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Quando o artesanato produz literatura!

Quando o artesanato produz literatura!

Na sociedade em que vivemos, provavelmente ninguém se empenha mais do que o professor, o jornalista e o escritor para despertar a adormecida cultura de leitura nas pessoas. No entanto, se o Primeiro Encontro Africano do Livro de Cartão, que decorre em Maputo até 23 de Abril, possui algum mérito, o mesmo não se deve (somente) à estranheza da sua expressão cultural. Aqueles livros são atraentes…

Se de facto é verdade que para que o ser humano se torne num bom filósofo precisa de manter viva a sua capacidade de se surpreender com o mundo, como Jostein Gaarder afirma no livro “Mundo de Sofia – Uma Aventura na Filosofia”, então, o sentido inverso não é válido para a leitura.

É que na noite sexta-feira passada, 13 de Abril, quando chegámos ao Centro Cultural Português – Instituto Camões, em Maputo, o cenário que se havia instalado no local despertou uma enorme fobia em relação ao respectivo aspecto fisiológico. “Que livros são esses?”, questionámo-nos.

Cidadãos de diferentes estratos sociais, entre estudantes, artistas, jornalistas, pessoas comuns disputavam, em certo sentido, aquelas centenas de livros. Foi uma das primeiras vezes em que visitámos uma feira de literatura e arte em que o livro – de facto – se manteve a estrela do momento princípio até o fim. Tratou-se de livros expostos e que, apesar de terem sido desprovidos de uma apresentação formal, como acontece nas cerimónias de publicação de novos manuais, os seus autores não tiveram motivos para lamentar.

O reduzido espaço do Instituto Camões, a falta de bancos para sentar e ler os manuais – é sempre melhor comprar um livro depois de lê-lo -, a movimentação da moldura humana, entre outros factores não nos permitiriam ler nenhum daquelas obras para adquiri-los com conhecimento da sua temática e conteúdo.

Como falar sobre todos aqueles livros, digamos, apresentá-los ao estimado leitor para, por via disso, o instigar a comprar? Esta, entre outras, foi uma das perguntas que percorriam a nossa mente. Afinal, não reuníamos dinheiro suficiente para comprar pelo menos um exemplar de cada título. E mesmo que o tivéssemos, a nossa página não teria espaço suficiente para – de uma só vez – publicar tanta informação.

Foi nessa preocupação que encontrámos o “Elogios”, uma obra que congrega quatro textos intitulados “Elogios” da autoria do célebre escritor moçambicano Carlos dos Santos. Mas confesso, se comprámos esse livro não foi somente porque podíamos. Mas, acima de tudo, porque havíamos lido algo sobre o autor antes. Tínhamos algum conhecimento de um título parecido. E aqui vale a pena afirmar que nos referimos à obra “Elogio da Loucura” de Erasmo Rotterdam.

Elogio de todos os livros

Encontrámos, no local, entre outros, um livro que nos podia auxiliar na apresentação de todos os demais sem termos que comprá-los e/ou mesmo lê-los. Aliás, se o estimado leitor quiser perceber a importância da leitura, nada melhor seria do que adquirir o livro “Elogios” de Carlos dos Santos, no evento de que estamos a falar, que não se arrependerá. A sugestão não desvaloriza a importância dos outros livros.

No referido livro, Carlos dos Santos faz o “Elogio da Leitura”. O autor começa por lamentar o facto de, nos dias actuais, a “Ciência”, quando associada à palavra “Ler” resultar numa “mistura altamente repulsiva” nas pessoas. É que, na sua compreensão, “se antes os pais castigavam os filhos ameaçando-os com um qualquer papão ou de os privar de brincar, hoje podem bem ameaçá-los de que serão obrigar a ler um livro, que os miúdos se porão imediatamente na linha”.

