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Quando o desafio for implementar a lei!

Deixarem de ser meros actores e tornarem-se protagonistas (proactivos) do sector das indústrias culturais – o que, na visão do ministro da cultura, Armando Artur, passa por apoiarem a vigilância da aplicação do novo Regulamento de Espectáculos e Divertimentos Públicos – é tudo de que os artistas precisam para abandonarem a desgraça em que se encontram…

Um estilo de vida de selvagem é um pouco de tudo aquilo que uma pessoa normal não gostaria de experimentar. No entanto, contrariamente a isso, o músico moçambicano Humbe Benedito considera que é a situação em que a maioria dos músicos moçambicanos se encontram perante a desregulamentação prestes a terminar no sector das indústrias culturais no país.

Acredita-se que não haveria melhor crítica senão a que considera que, para o seu benefício, os artistas devem lutar para que o novo Regulamento de Espectáculos – recentemente aprovado pelo Conselho de Ministros – seja efectivamente aplicado para operar profundas e necessárias transformações no campo em que tais profissionais operam.

Neste sentido, de há algum tempo a esta parte, o ministro da cultura, Armando Artur João, tem realizado encontros sistemáticos com os artistas moçambicanos não somente para lhes falar sobre o feito, mas acima de tudo aconselha-los a vigiar a sua aplicação.

No entanto, os artistas compreendem que para que esta narrativa em torno da revisão e aprovação do Regulamento de Espectáculos (iniciada há dois anos) evolua para dimensões épicas, é importante que antes de mais o Governo garanta a sua aplicação.

Uma reclamação antiga, mas sempre actual enquanto não for respondida favoravelmente, é o combate à contrafacção de objectos artísticos, mormente os discográficos. Por isso o tema mereceu uma discussão no encontro.

As demais posições expressas pelos artistas – algumas das quais desenquadradas – são uma clara consequência da marginalização em que o sistema, a falta de uma lei regulamentada e funcional sobre as artes, por exemplo, lhes impôs ao longo dos anos. De uma forma singela, a história pode ser narrada assim:

Morrer de tédio

De forma geral, a lei é vista com algum optimismo. Aliás, ela é como se fosse a Meca para a qual todas as dificuldades e obstáculos com que os cantores moçambicanos se debatem irão peregrinar para nunca mais regressar ao país. Senão, como é que se explicaria a concepção segundo a qual “estamos felizes por receber do ministro da cultura a informação segundo a qual o Governo criou uma lei que irá garantir a nossa sobrevivência”, como alguns músicos se expressaram?

A par disso, considera-se que “é muito importante que o ministro não somente se reúna com os artistas como também com a classe dos empresários, os que detêm espaço para empregar os músicos. Afinal, sentimos que estamos relegados ao desemprego precoce, bem como a um desrespeito brutal.

É lamentável, mas tocámos por apenas 500 meticais. Essa prática deve terminar. Queremos que os operadores do sector dos espectáculos nos respeitem como artistas que somos”, comenta o cantor cujo nome não conseguimos apurar acrescentado que “não queremos morrer de tédio por falta de emprego”.

Refira-se que, em grande parte, o desrespeito aos artistas moçambicanos estão é uma prova que revela a forma como nós, os cidadãos, construímos a nossa sociedade. Sobretudo porque, poucas vezes, ou quase nunca reflectimos sobre o facto de que tais homens da arte são os construtores da imagem do nosso país, assim como da nossa moralidade. Como tal, que satisfação as pessoas que demandam os concertos de um ídolo da música, quando à partida sabem que recebe um salário mísero?

Inspecção actuante

Por sua vez, o músico e assessor jurídico da Associação dos Músicos Moçambicanos, A. Ntamele, comenta na qualidade de um autor de pressão contra as anomalias que decorrem no cenário da música moçambicana e que retraem a evolução dos seus protagonistas.

Para si, é necessário que “nas actividades culturais haja uma inspecção mais actuante, reforçada com quadros capazes e comprometidos com a causa. Só assim se pode valorizar e regular as denúncias que temos feito”. Mas é preciso esclarecer que a inspecção não deve ser realizada apenas na cidade de Maputo.

Jurar para sofrer

Uma preocupação não menos importante é a apresentada pelo músico, compositor e instrumentista moçambicano Silo Paulino, quando lamenta o facto de muitos cantores moçambicanos, a maioria dos quais talentosa, terem desistido da carreira assim que se aperceberam de que o juramento que fizeram em relação à arte de cantar, nas condições actuais do nosso país, não se lhes representava nenhuma mais-valia.

Com alguma razão, o artista considerou que a reunião promovida pelo ministro para auscultar os seus pontos de vista em relação ao Regulamento de Espectáculos, à problemática da pirataria, entre outros temas afins, não foi muito demandado pela classe artística da capital.

É que ao longo dos anos “muitos artistas desistiram da música porque o juramento que fizeram em relação a esta arte nada mais lhes trouxe do que um sofrimento. Se nós estamos aqui é porque somos viciados”, considera.

Num outro desenvolvimento o artista questiona: “Se em Moçambique há um Ministério da Cultura e eu, Silo Paulino, cantor que sou e membro da Associação dos Músicos Moçambicanos, quando gravo um trabalho discográfico tenho o dever de pagar algum valor monetário para obter o selo de autenticidade, e o referido valor reverte a favor do Governo, como é que eu, músico moçambicano, devo deixar os meus afazeres para andar na rua com a finalidade de policiar os piratas?”.

Para o instrumentista esta posição não faz sentido. É que uma vez que “o Governo me cobra algum dinheiro pela produção da música, então, devia igualmente defender-me. O Estado possui várias instituições de segurança criadas para garantir a aplicação da Lei. Se isso não acontece significa que em relação à música e aos músicos o Estado moçambicano não se não se importa. Só quer explorar-nos”, desabafa.

