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“Res non verba”

Separe-se a diplomacia da Justiça

Foi bonita a festa do Dia dos Heróis em Nwajahane. Leio na imprensa que estiveram para cima de 40 mil pessoas. Houve discursos – uns mais políticos outros mais sentimentais – danças, cânticos, música, recitou-se poesia. Enalteceu-se, muito justamente, diga-se, a figura do herói que foi Eduardo Mondlane. Mas não bastam palavras, devemos exigir mais acções de acordo com a conduta que o arquitecto da unidade nacional preconizava. E estas parecem cada vez mais distantes do nosso quotidiano.

Efectivamente, Mondlane foi um herói, então, se recuarmos no tempo, a sua figura torna-se, inevitavelmente, mais magnânima. Como é que um negro nascido em 1920, numa palhota de uma aldeia recôndita do sul de uma colónia – para Portugal estava bem mais esquecida do que Angola ou mesmo S. Tomé – consegue atingir o patamar que ele atingiu! Não é para qualquer um. Com a sua persistência e força de vontade – estudou numa época em que às pessoas da sua condição estavam reservadas as trevas do analfabetismo e do trabalho árduo da pastorícia -, com a sua inteligência e sede de conhecimento conseguiu estudar fora, primeiro na África do Sul, depois em Portugal e Estados Unidos, licenciando-se aqui em Ciências Sociais e doutorando-se, pouco depois, em Psicologia Social. Depois veio o casamento com uma cidadã americana e o emprego nas Nações Unidas onde muitos lhe auguravam uma carreira brilhante. Aparentemente, à sua frente, a vida reservava-lhe um destino sem sobressaltos, na tranquilidade de um país que lhe oferecia tudo. Mondlane podia ter sido, facilmente, o primeiro “cérebro” a fugir de Moçambique. Se fosse hoje, um jovem moçambicano nas mesmas circunstâncias, ou até com bem menos perspectivas, seguramente que optaria pelo “exílio americano” e, então, se fosse casado com uma cidadã local, não teria qualquer pejo em adquirir a cidadania norte-americana. Para Mondlane teria sido muito mais fácil ficar no tranquilo remanso norte-americano, com uma vida dividida entre a carreira académica e a de alto funcionário da maior organização mundial. Mas o seu pensamento era guiado por valores bem mais elevados: a liberdade do seu povo. A sua sabedoria, os seus conhecimentos, a sua experiência e os seus ensinamentos eram demasiado importantes para serem desperdiçados em mordomias, em detrimento da luta que o seu povo tinha de travar rumo à liberdade. E por isso Mondlane trocou Nova Iorque por Dar-es-Salam, a tranquilidade pela luta, o certo pelo incerto. Pagou com a própria vida a ousadia de querer um país livre, justo, fraterno, humano, onde houvesse lugar para todos os moçambicanos independentemente da raça, condição social ou crença religiosa. Hoje, olhando para o estado do país, o seu desaparecimento prematuro, tal como na Guiné o de Amílcar Cabral, deu muito jeito a muita gente. Se calhar a muita dessa gente que o exalta em discursos e homenagens. Porque hoje, se Eduardo Mondlane abrisse os olhos, não iria gostar seguramente de muita coisa que se passa no nosso belo Moçambique que ele tanto amava.

Provavelmente experimentaria a mesma sensação que Cristo quando Judas molhou o pão na sua malga.

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