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Quando os reclusos se regeneram

Quando os reclusos se regeneram

Há pessoas que reprimem vocações e outras assumem-nas. Os “Anamavenchiwa”, um conjunto artístico constituído por 24 reclusos da Penitenciária Industrial de Nampula, pertencem a este último grupo. Por meio do teatro e da dança, os prisioneiros não só demonstram a sua inclinação para as artes cénicas, mas também que a sua regeneração é possível. A iniciativa, na verdade, é de uma organização não governamental italiana denominada “Progettomondo.mlal”.

Criados em 2007, os Anamavenchiwa, que na língua local significa “os levantados”, são um grupo artístico constituído por reclusos condenados a penas que variam entre os 8 e os 19 anos de prisão. Começaram como um conjunto de dança e, hoje, integram o teatro e a poesia. Quando surgiram, eram formados por apenas 10 reclusos seleccionados pelo projecto de regeneração encabeçado pela “Progettomondo.mlal”. Presentemente, são compostos por 24 indivíduos.

Os reclusos que formam os Anamavenchiwa são os que têm vindo a apresentar um bom comportamento na vida em reclusão. Inicialmente, os ensaios eram dirigidos pelos professores da Casa Provincial de Cultura de Nampula e realizados no pátio da penitenciária todos os sábados, mas presentemente os presos fazem-no por conta própria. Desde a sua criação, o conjunto participou em vários festivais culturais, com destaque para o Tambolane Tambolane em Pemba, o Festival Cultural da Beira, os Jogos Tradicionais em Lichinga e na Ilha de Moçambique e O Festival Regional de Teatro realizado no distrito de Lago.

Em quase todos os festivais que o grupo fez apresentações ocupou o primeiro lugar, facto que motiva a direcção daquela instituição prisional a seleccionar, todos os anos, jovens reclusos com o fim de integrarem o conjunto. Zito Momas, recluso e integrante do grupo Anamavenchiwa, é um dos fundadores da colectividade. Ele afirma que com o aparecimento da “Progettomondo. mlal” a Penitenciária Industrial de Nampula deixou de ser um mundo à parte. “Hoje, temos ocupação e os dias passam depressa, pois temos algo que ocupa a nossa mente”, afirma.

Fazer parte dos “Anamavenchiwa” não tem sido fácil. A selecção é feita pelos guardas prisionais. Os artistas escolhidos para actuar fora da unidade prisional são submetidos, durante a semana,a testes com vista a medir a propensão à fuga. Por exemplo, são colocados em liberdade durante o período de dia para circular pela cidade e, ao entardecer, regressam às celas.

Além das danças tradicionais, os Anamavenchiwa dedicam- se igualmente à música ligeira. Nesta área contam actualmente com dois álbuns no mercado. O primeiro trabalho discográfico foi lançado em 2009 e intitula-se “Maravilhas nas barras da prisão”. Esta obra contém 10 faixas musicais, cantadas em língua local, o Emacua.

Nesta obra, segundo Zito Momas, pretendia-se sensibilizar os prisioneiros sobre as males que têm cometido contra a sociedade. “Sabemos que nem todos os que cá estão cometeram algo errado, mas existem outros que roubaram, mataram, violaram e cometeram outros tipos de atrocidades. Queríamos nós, através desse álbum, sensibilizar a todos de maneira que a não voltem a cometer os mesmos erros”, disse Momas.

Na verdade, a principal mensagem neste primeiro trabalho discográfico dos Anamavenchiwa é o choro de arrependimento dos reclusos. O segundo álbum foi lançado em 2012 com o título “Amalapo” que em português significa “Desconhecidos”. Este trabalho artístico contém também 10 faixas e grande parte é interpretada na língua local.

Os artistas pretendem com este trabalho transmitir mensagens de convívio entre as pessoas de culturas diferentes dentro das celas. “Dentro da cadeia é necessário que haja respeito entre nós porque todos somos seres humanos. Agora já não se bate num indivíduo quando entra na cela como acontecia no passado. Nós, através das nossas músicas, estamos a sensibilizar os reclusos para que não tenham uma má atitude”, afirmou Momas.

Emílio Francisco, condenado a 16 anos de prisão, afirmou que a sua integração naquele grupo artístico foi a melhor opção da sua vida, facto que se deu em 2006. Ele diz que, através do agrupamento, consegue distrair-se e, a cada dia, sente a sua pena menos dura, uma vez que tem a liberdade de circular fora daquele estabelecimento prisional.

Das várias faixas musicais que o grupo gravou até ao momento, a maior parte delas difunde mensagens de reconciliação e de esperança de um dia voltar ao convívio familiar. “Todos temos a esperança de um dia voltarmos à casa e levarmos uma vida normal”, disse Francisco. Nas manifestações artísticas tradicionais, o grupo dedica-se às danças Insiripuithi, Mapico e à Marrabenta. Segundo Francisco, os instrumentos destas danças são fabricados localmente pelos próprios reclusos.

Sonhos

A maior parte dos reclusos da Penitenciaria Industrial de Nampula tem sonhos a realizar. A título de exemplo, Emílio Francisco, que se dedica à danças tradicionais, referiu que, quando cumprir a sua pena, vai continuar com a actividade na sua comunidade, como forma de preservar a cultura moçambicana. Zito Momas, vocalista dos “Anamavenchiwa”, também tem o sonho de dar continuidade à actividade artística.

Durante os fins-de-semana, ele tem trabalhado com alguns produtores de música da cidade de Nampula, que têm ajudado na produção das suas composições. Momas disse que, depois de cumprir a sua pena, pretende lançar o seu primeiro álbum a solo. Neste momento, conta com 14 músicas gravadas, das quais 12 vão compor o seu trabalho discográfico. Nas suas músicas, transmite mensagens sobre os problemas que apoquentam o quotidiano da sociedade.

O director da Penitenciária Industrial de Nampula, Chico Alberto Quembo, afirmou que, ao submeter- -se os reclusos àquelas actividades, pretende-se que os mesmos não sejam rejeitados pela sociedade por falta de conhecimentos. “Ocupando o recluso em algumas actividades, temos a plena certeza de que depois da sua soltura deixarão de cometer crimes e passarão a dedicar-se às artes”.

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