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SELO: As dívidas foram “esclarecidas” mas as dúvidas persistem – Por Franquelino Basso

Acredito ter ainda o direito de expressão e liberdade de opinião, por isso tenho a tecer umas pequenas notas sobre o que penso depois de o Governo ir a Assembleia da República explicar as dívidas “supostamente” ocultadas pelo anterior Executivo. E já que falei da dívida, não posso deixar de clarificar aqui, que o problema das dívidas (da EMATUM, MAM, etc.) não é colocado na ribalta só pelo facto de serem dívidas, como alguns quiseram fazer parecer, só para nos desviar do assunto.

O problema das dívidas em questão é o facto de terem sido ocultadas. Sim, isso mesmo, o problema é a omissão e não as dívidas em si. E se a omissão é grave? É sim. Qual é o problema de um governo ocultar algumas acções? Para responder a esta questão, eu vou aplicar a ciência recorrendo ao pensador político Norberto Bobbio, no seu livro o “Futuro da Democracia”: uma defesa às regras de jogo democrático,p.

“A democracia nasceu com a perspectiva de eliminar para sempre das sociedades humanas o poder invisível e de dar vida a um governo cujas acções deveriam ser desenvolvidas publicamente” (BOBBIO; 1986: 29). E Bobbio prossegue dizendo que esta é uma das razões da superioridade da democracia diante dos estados não-democráticos, que tinham defendido a necessidade de fazer com que as grandes decisões políticas fossem tomadas nos gabinetes secretos, longe dos olhares indiscretos do público.

A democracia funda-se sobre a convicção de que os governos poderiam finalmente dar vida à transparência do poder. Ora, “pode-se definir a democracia das maneiras as mais diversas, mas não existe definição que possa deixar de incluir em seus conotativos a visibilidade ou transparência do poder” (BOBBIO; 1986: 10).

É verdade que existem situações em que o governo deve omitir algumas coisas, mas isso é uma excepção e não uma regra. E mesmo assim, a excepção não faz valer menos a regra, porque a excepção só é aceitável se durar apenas um tempo determinado.

Bobbio explica: “entre as razões que contam a favor do segredo, duas são predominantes: a necessidade da rapidez de toda decisão que diga respeito aos interesses supremos do estado e o desprezo pelo vulgo, considerado como um objecto passivo do poder” (BOBBIO; 1986: 94), Isto é, acredita-se que escondendo as acções de grande importância pode agilizar o processo de modo que, se for um problema seria resolvido com mais facilidade do que seria se tivesse sido publicado; é uma hipótese que coloca o segredo certamente como incontestável.

Bobbio parece que admite a possibilidade (de segredo incontestável) de tal maneira que traz em sua obra um trecho de Natale defendendo que “todas as operações dos governantes devem ser conhecidas pelo Povo Soberano, excepto algumas medidas de segurança pública, que ele deve conhecer apenas quando cessar o perigo” (NATALE apud BOBBIO; 1986: 86), isto significa que, (ele explica) “o carácter público é a regra, o segredo a excepção, e mesmo assim é uma excepção que não deve fazer a regra valer menos, já que o segredo é justificável apenas se limitado no tempo, não diferindo neste aspecto de todas as medidas de excepção” (BOBBIO; 1986: 86).

A transparência em democracia é útil e necessária por muitas razões mas sobretudo porque permite ao cidadão conhecer os actos de quem detém o poder e assim controlá-los, mas também porque a transparência, como diria Bobbio, é por si mesma uma forma de controlo, um expediente que permite distinguir o que é lícito do que não é.

E mais do que isso, razões para esconder o que deveria ser público nunca são boas e, Kant diz até mais que isso, “todas as acções relativas ao direito de outros homens cuja máxima não é susceptível de se tornar pública são injustas” (KANT apud BOBBIO; 1986: 29) e, Bobbio acrescenta dizendo que uma acção tal, não é só injusta mas sobretudo uma acção que se fosse tornada pública suscitaria uma reacção tão grande que tornaria impossível a sua execução.