Lamentavelmente, para o escriba isso não é o pior: “Os pais só não recorrem a esse castigo, porém, porque têm eles próprios um medo ainda maior de se confrontarem com esse monstro de inúmeras patas e incontáveis cabeças – o livro”.

A verdade, porém, é que “ler é o cerne da intelectualidade do nosso ser”. De tal sorte Carlos dos Santos defende que “todos os animais sonham, falam e riem-se – até mesmo connosco”. A maior virtude do Homem, aquilo que o distingue dos demais animais, é a capacidade de leitura.

É como escreve: “o que nenhum outro animal é capaz de fazer é ler”. Duma ou doutra forma, é triste perceber que esta definição “aproxima todos aqueles que não lêem, desses outros seres vivos que se encontram limitados à sua própria existência e que, por isso, têm de fazer para ver o que acontece e depois correr atrás da consequências”.

Assim se denuncia o mérito da leitura. A faculdade de preparar o Homem para a construção consciente do seu próprio futuro. Para Carlos dos Santos é mentira afirmar que errar é humano. “Todos os animais erram”. Ler é que é humano. E, aqui, é preciso explicar que ler “não é saber repetir mecanicamente um conjunto de símbolos”, antes, é interpretar o que a escrita pretende dizer. É questionar e gerar opinião.

Esse é o objectivo dos livros

Foi por todas essas razões – mas acima de tudo pelo objectivo de expor o seu “contributo para combater analfabetismo – essa grilheta que nos mantém escravos de nós mesmos”? que escreveu a obra “A Quinta Dimensão”, para “que mais pessoas queiram ler, possam ler, consigam ler e descubram que, afinal, a consciência é bela e está acessível a qualquer pessoa”.

Muito mais pode ser lido no livro de que falamos. No entanto, acreditamos que essa seja a melhor forma de apresentar de uma só vez todos os livros expostos no Primeiro Encontro Africano do Livro de Cartão. Uma forma de reiterar o pensamento de Mahatma Gandhi: “Devemos tornar-nos na mudança que queremos ver”. Ou ainda candidatar-nos a uma aventura “para o combate contra esse mal de todos os males” a ignorância, como todos os livros e todos os escritores tencionam.

Um sucesso autêntico

Perante a Imprensa, os organizadores da iniciativa congratulam-se com o sucesso. E perspectiva o futuro com expectativas positivas em relação à evolução e desenvolvimento. Até porque, de acordo com António Prista, da FLCS/UEM, a iniciativa não tem dono. Todos podem participar. O importante é trabalhar.

“Penso que se trata de um gesto que emite inúmeras mensagens, primeiro pelo facto de o material usado, em si, emitir inúmeras mensagens à sociedade. A iniciativa instiga as pessoas para a necessidade de trabalharem de forma simples. Ou seja, operar com os meios disponíveis e não se deixar limitar pela inexistência de materiais ou de condições sofisticadas. Para nós, o importante é a possibilidade de materializar ideias de diversas formas. Produzir e difundir informação necessária para a sociedade”.

Heitor Castanhera, da Embaixada Espanhola em Moçambique, considera que se os ministérios da Educação e de Cultura, as editoras moçambicanas estabelecessem alianças com as editoras cartoneras, para produzir livros com menor custo (os quais deverão ser destinados aos lugares mais longínquos do país), mais pessoas poderiam ter acesso ao livro a baixo custo.

Não menos importante é que, segundo Paulo Guambe, a partilha de obras entre as editoras não fere a propriedade intelectual, de tal sorte que em Maputo há muitos autores conceituados cujas obras chanceladas por outras editoras convencionais foram cedidas à Kutsemba Cartão para replica-las em moldes artesanais.

Enfim, no Primeiro Encontro Africano do Livro de Cartão, o artesanato está ao serviço da literatura, da arte e do conhecimento. Os livros não são, necessariamente, reciclados mas produzidos a partir de um material de pouco valor – o papelão, por exemplo – que são reutilizados.

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