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Quando o Rock se torna uma necessidade espiritual

No seu primeiro trabalho discográfico, “Loku unga lavi tsika”, os Scratch servem a música a uma temperatura artisticamente elevada. No entanto, nem por isso mendigam a simpatia da legião de fãs que ainda não possuem neste País – que se deixa tornar – do Pandza. “Se não quiserem deixem”, ordenam. A verdade, porém, é que as suas composições musicais despertam o que está adormecido em alguns ouvintes – o espírito Rock…

No momento em que escrevemos este artigo, uma das 14 faixas que corporizam o “Loku unga lavi tsika”, como se chama o disco dos Scratch, satiriza o amor que – na sociedade moçambicana – se torna cada vez mais material e materializante. Canta-se sobre um “amor sem dinheiro”, o qual, por essa razão, “não enche a barriga de ninguém”.

“Amor sem dinheiro” é uma das líricas mais melancólicas do rol, muito em particular quando um dos pares – ao que tudo indica a amante – nos revela que para “fazer amor com um cidadão desempregado é preciso fazer um grande sacrifício”. E não lhe faltam argumentos. É que entre os desempregados, encontram-se os estudantes, os quais – na compreensão dos Scratch, em matérias de relacionamento amoroso – são protelados pelos chapeiros. “Um estudante só conta histórias. Diz que te ama. Leva-te à cama. Tira-te a fama e deixa-te na lama”.

É em resultado disso que – se for para amar alguém, neste país – “prefiro que seja um chapeiro do que um estudante”, afinal, diante do primeiro, “Ugiwa na uga”, dizem recorrentes vezes para explicar que a exploração possui benefícios recíprocos. Tudo isso é entoado pela Banda Scratch. O conjunto, que explora o género musical Rock, existe há mais de 10 anos.

Talvez seja por essa razão que fatigado de uma relação em que ele é que custeia tudo – desde o vestuário, os caprichos da parceira, incluindo a subsistência da sua mãe, resultante das exigências da namorada – a relação amorosa de quem é estudante (por causa desse proceder) está condenada ao fracasso precoce. Aliás, este desabafo não consegue escudar a realidade: “é como se tivesse sido eu quem criou a pobreza absoluta”, diz.

Escutámos na íntegra o “Longo unga lavi tsika”, um disco cujas músicas disseminam muita energia, não só por essa razão, muito menos pela inevitável melancolia nelas contida, mas para perceber a construção social que o grupo faz em relação ao país em que vivemos.

De uma ou de outra forma, se se perguntar a Rock Manuel sobre os fundamentos da criação da Banda Scratch, ele irá contar uma série de histórias, o certo é que não conseguirá escudar a mágoa que teve em relação ao amor.

“Eu e o baixista da banda acabávamos de romper as nossas relações com as namoradas. Então, a música servia-nos de refúgio, um espaço de consolo. A única actividade que nos restava era cantar. Quando se é músico é fácil encantar as pessoas, conquistar fãs e admiradores e, no fim do dia, granjear o assédio das meninas”, afirma Rock Manuel.

É verdade que até 2002/3, a ocasião em que se cria a Banda Scratch, Rock Manuel – que fazia concertos para entreter e socializar- se com os seus amigos no Bairro da Polana Caniço – já era uma referência no subúrbio. Por diversas razões as pessoas – mormente as crianças que o tinham como referência – admiravam-no.

Mas quando, na mesma época, Mr. Thendai – um cidadão de origem zimbabweana – criou um estúdio de gravação e lhes propôs que gravassem as músicas para editarem um disco que seria promovido no Zimbábwè e em Moçambique, um novo problema se impôs entre Rock Manuel, Celso e Vasco. Qual seria o nome ideal para a banda?

“O Celso sugeriu a ideia de Scar, ou seja, cicatriz. Mas não concordei porque cicatriz é uma marca indelével. Esse nome era muito pesado, porque nós íamos superar as mágoas que experimentámos”, considera Rock Manuel que é vocalista e guitarrista do conjunto, ao mesmo tempo que acrescenta que, a par disso, “sugeri o nome Scratch – que é um arranhão que se contrai num dado momento e depois desaparece. Ou seja, para nós, o momento conturbado pelo qual passámos foi um arranhão que nos instigou a trabalhar duramente na música”.

