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Quando o céu anuncia desgraças

Quando o céu anuncia desgraças

Quando chove em Maputo, os residentes da periferia não podem pregar o olho. Têm de tapar buracos e zelar pelos bens que a água destrói, qual desgraça enviada do Diabo. Como as chuvas vão cair até Março, advinha-se um Fevereiro negro para os enteados da terra.

Normalmente quando chove, sobretudo nos países subdesenvolvidos, os agricultores ficam mais descansados, pois já não precisam de regar as suas culturas, uma vez que a chuva facilita o seu trabalho. Mas, nem sempre é assim. O céu também traz desgraças, como testemunhámos, nos últimos dias, nas cidades de Maputo e Matola, onde a catástrofe destruiu pontes, estradas e casas perante a letargia das autoridades governamentais. A esperança é a única moeda que restou nos bolsos dos que, mesmo com o coração partido, precisam de recomeçar.

Famílias ao deus-dará

Desde sexta-feira, 14 de Janeiro, @Verdade acompanhou os dramas provocados pelas chuvas nos bairros suburbanos da capital, onde sobressaíam cenários de casas submersas, estradas destruídas e pessoas a tentar pôr ordem nos estragos. “Pelo menos 95 famílias abandonaram as suas residências”, garantiu o presidente do Concelho Municipal da cidade de Maputo, que sublinhou o facto de que tais agregados se encontram albergados em quatro centros de reassentamento, sob a égide do município.

O processo de assistência consistia em dar abrigo, alimentos e protecção dos bens caseiros, mas muita gente preferiu ficar em casa. “Nunca me arriscaria a deixar a minha residência nestas alturas em que somos frequentemente assaltados. Só me resta esperar a chuva parar”, disse Ernesto Macamo, de 40 anos de idade, residente no bairro Chamanculo. E existem outras razões. Alves Sitoi, do mesmo bairro, considera banal a resolução municipal.

“O povo precisa de soluções duradoiras e veja o que lhe dão”, queixa-se para depois afirmar que o município está a aproveitar-se da desgraça dos outros para fingir que trabalha. “Na realidade nós queremos um bairro com estrutura que garanta o escoamento das águas da chuva. Este problema de inundações já tem barbas brancas. Ademais, as chuvas caem todos os anos e nunca vimos alguma vontade de resolver a crise”. Sitoi vive naquele bairro há oito anos. Além dos seus cobertores e vestuário molhados, viu a sua latrina de construção precária encher de água e toda imundície sair à superfície, pondo em risco a vida das pessoas, sobretudo das crianças.

Cenário idêntico noutros bairros

Outros bairros não foram excepção. São 8 horas da manhã de 15 de Janeiro. O dia acordou calmo e o céu mais cinzento do que no dia anterior. António Manga, de 59 anos de idade, residente no bairro Ferroviário em Maputo, tenta com a esposa e seus dois filhos recuperar o que a chuva poupou. Carregando uma bacia cada, o casal retira a água e os filhos procuram objectos perdidos, enquanto se encharcam na sujeira.

Quintal inundado, utensílios a flutuar, interior das casas ensopado e imóveis sobrepostos são os sinais mais visíveis. “Perdemos uma boa parte dos nossos bens, incluindo alimentos”, diz Manga que a seguir enumera: “Tínhamos um saco de 25 quilos de arroz cheio, nove de farinha, dois de açúcar, 400 gramas de sabão em pó e quatro quilos de feijão, mas tudo sumiu”.

Camponês e sem alternativas, Manga sobrevive da venda dos produtos que colhe na sua machamba algures no bairro das Mahotas, enquanto a mulher vende peixe no mercado de Xiquelene. ” Está difícil, eu já tinha as contas bem-feitas para todo mês, mas terei de mudar os planos pois tenho de comprar comida outra vez”, revela.

Quem também não escapou aos caprichos da natureza foi Bernardo Luís, do Choupal, em Maputo. “Passei toda a noite parado porque o tecto da minha casa pinga e a parte inferior da porta deixa entrar muita água. Foi uma lástima”, conta. Luís, a sua esposa e um filho vivem numa pequena casa de caniço. Dentre os prejuízos conta alguns pratos que se partiram quando os tentava transferir para a casa do vizinho, colchão e cobertores molhados.

Pode ser apenas o começo

Receia-se que a situação possa vir a agravar-se ainda mais. As previsões meteorológicas indicam que as chuvas poderão cair até Março em todo o país. Esta semana, o Centro Nacional Operativo de Emergência (CENOE) anunciou que sete mil pessoas poderão ser afectadas pelas cheias na bacia do Limpopo em Gaza.

O mesmo cenário poderá registar-se noutros rios da região sul e centro do país. Para evitar problemas, nessas circunstâncias geralmente deslocam-se as comunidades que vivem ou praticam a agricultura nas zonas de risco, para locais mais seguros.

Para a cidade de Maputo, em particular, David Simango anunciou que o município tem à sua disposição 21 milhões de meticais para reduzir os efeitos das chuvas. Uma parte do valor veio do Ministério das Obras Públicas e Habitação. Quanto à reparação das infra-estruturas públicas danificadas, o presidente afirma que “não será possível desenvolver o trabalho de enchimento de buracos enquanto estiver a chover”.

Negócios que a desgraça traz

Depois das chuvas, enquanto uns se queixavam dos danos, há quem tenha visto uma oportunidade de negócio para fazer face aos duros combates da existência, sobretudo o alto custo de vida. É o caso dos jovens do bairro de Maxaquene “A” onde as ruas e as casas estão submersas, as condutas de água danificadas, há charcos e sujidade por todo lado, fazendo com que os residentes estejam expostos a doenças como malária e cólera.

Transitar naquele bairro sem meios tornou-se quase impossível pois as águas chegam a atingir a altura dos joelhos. É neste ambiente de desespero geral que alguns jovens transportam pessoas de uma margem a outra.

Antes de tudo, os clientes recebem três opções. A primeira consiste em alugar um par de botas por cinco meticais, a segunda ser levado às costas, por 15 meticais, e a última utilizar o serviço duma carrinha de mão, vulgo tchova. Uma travessia de tchova numa distância de 60 metros custa 20 meticais.

Os mentores desta iniciativa têm idades compreendidas entre os 13 e os 25 anos e dizem recorrer a este tipo de actividade por não terem outros meios de sobrevivência. “O que iremos fazer? Temos famílias por sustentar”, dizem. Um dos aspectos que sobressai à vista no local é o das diferentes botas e as carrinhas.

Os jovens disseram à nossa equipa de reportagem que têm as botas guardadas para o caso de ocorrerem situações do género. Quanto às carrinhas, estas são alugadas a uma taxa diária de 3 meticais.

As receitas dependem do movimento que se fizer sentir. Nos dias em que chove muito chegam a facturar quatrocentos meticais. Os clientes mais frequentes são mulheres e crianças.

Enquanto isso, os residentes daquela zona vêem-se sem meios para contornar esta situação pois o sistema de drenagem há muito que se revelou ineficaz. Aliás, a fúria das águas foi tão grande que conseguiu destruir parte da drenagem localizada na paragem Baltazar, na avenida Acordos de Lusaka, dificultando, deste modo, o acesso ao bairro.

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