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Quando o tempo faz a sua mossa

Quando o tempo faz a sua mossa

O casal de idosos, Amélia e Januário Manhiça, vive o drama da terceira idade no país. Doente, desamparado pelos filhos e numa gincana que se pode chamar “salve-se quem puder”, luta para se manter vivo.

No domingo passado (2), pelas 17h00, o céu carregado de nuvens cinzentas dava calafrios a Amélia Manhiça, de 80 anos de idade. Nuns passos vagarosos, ela caminha para a cozinha localizada a seis metros da sua casa para remover a loiça.

Foram necessários 10 minutos para percorrer aquela distância, deixando a descoberto a sua fragilidade de saúde.Ao contrário do seu marido, Januário, que definha na cama, Amélia faz todos os dias esse exercício físico.

Debilitado e “encravado” numa cama por culpa de uma doença não diagnosticada, Januário Manhiça, de 87 anos de idade, vive, reduzido a nada, sob a ameaça de não ver o dia seguinte.Faz muito tempo que os seus dias começam e terminamdentro de um minúsculo quarto.

Há sensivelmente um ano, o casal Manhiça vive enfermo. Os problemas de saúde começaram em Outubro de 2010. O primeiro a adoecer foi a esposa, e dias depois o marido. Contudo, Amélia consegue comunicar-se e locomover-se, ainda que com muito esforço. O que já era difícil há poucos meses atrás agora piorou. Aliás,asituação torna-se mais complicadaporque os idosos vivem sozinhos.

Da sua relação matrimonial, nasceram nove filhos, dos quais sete acabaram por falecer – uma desgraça que os deixa traumatizados. “O que piora a nossa situação não é a doença e tão-pouco a idade, maso facto de termos perdido os nossos filhos”, conta com as lágrimas a percorrerem o seu rosto enrugado.

Desamparados

Em Janeiro deste ano, por volta das 18h00, Amélia Manhiça escorregou e caiu no interior da sua casa quando se preparava para dormir. No momento da queda, não pôde contar com ajuda de ninguém, nem mesmo do seu marido que não conseguia fazer nada, prostrado na cama. Ela passou a noite toda estatelada no chão.

“Eu tentava subir para a cama para dormir e, de repente, quando dei por mim, estava deitada no chão sem conseguir mexer os braços e muito menos as pernas. Por conta disso, contraí dores na coluna e na perna esquerda”, conta.

Pela manhã, a vizinha dos idosos, Cacilda Mahlalele, quando ia fazer a limpeza, deparou com uma situação estranha. “Pedi licença durante uma hora e ninguém respondia. Cheguei a pensar que eles não estivessem, mas também eles não poderiam sair sem o meu conhecimento, mais ainda, não estão em condições físicas de se deslocarem sozinhos”, afirma.

O silêncio era preocupante. Cacilda batia fortemente à porta, mas ninguém respondia. Tempos depois, Januário levantou-se da cama e caminhou, com muita difi culdade, até à sala. A sua esposa contorcia- se de dores e clamava por ajuda.

“Quando entrei no quarto, foi para levantá-la do chão. Nessa altura, ela queixava-se de fortes dores na coluna e na perna esquerda”, diz. Cacilda acrescenta que depois ligou para a nora, que arranjou uma viatura para levar a sua sogra aos cuidados médicos. Chegaram ao Hospital Geral José Macamo às 11h00 e só foram atendidos por volta das 19h00.

Amélia Manhiça ainda se lembra do que aconteceu. Conta que, quando foram atendidos, segundo orientação médica, ela tinha de ficar em regime de internamento para posterior acompanhamento médico. “Os agentes da saúde levaram-me à sala de radiologia”, recorda.

No dia seguinte teve alta, mas foram-lhe receitados alguns fármacos. “Desde Janeiro até hoje que tenho tomado os comprimidos, mas as dores não param, quando fico muito tempo sentada ou 20 minutos de pé, as dores tendem a aumentar, também quando faz frio a situação piora”, afirma.