40 anos de sobrevivência

Outro compositor e intérprete não menos importante na cena da música moçambicana, João Bata aponta algumas propostas (quase) formais para o desenvolvimento do sector em que opera. Diga-se, no seu entender, trata-se de uma missão justa, afinal, “nós os artistas estamos a sobreviver desde a proclamação da independência nacional, há cerca de 40 anos”.

Foi nesse sentido que o artista criou as bases que fundamentam uma nova tese: “Senhor ministro, retirem os religiosos das salas de cinema. Eles devem fazer as suas igrejas em locais apropriados. Entreguem- -nos as infra-estruturas. Quantas casas de pasto existem em Maputo? Do referido número, quantas funcionam? E até que ponto satisfazem a demanda dos músicos?”.

Campanhas que (não) matam a pirataria

Afirmar que em Moçambique se combate a pirataria faz pouco sentido porque não se visualiza são os resultados. Neste âmbito certas inquietações conquistam um valor sublime: “Eu costumo perguntar se nós estamos a lutar contra a pirataria ou simplesmente estamos a fazer campanhas. Penso que se alguns órgãos de comunicação social publicarem a realidade dos artistas moçambicanos pode ser uma tremenda vergonha. Não temos editoras discográficas no país, mas temos milhares de músicos. Como é que vivemos?”

Não inventemos outras respostas para estas perguntas porque o comentário correcto já foi dado no início: “uma vida de selvagens”. Se João Bata comenta é pura e simplesmente para enfatizar: “levamos a vida de salve-se quem puder. Estamos a sobreviver desde a proclamação da independência. Por isso gostaríamos que o Regulamento de Espectáculos nos ajudasse a viver”.

Não haja dúvidas! É salutar que os artistas estejam atentos, mas mais importante é que se dividam as tarefas: “a nossa função é cantar. A Polícia é que deve fiscalizar a aplicação e/ou a violação da Lei”, diz João Bata remetendo-nos a um pensamento profundo e, até certo ponto, bem elaborado.

“Eu, pelo menos, já contribuí para que dois promotores da pirataria fossem presos. Provavelmente, da terceira vez que o fizer, receberei um golpe fatal encontrando a morte. A minha família ficará desgraçada. Como se sabe, a morte de um músico em Moçambique é um drama. O problema é que terei sido morto, a defender a quem?”

O mais caricato neste business que se chama contrafacção de objectos artísticos é que até as músicas dos artistas que nunca publicaram um trabalho discográfico não escapam. “Eu, por exemplo, nunca editei um álbum, mas as minhas músicas já foram contrafeitas e estão à venda de qualquer maneira em Maputo. Pior ainda, os referidos discos aparecem com rostos de pessoas que não conheço”, denuncia o jurista da agremiação dos músicos moçambicanos, A. Ntamele.

Formalizar a contrafacção

Como se sabe, em Moçambique, a única ilegalidade aceito até à actualidade é a actividade dos mukheristas. O referido grupo de comerciantes informais é organizado. A sua aceitação resulta de uma luta para a conquista da posição que defendem: o comércio informal. Como tal, há quem pensa na oficialização da pirataria. A ideia não tem falta de adeptos. Compreendamos em que moldes.

“Eu proponho que discutamos com os promotores da pirataria, criemos uma plataforma, para que tiremos proveito deles. Moçambique não possui editoras, então não podemos acabar com os fornecedores de música que existem”, afirma Humbe Benedito.

Por outro lado, associando-se à opinião de Benedito, João Bata revela a vulnerabilidade e a inoperância das autoridades legais e que impacta negativamente no sector das artes: “Os piratas vendem os seus produtos discográficos contrafeitos perante o olhar impávido dos polícias”.

De qualquer modo, mesmo assim, o conceituado intérprete Aly Faque não perde a esperança. Por isso, engendra uma nova táctica para cortar o mal pela raiz: “Deve-se criar um serviço telefónico associado aos serviços policiais.

Restringindo-se à classe dos músicos, o mesmo serviço constaria de um número de telefone a partir do qual os artistas, sempre que depararem com os comerciantes e promotores da pirataria, contactariam as autoridades como forma de prender os infractores e obrigá-los a denunciar a fonte da produção do material. Penso que desta forma a pirataria podia ser minimizada”.

É nesse sentido que Humbe Benedito engendra uma nova estratégia para resolver o imbróglio: “Se os contrafactores pagassem impostos sobre os direitos do autor, provavelmente, eles deixariam de praticar a sua actividade acabando por serem formalizados. Assim passariam a pagar o selo como forma de, paulatinamente, se criarem condições para se gerar o salário dos músicos”.

Um risco presente

Por incrível que possa parecer aos menos informados, a prática da pirataria é um mal que torna a sociedade moçambicana mal afamada no mundo. Pensemos no exemplo de Humbe Benedito:

“Tenho notado que de há alguns tempos a esta parte os discos da cantora sul-africana, Zahara, têm sido contrafeitos e vendidos em todo o país. Essa realidade prejudica a produção cultural de um Estado vizinho, África do Sul, e pode instigar o Governo da mesma nação a cortar relações de cooperação cultural com Moçambique”.

No entanto, como mesmo assim há quem pense que esse é um mal menor, Benedito acrescenta: “Há editoras internacionais como, por exemplo, a Galo e a Sony, que procuraram expandir o seu campo de acção, mas, infelizmente, por causa da pirataria que se agiganta, Moçambique não é um destino certo”.

Para este cantor, uma das soluções passa por Moçambique ratificar a Convenção de Berna. Afinal, enquanto não o fizer, perante a comunidade internacional o Estado é considerado infractor.

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