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SELO: 2030, por Ricardo Santos

Foi publicado recentemente um estudo que alerta para a inevitabilidade de 20 milhões de empregos serem substituídos por robôs em 2030. De autoria da Oxford Economics, ele alerta que, apesar de oferecerem benefícios económicos, os robôs irão eliminar, de forma desproporcional, empregos de baixa qualificação, agravando a situação social global, concluindo ainda que em países com um rácio de menor qualificações, o ritmo de perda de empregos duplicará, comparativamente aos países onde o rácio de qualificações é maior.

África e Moçambique, em particular, não podem ficar alheios a esta dinâmica mundial do chamado paradigma industrial 4.0. Pois não é novidade que, sobretudo em tempos mais recentes, um dos factores de maior atracção de mega-investimentos pela APIEX é a apregoação da vasta mão-de-obra barata e pouco qualificada dos moçambicanos. Por tuta e meia se contratam aqui operadores de máquinas ou construção civil, empregados de balcão e de mesa, de restaurantes, de lanchonetes, bares e afins. Operários de linhas de enchimento de bebidas, processamento alimentar. Mas fundamentalmente, o típico “burocrata de escritório”, que faz da rotina de assina-papel-carimba-papel-toma-chá-das-dez-vai-à-reunião, o pão-nosso de cada dia, de um modo geral, actividades rotineiras e sem apelo constante à nossa massa cinzenta.

Com efeito, se fossemos a fazer uma radiografia sincera à pirâmide socioeconómica de Moçambique, rapidamente concluiríamos que 8 em 10 cidadãos economicamente activos se enquadram neste grupo de alto risco de economia serviçal. Talvez fosse importante começar pelo ponto de partida.

Efectivamente, no cenário pós-orwelliano que se nos avizinha, em apenas uma década, somente os profissionais da área da saúde, tecnologias de informação e comunicação e do ensino estarão em condições de resistir ao embate por mais tempo. E mesmo que as profissões em risco se adaptem, adquirindo novas habilidades, elas deverão incorporar a especialização e apropriação constante do conhecimento, o que é um choque cultural violento em sociedades ociosas e pouco competitivas. Não é surpresa que Bill Gates defenda – e eu subscrevo na totalidade – que se tributem os robôs, à semelhança do que sucede com os seres humanos, para que o imposto arrecadado possa ser aplicado em sectores nos quais os robôs não podem substituir os humanos, ou em necessidades sociais, como a área da saúde e educação. Numa entrevista, ainda em 2017, à publicação Quartz, aquele visionário defendeu que se deveria realocar as pessoas que perderam seus empregos por causa da automação do trabalho para outras áreas em que os humanos ainda são mais úteis que os robôs. Esta ideia também já havia encontrado eco na União Europeia, mas que infelizmente a rejeitara, por supostamente criar barreiras à inovação. Em contraponto, Bill Gates esclareceu que o imposto poderia ser uma forma de mitigar o medo que a inovação traz às pessoas que provavelmente serão substituídas por um robô em poucas décadas. Na sua visão, a discussão sobre impostos e financiamento também deixaria a transição no mercado de trabalho mais lenta, dando tempo para discussões bem complicadas, como a que presentemente trago, se desenrolem, para responder à questão: – Moçambique está preparado para 2030? Infelizmente não está. E desde logo, pelas lacunas de base que vamos progressivamente aprofundando nesta era global. Que são três. O desconhecimento de um segundo idioma de trabalho. A falta habilidades matemáticas. E o uso inapropriado das tecnologias de informação e comunicação. Nunca percebi por que razões, estando rodeado por países de expressão inglesa, este idioma não é amplamente divulgado na nossa Função Pública e quiçá, em toda a documentação oficial do país, quando muitos outros já o fazem sem complexos. Nunca entendi também, por que cargas de água, 9 em cada 10 bolsas de estudo para formação de quadros no exterior, ou cursos disponíveis nas faculdades locais, são essencialmente vocacionados para áreas de letras e ciências sociais, abdicando-se, quase que totalmente, das áreas das ciências puras e aplicadas. E por fim, não consigo entender por que um país, que foi o pioneiro da Internet em África nos anos 90, apresenta hoje um rácio modesto, que lhe coloca no patamar dos 10 piores países do continente com acesso aos serviços de tecnologias de informação e comunicação. Tivemos uma oportunidade de ouro em 1989-90 para pegarmos o comboio da digitalização e não a soubemos aproveitar. A África do Sul e o Zimbabwe, que estavam atrasados, fizeram diferente e hoje arrematam as oportunidades de negócio na SADC, particularmente em Moçambique. E agora, temos que nos contentar com as migalhas dos outros, que naturalmente, nos espartilharão numa tutela bitolada de consultorias e ajustamentos estruturais paralisantes, de acordo com os seus interesses geopolíticos, que nos impedirão de arrancar o motor do desenvolvimento sustentável. Quando vejo a pequenez dos debates da nossa intelligensia rendeira sobre o famoso “fundo soberano” a regressar aos nossos pequenos ecrãs, só posso concluir que, para além de péssimos alunos, sofremos certamente de Alzheimer colectivo. Uma verdadeira pandemia. Quem, no domínio da sua lucidez intelectual, pode questionar a necessidade de uma nação ter reservas monetárias, que asseguram a sua estabilidade e progresso económicos? Haja tino senhores doutores. Não é isso que o país quer ouvir. O que temos de perceber é quando é como vamos usufruir desse instrumento essencial para a soberania do Estado. Ponto final. E no caso vertente, como é que ele pode ser usado para responder a este novo desafio de 2030. Ficaria mais bem servido, este Moçambique, se dedicassem as vossas energias e influências reconhecidas internacionalmente, para retirar Moçambique do marasmo social em que se instalou. Onde o seu bem mais precioso, a juventude, especialmente, o seu famoso jovem empresariado, que tanta reclama atenção na media, não encolhesse a cauda para aprender com empreendedores de verdade. Quinhentos dólares americanos de inscrição, não são desculpa suficiente para se deitar fora uma oportunidade de ouro para mergulhar em vinte mil milhões de investimentos. Mau demais para ser verdade. E como avisa Marcos 1,1-8: depois de mim, virá alguém mais forte do que eu. E eu acrescentaria, com robôs também, para construir, com precisão japonesa, em dois dias, o que milhares de paisanos iletrados braçalmente nunca farão em cinco anos, por insensatez dos seus governantes. Por Ricardo Santos Informático

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