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SELO: O recurso à mão-de-obra infantil na mineração artesanal em Mambadine – Por Dércio Alberto

O povoado de Mambadine está localizado a sudoeste do distrito de Massinga, a cerca de 25km da vila municipal. O Ministério dos Recursos Minerais, no seu Diploma Ministerial n.º 116/2006 de 7 de Junho, estima que “o povoado de Mambadine possui uma superfície de cerca de 8 640 hectares de Calcário lacustre”. Sendo no entanto que, a exploração daquele recurso pelo artesãos locais e não só tem sido associada ao trabalho infantil.

Vale salientar que segundo o Comité das Nações Unidas Sobre Direitos das Crianças (2009), o termo trabalho infantil é muitas vezes definido como o trabalho que priva as crianças da sua infância, seu potencial e sua dignidade e isso é prejudicial para o desenvolvimento físico e mental.

Em Moçambique a questão do trabalho infantil tem sido muito discutida e sem consenso em alguns aspectos. Daí que tem se notado algum questionamento das comunidades, sustentado pelos seus hábitos e costumes, um exemplo recente, foi relatado pelo Ministério do Trabalho, Emprego e Segurança Social (2016) onde perguntava-se: “(…)se a criança que acompanha a mãe para a machamba, ajuda os pais nos afazeres domésticos, ajuda a tia a acarretar água para a família, ajuda o pai na carpintaria”. Serão estas actividades encorajadas na sociedade moçambicana ou é isto que devemos chamar de trabalho infantil?

De acordo com a Organização Mundial do Trabalho apud Banco Mundial (2008), entre 1,5 milhão de crianças, em proporções iguais de meninos e meninas abaixo de 18 anos, também estão envolvidos na mineração de pequena escala. Sobre este assunto em Mambadine, nota-se que quase todas as crianças cujos pais são mineiros artesanais, estão envolvidas na mineração. Seria difícil falar de números, mas é muito elevado pois, um pai com dois filhos leva os dois a mineração, e assim sucessivamente, quem tiver três leva os três, uma vez que precisa de auxílio para o seu trabalho, que por sinal é pesado e os seus filhos podem certamente ajudar no trabalho. Esta situação é ainda descrita pelo nosso entrevistado Amâncio Mangue Pitoro e passamos a citar:

“O uso de crianças na mineração é notória pois para muitos, as crianças devem se familiarizar e receber ensinamentos dos seus pais das principais actividades. (…) não é só na mineração que as crianças estão envolvidas, mas sim, em todas as actividades de casa e a mineração é para nós um trabalho de casa, é como ir a machamba, pilar milho, cozinhar etc., faz parte do nosso dia-a-dia”

As declarações do entrevistado, remetem nos à conclusão de que o trabalho infantil em Mambadine é uma questão costumeira e muitas vezes associada à falta de informação, daí que esta prática, não é encarada como um problema ou violação dos direitos da criança por parte da comunidade local. Um aspecto ainda mais importante por notar é que, aos olhos daquela comunidade, a participação das crianças na mineração visa essencialmente ensiná-las e preparar para no futuro darem continuidade a esta actividade.

Vale destacar que a questão do trabalho infantil, pode encontrar ainda alguma justificação nos fundamentos do Banco Mundial apud, Abrahamson (s/d,), ao destacar que, o trabalho infantil é muitas vezes presente na mineração de pequena escala devido a uma série de factores sociais e económicos, incluindo a pobreza, a falta de educação, infra-estrutura precária, falta de consciência por parte dos pais sobre os perigos da mineração, bem como ao facto de as crianças na região tradicionalmente trabalharem em minas.

Ao que pudemos constatar no âmbito do trabalho de campo é que não existe uma definição da idade mínima das crianças para trabalharem na mina. O certo é que as crianças participam desta actividade desde cedo, onde encontramos crianças de 10 anos, no mínimo, envolvidas na mineração. Os casos mais frequentes são de crianças de 12 a 14 anos ajudando os pais na mineração e as de idade um pouco mais avançada, dividem os dias laborais na mina familiar e na mina pessoal, o que implica a prior, que não há muito tempo para questões escolares. De forma a colher mais detalhes sobre esta realidade, conversamos com algumas crianças, das quais, as declarações de Arsénio Simão Sousa nos são interessantes e passamos a citar:

“(…) tenho 16 anos, trabalho na mina faz algum tempo, mas comecei a minerar para vender quando estava na 5ª classe. Meus irmãos tem 13 e 11 anos de idade, todos nós trabalhamos aqui na mina com o nosso pai. Não recebemos porque é mina de casa. De tarde vou a minha mina fazer (…) na verdade não temos hora de entrada nem de saída, dependemos da disposição de papá e também do trabalho disponível. Há dias que temos de partir pedras já encomendadas e não consigo ir a minha mina porque saímos tarde e cansados. Quem tem horas de entrada e saída são meus irmãos que ainda vão à escola (…) quem entra de manhã na escola, de tarde está na mina e vice-versa.

As palavras citadas remetem nos à conclusão de que, a mineração faz parte do dia-a-dia das crianças do Povoado de Mambadine. Estas, exercem as suas actividades sem nenhum tipo de remuneração, por se tratar de minas familiares cuja renda beneficia à família. Nota-se ainda da citação, que as crianças são obrigadas a conciliar a frequência escolar com a mineração artesanal, o que não tem sido fácil, pois, o trabalho mineiro é muito pesado. Pela ambição ou necessidade de ganharem dinheiro, algumas crianças em idade escolar, abrem as suas próprias minas e trabalham nela no tempo que deveria estar reservado aos estudos.

Como actividades nas minas, os meninos são responsáveis pela arrumação da pedra, refinação e controle de ferramenta de trabalho, vale acrescentar ainda que, as meninas não estão directamente ligadas à mineração, se bem que, elas também têm exercido algumas actividades complementares à mineração junto das mães. As meninas desenvolvem actividades mais ligadas à preparação da mina, como carregamento de lenha, fornecimento de água sem quaisquer tipos de remuneração, em caso de a mina ser da família (Vasco André).

Em conversa, Rosalia Custodio Matingane afirmou que, “(…) não recebemos porque com o dinheiro da mina compramos coisas de casa, não carregamos para outras pessoas quem o faz é a mamã e recebe, enquanto cuidamos da casa”. Pelo facto de os rapazes estarem mais envolvidos na mineração, era suposto que, as raparigas do povoado frequentassem mais a escola, no entanto, grande parte das meninas abandonam os estudos ainda em idade escolar, para cuidar da casa, dos irmãos mais novos e cozinha; enquanto os outros membros da família praticam a mineração e outras actividades complementares a esta.

Sobre esta realidade, Abrahamson (s/d,), sugere que, como Moçambique é um participante no Programa Internacional da OIT para a Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC), devem ser feitos esforços para garantir o seu cumprimento a fim de prevenir o trabalho infantil. Neste contexto, as estratégias do IPEC incluem a prevenção e retirada de crianças do trabalho em minas de pequena escala, melhorar as condições de trabalho e aumentar a consciência sobre as condições de vida e de trabalho das crianças. Portanto, estudos e regulamentos podem ser fundamentais para a compreensão dos dados demográficos das minas artesanais e prevenir o trabalho infantil.

Por Dércio Alberto

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