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Quando o som do batuque toca a mente…

Quando o som do batuque toca a mente...

Quando Dovel Custódio nasceu, a sua mãe morreu. Em resultado disso, o artista não experimentou o carinho materno. Mas também teve outras dificuldades. Nos dias actuais, em Nampula, ele é um dos bailarinos que se podem considerar bem sucedidos. Deixou-se amparar pelas danças tradicionais.

A morte da mãe de Dovel Custódio ocorreu dois meses depois do seu nascimento. A partir daí várias complicações – que se agravaram com a morte do seu pai, em 1998, quando ele frequentava a 6a classe – começaram a marcar os seus dias. Com este segundo acontecimento consumava-se a equação para que, uma vez desamparado, Dovel se tornasse mais um menino da rua. A boa-nova é que isso não aconteceu. A verdade, porém, é que “quando o meu pai perdeu a vida, enfrentei muitas dificuldades visto que, nesse momento, o meu irmão mais velho não trabalhava”, lembra-se o bailarino.

Talvez, o sonho do seu pai em relação à necessidade de que Dovel tivesse alguma formação técnica que lhe servisse de base para o seu sustento tinha razão de ser. Os seus progenitores – que o sustentavam – muito cedo partiram. Por isso, o bailarino passou a viver com o seu irmão mais velho, o que suavizou os embaraços que o cercavam. Foi graças ao seu mano que Dovel começou a praticar as danças tradicionais, com um objectivo muito claro – ganhar algum dinheiro para suster as despesas da sua formação, reduzindo as responsabilidade do referido irmão que, na altura, também era estudante.

Na sequência desses eventos, Dovel participou na formação sobre as danças tradicionais, realizada na Escola Primária Crossore, onde estudava, orientada pela Associação Cultural Casa Velha. Tempos depois, o artista criou o Núcleo de Dança Tradicional Rasta Dance, constituído por 15 pessoas. “Comecei as práticas as tradicionais como forma de mudar a minha vida, visto que eu dependia do meu irmão que também não trabalhava”.

Em reconhecimento ao seu génio, em 2008, Dovel foi convidado a tornar-se membro da Associação Cultural Casa Velha. Nesse sentido, além da dança Insiripuithi que praticava no seu núcleo escolar, o artista aprendeu a Vumba, a Marrebenta, o Mapiko, incluindo outros bailados do Planalto de Moeda.

Presentemente, recorrendo às danças tradicionais, o artista pretende preservar, divulgar e promover a cultura dos antepassados visando as gerações vindouras. É que “as danças tradicionais enraizaram-se em mim, circulando no meu organismo por osmose de tal sorte que não consigo tirá-las da minha mente. Com e partir delas consigo sustentar os meus estudos, incluindo outras necessidades mundanas”, afirma. Como impacto desse envolvimento intenso com o baile, em 2009, Dovel Custódio passou a monitorar o Núcleo de Dança Tradicional da Escola Secundária de Nampula. Inicialmente, a colectividade era composta por 16 elementos que, aos fins-de-semana, actuam nas casas de pasto da urbe.

Com a evolução do Grupo Rasta Dance, os sonhos de Dovel realizavam- se continuamente, uma vez que esta colectividade ia ganhando uma grande popularidade, realizando concertos na cidade e em vários distritos de Nampula. É neste quadro que, a partir da arte-dança, além de garantir os seus estudos, Dovel teve a oportunidade de viajar por toda a província de Nampula, tendo participado num “workshop” promovido pela Cooperação Suíça, em Maputo, com o objectivo de desenhar estratégias para a preservação da cultura dos grupos étnicos.

De qualquer modo, o bailarino não se esquece de que “quando entrei nas actividades culturais, o meu sonho não era tornar-me um actor que se dedica a essa área integralmente. Eu queria distrair-me do pesar que tive em relação à perda dos meus pais. No entanto, dessa relação que, inicialmente, não tinha grandes compromissos, acabei por perceber que eu fui feito para praticar as danças tradicionais. Além do mais é essa a actividade que, presentemente, me garante a renda”.

De acordo com Dovel Custódio, é preciso que, agora, mais do que nunca, se invista nas danças tradicionais, muito em particular porque os jovens moçambicanos não se interessam por esta modalidade artístico- cultural. Daí que seja urgente que se resgate essa componente cultural. “Os jovens desprezam as danças tradicionais por serem, supostamente, dos antepassados. Eles apostam mais em coreografias de danças modernas e ocidentais – o que concorre para a perda da nossa identidade cultural”.

Entretanto, apesar das dificuldades que os praticantes dessa modalidade artística enfrentam, Dovel acredita que ao praticá-las pode-se melhorar de vida. Para o efeito, é preciso que as pessoas que estão envolvidas no movimento sejam dinâmicas a fim de que se promova o bem-estar social. Por conseguinte, vale a pena motivar os poucos jovens empenhados na preservação das nossas tradições através das danças e do teatro, sob o risco de elas desaparecerem. Trata-se de uma responsabilidade que deve ser partilhada pelos seus fazedores, incluindo o público – ao qual esses produtos são destinados – e os dirigentes culturais.

Infelizmente, como Dovel explica, nem todas as partes fazem o seu papel. Os dirigentes culturais de Nampula não apoiam os artistas locais. É essa a realidade que, em parte, faz com que os criadores se sintam marginalizados. Entretanto, apesar do fraco envolvimento dos jovens nas danças tradicionais em Nampula, o bailarino refere que as actuações dos grupos têm tido muita participação do público que faz críticas favoráveis. Será esse o factor que motiva os artistas a perseverarem.

Nas suas actuações, geralmente, os artistas utilizam instrumentos como a timbila e a marimba. Eles produzem sonoridades sublimes. Por isso, “quando estou no palco sinto-me enlevado. É como se estivesse no paraíso”. Refira-se que além da dança, Dovel Custódio aprecia e pratica o teatro em torno do qual realiza pesquisas. Afinal, “não gostaria de me limitar apenas a praticar a dança porque vi que, na cultura, há outras áreas que nos identificam”.

Devido ao sucesso que granjeou no VII Festival Nacional de Cultura, realizado em Nampula, em 2012, a direcção da Escola Secundária de Mogincual convidou-o para formar um núcleo de dança local. O processo foi muito fácil porque no referido distrito os jovens apreciam as danças tradicionais. Além da dança, o grupo da Escola Secundária de Mogincual pratica o teatro cujas actuações se realizam nos fins-de-semana. “Nesta primeira fase, apresentamos as peças ao público sem, no entanto, cobrar os ingressos. Queremos despertar o seu interesse pelas artes cénicas”, refere Dovel Custódio, de 20 anos, que deixou o som do batuque ‘tocar’ a sua mente orientando-o para o sucesso.

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