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Andebol: uma modalidade marcadamente de fracassos

Andebol: uma modalidade marcadamente de fracassos

Hassane Basse, secretário-geral da Federação Moçambicana de Andebol, é o nosso entrevistado desta semana. Está à frente dos destinos daquele organismo desde 2004. Ele fala-nos mais de insucessos do que de sucessos. Não consegue, cabalmente, pôr em prática as suas actividades porque as dificuldades pelas quais passa, aliadas à falta de dinheiro, contariam qualquer plano tendente à massificação, desenvolvimento e promoção desta modalidade no país. Enquanto as outras federações recebem, anualmente, com poucas limitações, do Governo, através do Fundo de Promoção Desportiva, verbas para a efectivação dos seus programas desportivos, os andebolistas não gozam do mesmo benefício. Por ano têm direito a um milhão de meticais, valor que é recebido a conta-gotas. Às vezes, o ano termina sem tê-lo na totalidade.

Estranho é que à mesma federação, a contas com inúmeros obstáculos, exige-se trabalho que se repercuta na qualificação de pelo menos uma equipa para os Jogos Olímpicos. Ou que traga uma medalha de nível internacional. Mais estranho ainda é que, segundo as palavras do nosso entrevistado, o país não tem uma selecção nacional nesta modalidade.

Verdade – Como está a Federação Moçambicana de Andebol (FMA)?

Hassane Basse (HB) – O que se pode adiantar agora é que a direcção está no fim do seu mandato e que não pode concorrer para um novo porque assumiu as rédeas desta federação por oito anos, ou seja, por dois mandatos. Infelizmente, terminam este mês de Dezembro. Não poderemos realizar eleições por falta de fundos, na esperança de ter algum no próximo mês de Janeiro.

@V – Não estava definida no plano de actividades da federação a realização de eleições?

HB – Um plano precisa de cabimento orçamental para a sua concretização. O que sucede é que a federação não recebeu do Fundo de Promoção Desportiva (FPD) dinheiro para cobrir esta actividade, embora haja promessa de se efectuar no próximo mês de Janeiro.

@V – A FMA não recebe fundos no princípio de cada ano fiscal mediante a apresentação do plano de actividades?

HB – Não. Por dificuldades daquele organismo do Ministério da Juventude e Desportos (MJD) nós não temos recebido o dinheiro na íntegra. Ele aparece de forma periódica e não é aquele que está estipulado no contrato-programa. Ou seja, não se alocam fundos à FMA. @V – Quanto deve receber?

HB – Ao longo destes oito anos em que dirigimos esta federação, o valor, gradualmente, vai conhecendo subidas. Este ano, por exemplo, devíamos receber um milhão e cento e cinquenta mil meticais.

@V – E quanto é que recebeu até ao momento?

HB – Quase metade.

@V – Atendendo que estamos fim do ano fiscal e já em Fevereiro vai iniciar um outro, não acha estranho que não tenha recebido na íntegra os valores?

HB – Não sei. Esse assunto cabe ao próprio FPD. Porém, devo dizer que se até Janeiro recebermos o fundo, antes do desembolso do referente ao novo ano, poderemos levar a cabo muitas actividades que não foram desenvolvidas ao longo do ano.

@V – A federação parou?

HB – Não. Mesmo com a limitação financeira e sérias dificuldades geradas pela não disponibilização atempada dos fundos, nós operamos. Porém, não como queríamos.

@V – Nestas condições, quais foram as actividades que conseguiu desenvolver?

HB – Este ano a única actividade que conseguimos realizar foi levar as nossas selecções juvenis e juniores a participar em eventos internacionais, tais como os jogos de SCASA e da CPLP. Não conseguimos apoiar as associações provinciais no desenvolvimento das suas actividades, bem como na realização dos seus respectivos campeonatos e torneios. Não formámos árbitros nem treinadores. Não conseguimos massificar a modalidade durante este ano. @V – Na senda do fim do mandato, o que é que orgulha esta direcção? HB – Prefiro destacar o que não conseguimos fazer.

@V – À vontade…

HB – Não conseguimos levar o nosso plano de formação (de novos talentos, árbitros e treinadores) ao país inteiro e no período definido. Temos sérias dificuldades em cumprir com essa componente. Isto, sobretudo, nos últimos dois anos que praticamente não funcionámos. As nossas selecções não souberam impor-se nos Jogos Africanos de Maputo e não estivemos nos Jogos Olímpicos de Londres. A nossa participação, quer nos campeonatos africanos, quer nos jogos da CPLP, não foi notória. Mas no que toca a novos talentos, estamos a ter uma boleia dos jogos escolares onde caçamos futuros atletas da modalidade. Estamos orgulhosos pelo facto de o andebol ser uma modalidade prioritária nestes eventos. Devo informar que os atletas que compõem as selecções nacionais juvenis e juniores partem das escolas.

@V – E os feitos?

HB – Nestes últimos quatro anos reactivámos a prática do andebol no país e as selecções nacionais. Damos mais ênfase aos juvenis e juniores. Massificámos o andebol, principalmente no início do mandato. Estabelecemos boas relações com a Federação Internacional de Andebol e com a Confederação Africana da modalidade. Organizámos e acolhemos, com sucesso, a décima edição dos Jogos Africanos, e por esse brilhante feito assumimos a vice-presidência da organização de competições a nível da Zona IV, bem como fomos objecto de destaque por parte da confederação continental.

