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Quando a arte se impõe contra a SIDA…

Quando a arte se impõe contra a SIDA...

A luta contra o vírus causador da SIDA é uma prática que se eterniza, enquanto o mal prevalecer. A questão que se coloca é: qual é “o papel da Rádio e dos Artistas no combate ao HIV?” Impelidos por esta carência, muito recentemente, cidadãos moçambicanos concentraram-se para reflectir. Ao longo dos anos, talvez nos tenhamos “esquecido de documentar as boas práticas artísticas ao serviço da sociedade”, o que não retira o seu mérito. Descubra qual…

A caminho do 20º aniversário, o que acontecerá no próximo ano, a Rádio Cidade realizou, na semana passada, uma iniciativa que associou diversos actores sociais, incluindo artistas e sociólogos, a fim de reflectir sobre o papel exercido pela comunicação social, com enfoque para a Rádio e os artistas na sua produção na luta contra o SIDA.

Conforme Dadivo José, e é facto, realizando-se uma análise em relação ao histórico das actividades culturais no país, com enfoque para o que já foi produzido sob o ponto de vista de arte no sentido de se incitar uma transformação na mentalidade dos adolescentes e jovens, percebe-se que as artes possuem um grande poder.

O problema actual, que es de ensino superior a leccionar artes e cultura, faz com que estas se o paspara o actor é algo típico da nossa pequenez, é que nos “esquecemos de documentar as boas práticas em relação às manifestações artísticas ao serviço da sociedade”.

Trata-se de uma realidade que, quando associada ao facto de actualmente o país possuir duas instituições de ensino superior a leccionar artes e cultura, faz com que estas se ressintam da falta de documentação sobre o movimento artístico em Moçambique.

Partindo do princípio de que, na exposição do pensamento de Dadivo José, a tradição oral característica das sociedades africanas, se encarrega de colmatar, em certo grau, a lacuna criada pela falta de documentação, então, qual será a força que as várias formas de arte possuem para influenciar condutas humanas e contribuir, por essa via, na formação de personalidades, sobretudo, dos adolescentes e jovens?

É a partir daí que o artista se impõe como um “mandatário da sociedade, capaz de condensar e codificar a vasta informação que esta possui, usando os símbolos e buscando a estética”. Forma-se, então, o triângulo do movimento artístico constituído pelo “bem cultural, artista, produto artístico ou obra de arte”.

De acordo com Dadivo José, “só com esta relação triangular é que é possível perceber a maneira como os artistas – em Moçambique e em qualquer parte do mundo – vêm usando o bem cultural e todos os sistemas nele incorporados, para questionar, denunciar, alertar, provocar, aconselhar e, consequentemente, influenciar pensamentos sobre uma determinada situação”. Isto sucede em face de compreender-se que, “ainda que numa determinada obra artística esteja patente uma visão do autor sobre o mundo, a interpretação da mesma acaba por cair na análise da sociedade, muito em particular porque este artista usou um bem comum da sociedade para chegar ao seu produto”.

Herança (artística) no combate à SIDA

Ao longo da década de 1980, alguns anos depois do surgimento da doença, uma série de objectos artísticos – incluindo uma manifestação sociocultural de variadas índoles – para fazer face à dura realidade.

Dadivo José recorda-se de que, no mesmo período, um dos primeiros produtos artísticos gerados no contexto foi um cartaz contendo a imagem de um casal – cuja nudez ainda que era perceptível não era visível – de costas voltadas. “Fiquei quase que hipnotizado pelo belo que estava contido naquelas pessoas nuas. (…) era um desenho em que a imagem parecia ser de sombras de pessoas”, considera o artista que fala sobre um evento decorrido há 20 anos.

Ao que tudo indica, porque a SIDA era uma realidade dura, implacável – muito em particular porque naquela época não havia medidas de profilaxia, além do preservativo – as mensagens sobre o seu combate foram agressivas. Em resultado disso, “não me lembro se fiquei com medo de praticar sexo ou curioso, mas em mim ficou o aviso e a ideia de andar com a palavra cuidado na minha consciência”. A partir do dito cartaz, “os professores da escola, que na sua maioria eram jovens, os alunos, na sua maioria adolescentes, ficariam conscientes sobre a existência da SIDA”.

Cuidado! A SIDA mata

Naqueles dias, quando a doença surgiu, mensagens como estas – “Cuidado! A SIDA mata” – acompanhadas de imagens aterrorizantes de gente com órgãos sexuais parcial ou totalmente mutilados pelos efeitos da doença, entre outras infecções, eram um pouco de tudo o que a indústria cultural – através dos seus produtos artísticos – emitia no espaço social, tendo em vista consciencializar as pessoas sobre um perigo sempre presente.

É verdade que, com o passar do tempo, as mensagens que se emitiam na sociedade – em relação ao impacto da SIDA – foram cada vez mais humanizadas, ganhando um pendor suave e de esperança, mas era preciso partir de algum ponto.

Colectividades culturais, assim como artistas singulares – nos seus diversos campos de acção e representação – começaram a explorar os temas para, não somente exprimir uma mensagem de cautela entre as pessoas, como também, à sua maneira, demonstrar os caminhos para contornar o mal.

Por exemplo, na sua composição musical, o cantor moçambicano José Barata alertava ao grupo social de jovens e mulheres, o qual na sua leitura se tornaria o mais vulnerável ao vírus causador da SIDA: “Juizinho rapaziada, cuidadinho minha senhora. É tempo de cada um de nós ser fiel ao seu parceiro. Sida, malume, cuidado mata! Utafa u siya ulombe”, recorda Dadivo.

Uma outra composição musical – com profundo pendor para a luta pela vida, combatendo a SIDA – é a interpretada pelo falecido Zeca Alage, da banda Ghorwane em que considera que o “meu corpo dói. A minha barriga está inchada, afinal onde está o médico? Será que vou morrer e deixar os meus familiares?” A partir da dita composição, o músico induz os ouvintes da sua música para a necessidade de se precaverem contra a SIDA, uma doença que, “infelizmente deixou muitas crianças órfãs. Muitos avôs que, reformados da função de pais, tiveram de interromper a reforma para cuidar dos netos”.

Para Dadivo, “ninguém que viveu naqueles tempos deixou por um minuto de reflectir na mensagem. As artes possuem o poder de provocar uma reflexão interna e pessoal em cada pessoa que capta a mensagem, principalmente quando ela toca em algo como saúde, que nos liga a dois mundos: a vida e a morte, a certeza de que podemos partir sem termos realizado os nossos sonhos”.

Enfim, são várias as formas a partir das quais – na sua abordagem, personalidades como Samuel Quive, Mussagy Momad, Aniano Tamele, Glória Muianga, Silvério Ronguane, incluindo Dadivo José demonstraram – os movimentos artísticos, incluindo a Rádio, influenciam a mudança de comportamento social. Por exemplo, no teatro, “as línguas locais unem pessoas para debater uma situação dramática apresentada pelos actores, a partir dos códigos locais. Com o teatro, práticas sociais seculares e opressivas para as maiorias foram questionadas”.

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