Falta de transporte impede ida ao hospital

Volvido quase um ano, Amélia Manhiça ainda se ressente das dores na coluna e perna esquerda, a despeito de tomar os medicamentos. Os médicos aconselharam-naa apresentar- -se periodicamente no hospital para efeitos de controlo. Mas, devido a uma série de factores começando pelas difíceis condições físicas, passando pelo estado de saúde debilitado, até a falta de transporte, ela não consegue deslocar- se para aferir o ponto de situação em que se encontra.

“Ninguém visita” “Eu tinha filhos que gostavam de mim, acredito que, se fossem vivos, nós não passaríamos pela triste situação que enfrentamos actualmente. Eu e o meu marido não podemos ir ao hospital por falta de transporte ou de alguém que nos acompanhe, não temos quem cuide de nós durante a noite, a senhora que nos tem prestado alguma assistência só vem no período da manhã, faz a limpeza, serve-nos água para o banho, depois o chá e prepara a comida”, conta.

Quando a senhora que presta assistência se vai embora, o casal de idoso fica ao deus-dará. Mas o que mais entristece Amélia e Januário é o facto de não receberem visitas de familiares. “Parece que não temos família, já passa um ano que eu e o meu marido estamos doentes e quase ninguémnos veio visitar. Deus é que sabe, a cada dia que passa, rogamos para que nos proteja”, lamenta.

Só Deus é a salvação

O casal professa o cristianismo. Em tempos idos, quando ambos gozavam de boa saúde, frequentavam as missas, mas depois apareceu a doença e as coisas mudaram. Já não estão em condições de se deslocar à igreja.

“Felizmente, alguns irmãos da igreja visitam-nos, mas não tem sido uma prática constante. Nos princípios deste ano, um padre, no âmbito da sua habitual visita aos doentes nas sextas-feiras, veio acompanhado de alguns crentes com o objectivo de fazer algumas orações”, recorda e acrescenta: “Mesmo estando doentes e internados aqui em casa, isso não é motivo para termos dúvidas de que viveremos mais um ano”, vaticina.

Um gesto invulgar

Cacilda Malhalele não se lembra da sua idade. Vive a poucos metros da casa dos Manhiça. Diariamente, tem a tarefa de ajudar os idosos nos trabalhos domésticos mais pesados.

“A nora do casal foi quem me pediu para tomar conta dos idosos. Ela queria que eu o fizesse a tempo inteiro, mas não posso porque também tenho filhos e netos por cuidar”, conta e acrescenta que pela assistência que presta ao casal recebe 600 meticais por mês, não como salário, mas sim como uma simples gratifi cação. Desde Janeiro deste ano que ela tem ajudado e acompanhado a situação de Amélia e Januário.

Cacilda lamenta o facto de nunca ter visto ninguém da família no seu lar, excepto um neto que apareceu nos princípios do ano. No entanto, ela diz estar ciente de que a família tem conhecimento da débil situação clínica do casal Manhiça. “A nora é a única que tenho visto e com quem mantenho comunicação. Mensalmente, faz um rancho para os seus sogros”, afi rma.

Casados desde 1948

Amélia e Januário contraíram matrimónio em 1948. Ela tinha 17 anos de idade e o seu parceiro 24, um ano depois de terem interrompido os seus estudos, em virtude das definhadas condições de vida.

Do namoro ao casamento passou-se pouco tempo. A relação amorosa começou a partir do momento em que uma tia do jovem Januário se engraçou com a então menina Amélia. A senhora fez a questão de ir ter com a família da rapariga, pedindo para que esta se casasse com o seu sobrinho.

As duas famílias aprovaram o relacionamento

Segundo Amélia, foi assim que a sua história com Januário Manhiça começou. Neste ano, fazem 63 anos de casados e o segredo, segundo nos revela, é: amor, compreensão mútua, fidelidade e humildade.“No altar, chegámos a decidir que só a morte nos separaria e nada mais ou nada menos que isso”, recorda e lamenta que o mais triste é não ter o apoio dos filhos.

Em tempos idos, os dois viviam no distrito de Marracuene e agora moram no bairro Acordos de Lusaka, algures no município da Matola, desde 1973.

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