Enfrentar dificuldades

Criada a colectividade – por força das circunstâncias – sem praticamente nrnhuns equipamentos técnicos, e apoio financeiro institucional, a sua gestão não seria tarefa fácil para os agremiados, mesmo quando ela surge num contexto em que os seus mentores – que se ufanam por terem garantido um entretenimento sadio no subúrbio de Maputo – não tinham uma clara pretensão de serem músicos e trabalhar como profissionais da área.

A verdade é que “as pessoas começaram a levar a nossa actividade com alguma seriedade, de modo que exigiam que fizéssemos muito mais”. É a partir daí que “nasceu a consciência de que – se a música nos consumia o tempo que podíamos investir a fazer algo útil para as nossas vidas, então – tínhamos de explorá-la no sentido de aliar o útil ao agradável”.

Ao que tudo indica, havia entre os Scratch uma grande motivação para a produção e promoção do Rock. O que pouco se percebe é a origem da inspiração para o efeito, sobretudo quando se considera que Rock Manuel, o fundador do grupo, cresceu num ambiente familiar em que o dito estilo musical não era consumido. No entanto, até aos 14 anos já exigia ao pai que lhe comprasse uma guitarra a fim de, assim que aprendesse a tocar, poder libertar o seu espírito Rock.

“Eu aprendi a gostar da música Rock por intermédio de um vizinho que apreciava imenso o género. Na altura, não haviam aparelhos DVD e CDs, mas ele tinha um Deck que tocava cassetes. Muitos dos seus amigos, os quais não tinham rádio, mas que possuíam cassetes de Rock, deslocavam-se de vários pontos para a sua casa, no Bairro da Polana Caniço, em Maputo, a fim de escutarem música”.

“Envolvi-me naquele ambiente de tal sorte que o Rock acabou por se injectar em mim. É como se este género musical fosse aquela mulher que mexe connosco, até perdemos o juízo, sem fundamento nenhum. Penso que, para mim, o Rock é uma necessidade espiritual. Não tenho nenhuma base científica para defender a minha paixão por esta música”.

Está difícil fazer Rock no país

De acordo com Rock Manuel, os artistas que exploram o género musical Rock no país não têm nenhum apoio. É por essa razão que os seus concertos acontecem num circuito limitado. “O problema é que os rockeiros é que promovem os seus concertos sem nenhum apoio financeiro institucional. Falta-nos dinheiro para a realização de uma publicidade séria. Não temos apoio mesmo para a realização de shows”.

Ou seja, “sinto que o empresariado moçambicano não acredita muito no Rock. De qualquer modo, há alguma evolução porque de há uns tempos para cá tem sido possível realizar um concerto envolvendo pelo menos 10 bandas em Maputo. Estamos a crescer, porém, num circuito hermeticamente fechado”.

O outro aspecto é que, segundo Rock Manuel, são poucos os produtos musicais daquele género, feitos em Moçambique, que se expõem na Imprensa. “Diferentemente do Rap e do Pandza, por exemplo – estilos musicais que se fazem a partir de um computador bem programado – a produção do Rock é muito exigente”. É esta a realidade que move este rockeiro a assumir que “fazer Rock em Moçambique está difícil. Nós estamos a lutar.

Penso que é preciso que haja uma base séria quando se quer trabalhar no sector. Por exemplo, para realizar um programa sério de ensaios é necessário que os artistas trabalhem três vezes por semana, o que – quando se recorda de que um estúdio cobra entre 150 a 200 meticais por hora de trabalho – é muito oneroso, porque depois os músicos não realizam shows”.

De qualquer forma, para os artistas, “as pessoas que nos apoiam são aquelas que, estando tristes, quando ouvem a nossa música ficam animadas. Isso é muito importante. Há crianças que quando nos ouvem a tocar dizem que assim que crescerem querem ser como nós. Significa que estamos a ser referências. Estamos a moldar vidas”.

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