O executivo Moçambicano ao esconder a dívida aos moçambicanos estava em uma clara contradição ao princípio de que a democracia garante o poder ao povo, pois se não há transparência em democracia como forma de assegurar que o povo controle os seus dirigentes, de nenhuma forma o povo poderá ter poder qualquer; Bobbio ilustra com a seguinte analogia: “Se não conseguir encontrar uma resposta adequada para a pergunta “Quem controla os controladores?”, a democracia, como advento do governo transparente, está perdida” (BOBBIO; 1986: 31).

Voltando ao assunto: Primeiro, quero começar por parabenizar o Governo por ter ousado atender o pedido de esclarecimento das “supostas” dívidas ocultas que tanto se esperava que acontecesse; foi tarde, mas valeu pelo feito; porém, devo dizer que o sentimento que eu tinha antes desse esclarecimento era de que depois que o governo esclarecer tudo, tudo ficará claro e a vida dos moçambicanos poderá ganhar outro rumo. Mas estou desiludido e, penso que a maioria dos moçambicanos também está na mesma situação.

O esclarecimento houve, acredito que pelo menos tenha sido essa a sensação que o executivo teve ao sair da “Casa do Povo” depois do segundo dia dos “esclarecimentos”. Para nós (o povo) esclarecimentos que aconteceram, a meu ver, criaram mais dúvidas e, acredito que apenas alguns sentiram que houve esclarecimentos. E mesmo aqueles (poucos) que não “ligavam” para as tais dívidas (como eu), agora estão mesmo começando a considerar a gravidade delas.

Em segundo lugar, quero apontar as dúvidas que surgiram depois que supostamente “esclareceram as dívidas ocultas”. Ora, o problema das “dívidas ocultas” está intimamente ligado com algumas pessoas, pessoas estas que vivem em Moçambique, todas estão vivas, porquê não aparecem na Assembleia essas pessoas para elas mesmas se explicarem? Afinal é o nome deles que está sendo sujado com acusações que se calhar não constituem a verdade. Trata-se de denúncias de roubo, desvio de fundos e outras acusações que envergonham a todos nós moçambicanos.

Eu não sei se existem uma vedação jurídica para isso, porque não sei nada de direito, mas minha opinião é de que os visados (nessa problemática toda) deveriam serem chamados à assembleia para clarificar-nos o que realmente aconteceu. Sem querer fazer um julgamento precipitado, mesmo porque dizem que todos são inocentes até que se prove o contrário, o facto é que as denúncias existem e são graves. E enquanto esses indivíduos que são apontados como culpados não aparecerem, os indícios de que houve ilicitudes graves aumentam. E se, a justificação para os visados não aparecerem, ser de que é para facilitar os processos de investigação dos casos.

A minha opinião é de que Vossa Excelência também parece ligado a diversos desses actos que criaram todo esse “sururú”, por isso, se os outros (principais) visados não aparecem à ribalta por prescrições judiciárias. Acho que Vossa Excelência também deverá sair da visibilidade, pelo menos temporariamente, seria uma prova de que pretende (como os outros visados) colaborar nas investigações. Mas eu penso que isso não é o caso, não há nenhuma investigação a acontecer, pois, não acredito que haja qualquer indicação jurídica para que eles, não venham ao público, ou ao Parlamento se justificarem.

Como cidadão Moçambicano, consciente de minhas obrigações e direitos, é este o meu posicionamento. Se quem não deve não teme, e havendo certeza de que não houve nada de ilegal (fora da ocultação) nas contracções das dívidas de EMATUM e MAM, é importante que os antigos ministros da Defesa, da Economia e Finanças e até mesmo o antigo Presidente sejam dados a chance de aparecer na Assembleia da República para esclarecerem os modos como essas dívidas foram feitas e porquê foram escondidas, porque só as vossas declarações serão decisivas para o esclarecimento do “caso das dívidas escondidas” e o vosso posicionamento vai constituir um elemento decisivo para o futuro da transparência pública, uma vez que a sociedade precisa ter conhecimento de como o dinheiro de seus impostos e quotas estão sendo aplicados.

Meus senhores, num país onde a saúde, a estabilidade social e a educação vão de mal a pior, é inadmissível aceitarmos que ocorrências dessa natureza sejam consideradas normais.

Por Franquelino Basso

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