
Sete horas de uma sexta-feira, em que a cacimba tomou conta de Maputo. Estamos na EN1, perto de um posto de controlo, onde os agentes da Polícia de Trânsito (PT), os da Polícias da Protecção (PP, vulgos “cinzentinhos”) e os da Polícia Municipal (PM) exercem a sua actividade de ‘caça-mola’. Neste posto transitam, em média, cinco viaturas por minuto. Entram ou saem do Grande Maputo. É aqui onde a tríade, da qual fazemos parte, hoje, unida na vil acção corrupta, interpela, com tamanha naturalidade, os automobilistas que, ao abrandarem a marcha, estendem as cartas de condução que contêm o vil metal. Recebidas as cartas, estas, são somente abertas por detrás das viaturas, numa vã tentativa de despistar o olhar atento dos passageiros de ‘chapas’, maioritariamente.
Esvaziados os 20, 40, 50, 100 ou 200 meticais, pagos consoante a gravidade da infracção, eis que [nós] os agentes voltam(os) ao encontro dos motoristas a quem questionam(os), já meio envergonhados, sobre travão, luzes ou qualquer coisa, convencidos de que, assim, enganam(os) o ‘olho do povo’. Depois desse ritual mandam(os) os carros seguirem viagem.
Para trás ficamos nós, ‘polícias’, entre fumos e poeiras porque os motoristas descartados ou sem licença, pisam nos aceleradores de viaturas não inspeccionadas até ao fundo como se estivessem a fugir do Diabo.
No minuto a seguir pára um automobilista decidido a não se deixar extorquir. Abeiramo-nos para ouvir a conversa do nosso colega que, num tom autoritário, exige que lhe mostrem a carta de condução e o livrete. O motorista que nem sempre gosta do permanente incómodo, vai tirando os documentos mas denota algum mal-estar.
– Peço para ver a sua licença de serviços públicos.
O motorista exibe os documentos.
Já um pouco aborrecido, o homem de preto e branco inspecciona os pneus que também estão impecáveis. Quando já pensa que este é “peixe para outros anzóis” olha para o interior da viatura e descobre que tem mais um trunfo a jogar e fala do excesso de passageiros. Assim, mais um ‘peixe’ caiu na rede.
Eles, por exemplo…
Não obstante termos sido exortados para nos posicionarmos a uma distância que não revelasse a nossa inocência no se refere às regras de transitabilidade, conseguimos ver como os nossos colegas enumeram uma data de infracções e ameaçam multar tanto “chapeiros” como cidadãos singulares.
Do nosso privilegiado ponto de observação, retivemos dezenas de matrículas de viaturas que circulam graças à atitude ilegal dos agentes da lei e ordem: MMM – 67-0A, MMP – 64-3A e MMM-83-8ª, MMP-70-4A, MMM-38-8ª, MGB-06-8A, MLK – 81-9A, MMM-21-1A e MGB-06-8A são apenas alguns exemplos dos infractores que circulam naquela via.
De referir que substituímos o último número por uma letra.
Considere-se que um “chapa” que circula na cidade de Maputo paga 100 meticais de cada vez que pára num posto de trânsito ou da Polícia Municipal. Resultado: ao meio-dia um agente da PT, que admitiu a nossa presença no seu posto de trabalho, a fim de nos inteirarmos do negócio, arrecadou 1.225.00 Mt, valor que subiu para 1.750 Mt ao cair da tarde.
Se o agente pode esfregar as mãos de contentamento, já o mesmo não se pode dizer do transportador que anda com dores de cabeça constantes devido ao exagerado número de postos de fiscalização e de agentes. A título de exemplo, no caso de um “chapa” que faz a rota Museu-Michafutene, o número de postos é de cinco, nos quais passa por polícias de trânsito, ‘cinzentinhos’ e ‘camarárias’.
Vale a pena assim (?)
A tentativa de chegar à fala com as vítimas – os transportadores – mostrou-se inútil pois, grosso modo, mesmo os que reclamaram fizeram-no na condição de anonimato. A alegação é a já conhecida “temer represálias” mas reconhecem que eles também são parte do problema.
Aliás, para a maior parte dos transportadores, o mal circunscreve-se ao elevado número de postos de controlo ao longo das vias e não propriamente ao valor que é sistematicamente extorquido. Como que a reconhecer a necessidade de legalizar o “ilegal”, um dos operadores, ao desabafar, confirmou o que há muito era simples suspeita: “Sabes, se cumprissem as normas, nenhuma viatura circularia nas estradas de Moçambique”.
É verdade que não são todos os que pensam da mesma maneira, daí que há operadores que condenam os actos ilegais. Mas estes, quando olham ao seu redor, chegam à triste realidade de que não vale a pena queixar-se, mas sim: “Vale a pena assim do que ver os nossos filhos morrerem à fome!”
“Novos burgueses” e …azarados
Nesta triste sina, que já tem barbas brancas e dimensão nacional, o lesado é o Estado moçambicano que vê o seu erário delapidado. Se um polícia, ao invés de aplicar uma multa que iria beneficiar o Estado leva-o para o seu bolso, está a destruir a imagem do país e a prejudicar a economia nacional.
Os “chapeiros”, turistas, e mineiros são as principais presas dos “burgueses” do asfalto. Dentre eles, o destaque vai para os polícias municipais, que, desde que passaram a auxiliar a PT, evoluíram para o lado mais nocivo da sua função: extorquir o “chapeiro” que há muito os detesta. “ Nós já não estamos a perceber nada: você apanha uma brigada da PT e 20 metros depois uma da PM. Porquê e para quê?” Ninguém sabe justificar, mas todos os sondados numa coisa coincidem: “Ambas desenvolveram o gosto pelo anormal”.