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“O cinema moçambicano não está morto, mas há pessoas interessadas em matá-lo”

Se o artista não afrouxar, como se tem portado até agora, as suas obras de arte – ao nível do cinema, da música e da fotografia – podem ser uma referência incontornável nas plataformas de arte contemporânea do século XXI. No entanto, Emídio Josine não fica míope em relação à realidade do seu país de origem: “Há pessoas interessadas em matar o cinema moçambicano”. Descubra o seu argumento.

O realizador moçambicano, Emídio Josine, possui obras de arte dispersas em diversas partes do mundo. A proeza contrasta com a forma como entrou no mundo artístico. O seu sonho original – apesar do pendor que possuía em relação ao desenho – era a aviação civil. Na altura, faltou-lhe dinheiro para ingressar na respectiva escola. Um dos seus tios, que havia percebido a sua inclinação para o desenho, aconselhou-o que estudasse artes visuais.

Quando em 2004 concluiu os estudos de design gráfico, nunca mais parou de seguir o trilho das artes. Volvidos três anos, em 2007, aprendeu fotografia no Centro de Formação Fotográfica em Maputo. Em 2009 trabalha para o Jornal Zambeze, antes de, em 2010, dirigir a realização do filme “The Backyard Expected”, ou simplesmente “À espera no quintal” inspirado no conto do escritor brasileiro Luiz Ruffato.

Trata-se de um percurso perante o qual estaria totalmente enganado quem pensasse que foi simplesmente coroado de êxitos. Emídio teve de superar continuamente adversidades desde o princípio.

Em certo sentido, a sua paixão pelo cinema moveu-o a estagiar na PROMARTE, onde conheceu personalidades moçambicanas ligadas à sétima arte. “Naquela época eles faziam filme-documentário. Aprendi com eles, não obstante o facto de ser um estagiário no sector gráfico. Comecei a escrever alguns textos que eram corrigidos pelo jornalista Machado da Graça”.

Imediatamente, Emídio Josine procurou maneiras de se entrosar na Associação Moçambicana de Cineastas, “como peixe miúdo, porque eu queria aprender. Ao longo do tempo tive oportunidades de fazer alguns filmes, participar em capacitações na área de cinema”. Sob a orientação do realizador moçambicano Gabriel Mondlane, que percebeu a sua paixão pela referida disciplina artística, Josine estuda fotografia.

“À espera no quintal”

“À espera no quintal” é como se chama uma das produções cinematográficas – que cruza agentes moçambicanos e brasileiros – na qual, aos 28 anos de idade, Emídio Josine trabalhou como director, em 2010.

“Foi uma experiência desafiadora porque dirigir um filme num país estrangeiro não é fácil”, considera argumentando que “quando o trabalho corre mal, a responsabilização recai sobre o povo do país onde a pessoa é originária. Mas a experiência foi boa porque as pessoas que me formularam o convite como, por exemplo, a realizadora Isabel Noronha, fizeram uma crítica favorável à obra”.

O que se sabe sobre o filme? Trata-se de uma estória baseada no conto de Luiz Ruffato que retrata a experiência de um homem que estava à espera de ir à guerra num país, Brasil, que nunca esteve em conflito bélico. “Então, de que é que aquele homem podia estar a aguardar? Só podia estar à espera da morte”.

É por essa razão que Emídio Josine começou a modificar o enredo do filme ainda em Moçambique. “Ao invés de termos uma única personagem criámos várias, mantendo a ideia básica da esperança: assim, encontrámos um cidadão paralítico à espera por uma noiva para casar e ser feliz; um coveiro, no cemitério, aguardando por cadáveres para sepultar; etc.

Provavelmente, o aspecto mais empolgante na obra é a existência de uma viúva que perdeu o seu marido na guerra. Profundamente desesperançada, ela aguarda o dia da própria morte, a fim de reencontrar o esposo. Para Josine, “À espera no quintal” é um filme muito chocante, não obstante a existência nele de cenas animadoras.

Matar o cinema moçambicano

Presentemente, ao que tudo indica, está-se a recuperar alguma aura na produção e promoção cinematográfica no país. De qualquer forma, a conversa com o autor do Grooves Of My Soul – uma obra de apenas um minuto em que se exibe a produção da música com base em suportes provavelmente corriqueiros, roçando-se a maneira como isso influencia o quotidiano humano – Emídio Josine, aclara-nos sobre o facto de haver incompatibilidade entre o grau de produção e o da divulgação e promoção, incluindo uma tentativa de enguiçar a evolução do sector.

@Verdade: Porque isso acontece? Emídio Josine

(EJ): Primeiro, é preciso esclarecer que o cinema moçambicano não está morto, apenas está desmaiado. Infelizmente, há pessoas que estão a tentar matá-lo. Essa é que é a realidade. Nós, os novos fazedores da sétima arte, estamos a procurar maneiras de resgatá-lo. O problema é que em Moçambique não há condições (financeiras) para se trabalhar na área da produção cinematográfica.

Está-se perante uma realidade que desmotiva muitos realizadores, porque em Moçambique existem pessoas capacitadas – com ideias originais e conhecimentos – para produzirem bons filmes capazes de competir no Festival de Canes ou em qualquer evento de natureza no mundo.

Entretanto, o cinema moçambicano não se desenvolve. Está totalmente estagnado, porque nós, os realizadores, não temos incentivos. Faltam-nos pessoas que nos possam acarinhar. É por essa razão que – ainda que não seja contra – em Moçambique há muitas empresas cuja especialidade é a produção cinematográfica, mas só trabalham no sector de publicidade. Elas deviam viver do negócio do filme.

@Verdade: Existe alguma relação entre o que está a dizer e o facto de ter – no seu trabalho do fim de curso na ENAV – abordado a história do cinema moçambicano?

EJ: Sim! Há uma relação muito forte porque, na altura, eu estava a começar a ganhar interesse pelo cinema. Naquela época existia um cineasta respeitado, no país, do qual eu queria aprender. Ele era reconhecido como um bom realizador. Uma pessoa idosa que, infelizmente, teve a coragem de me dizer que eu não podia estar no seu setting, porque não tinha dinheiro para me pagar.

Mas eu expliquei-lhe que não queria dinheiro. Apenas precisava de aprender. Implorei-lhe para que me desse alguma actividade, afinal eu não estava à procura de dinheiro, mas sim de experiência. Mas ele simplesmente respondeu-me que nem isso era possível. Ou seja, ele estava a cortar-me pela raiz.

Estava a dizer a uma geração que não tinha futuro. É essa pessoa que – mais uma vez, quando estávamos a fazer uma formação de cinema no ISPU – teve a coragem de nos dizer que se nós não conseguíssemos fazer um filme, em menos de um ano, não teríamos futuro como cineastas.

Ele voltou a cortar esta geração pela raiz. Era como se ele, pelo facto de ser experiente, não quisesse concorrentes na área. Mas eu achei essa atitude muito má, porque ela nos leva a essa controvérsia actual da nova e velha geração.

Penso que isso é um adjectivo muito pobre que estraga a cultura cinematográfica no país. No cinema não devia haver essa comparação, apesar de existirem, como é claro, os mais experientes e os menos. Há necessidade de se colocar todos num patamar que seja aceitável para todos, de modo que se possa ter um futuro cinematográfico melhor.

Tem algum receio de dizer o nome do realizador?

Não! Trata-se de Sol de Carvalho que é um cineasta com quem tentei trabalhar. Ele possui alguns filmes bons, que eu gosto, e outros que não aprecio.

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