordic School of Públic Health, na Suécia que frequentamos.

Com os meus respeitosos cumprimentos

Por José Maria de Igrejas Campos

Médico especialista em saúde pública

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