@V – E quais são as maiores dificuldades que afectam o andebol no país?

HB – O andebol neste país atravessa sérias dificuldades. A começar das próprias equipas que são compostas por grupos de amigos e não por clubes, até ao patrocínio que falta. Infelizmente, temos ainda uma federação que depende apenas do Governo visto que as empresas se recusam a prestar o seu apoio à modalidade.

@V – Já se aproximou dos clubes para saber porque é que lá não se pratica esta modalidade?

HB – Os clubes clamam por apoio e os patrocinadores não existem. @V – E porque é que não existem patrocinadores do andebol? HB – Por um lado, é a Lei do Mecenato que não se faz sentir. Por outro, é o facto de os patrocinadores estarem limitados financeiramente, porque os mesmos apoiam muitas modalidades. Ou seja, quando chega a hora de pedir vamos todos bater à mesma porta obrigando os donos do dinheiro a fazerem as suas escolhas.

@V – Está conformado?

HB – É o que temos, é o que existe. Porém, não cruzaremos os braços e vamos a todo custo encontrar patrocinadores, seja ainda no decurso deste ou no próximo mandato. Tudo o que queremos é o desenvolvimento desta modalidade.

@V – Quais são os principais desafios desta modalidade no país?

HB – Estamos neste momento a trabalhar na realização do campeonato nacional de andebol em seniores, que vai decorrer ainda neste mês em Nampula, cuja participação foi garantida por sete províncias representadas até ao momento por 20 equipas. Outro desafio é viabilizar os campeonatos nacionais de juvenis e juniores no próximo mês de Janeiro.

@V – A nível de infra-estruturas, o que se pode dizer do andebol do país?

HB – Essa componente é o grande calcanhar de Aquiles do andebol no país. Na cidade de Maputo, que é a capital do país, temos apenas um campo para a prática desta modalidade. Curioso nisso é que essa mesma infra-estrutura não é pertença nem da federação nem da Associação de Natação da Cidade de Maputo, é, sim, do Instituto de Formação de Professores da Munhuana. Agora, se a capital se debate com este problema já podemos imaginar o que acontece ao longo do país. Mas é de todo importante destacar que este é único campo disponível e com as dimensões padrão desta modalidade.

@V – Mas se nos Jogos Africanos o andebol contou com um campo, o que aconteceu?

HB – De facto. Competimos no pavilhão da Académica que na altura dos Jogos Africanos foi reabilitado a contar-se com o andebol. No entanto, a Académica não nos cede a utilização daquele campo e não percebo as razões invocadas. Mas, enfim, eles é que são os donos do campo. Apenas acho que se quisermos ver o nosso desporto desenvolvido devíamos ser um exemplo de união. Como é possível exigir que o país vá, por exemplo, aos Jogos Olímpicos em andebol se nem campo condigno tem? Como é possível uma selecção nacional conquistar um brilhante feito a nível continental se internamente treina em campinhos?

@V – Como é que a federação vai ultrapassar essa carência?

HB – Temos um sonho: ter infra-estruturas próprias. Contudo, isso não depende só de nós, é preciso que haja outro tipo de deliberações. Num passado recente, só para citar um exemplo, tivemos um patrocinador que se predispôs a oferecer-nos material de construção necessário para implantar um pavilhão no país. No entanto, o Concelho Municipal da Cidade de Maputo recusou-nos um terreno e, por via disso, perdemos o apoio. Mas não cruzámos os braços. Estamos neste momento a incentivar as associações provinciais para que trabalhem em parceria com as escolas no sentido de usarem as infra-estruturas de que dispõem no sentido de levar avante o andebol no país e, pelos relatórios, estamos a ter sucesso nesta estratégia.

@V – E como tem sido a nossa participação em competições internacionais?

HB – Há sérios problemas no que toca ao escalão sénior. Ou seja, nós não temos uma selecção nacional composta por atletas seniores. Estamos mais virados para os escalões inferiores onde temos as selecções de sub-16, sub-18 e sub-19. Temos participado em diversos eventos mas não com o sucesso desejado, até porque estamos a trabalhar na perspectiva de encontrar uma selecção nacional sénior com base na experiência que estes atletas mais novos vão ganhando.

@V – Mas se essas selecções mais jovens vão competir também com outras do mesmo escalão, porque não ganhamos?

HB – Eu fui atleta de andebol na década de 80. Naquele tempo, mesmo nas condições em que o país se encontrava, tínhamos muito intercâmbio internacional, facto que não se verifica nos dias que correm. Havia muitas equipas diferentes das de hoje em que poucos se interessam pelo andebol. Havia muitos torneios em que, por tradição, eram chamadas equipas de países vizinhos até alguns da Europa.

@V – Mas o que está por detrás disto?

HB – Para organizar uma competição com a participação de equipas estrangeiras é preciso que haja dinheiro, por exemplo para o transporte, o alojamento e a alimentação. Agora, se o andebol é uma modalidade que é o que é hoje no país, com sérias limitações financeiras e com poucos patrocinadores, é totalmente impossível voltar-se aos tempos passados e alcançar-se o objectivo que todos almejamos.

@V – E as competições nacionais?

HB – Temos organizado frequentemente. Por ano temos sete competições internas ao nível da federação e outras tantas das associações provinciais. A queixa existente é referente ao défice de atletas seniores, porém, acreditamos que à medida que os actuais forem crescendo, poderemos colmatar esta dificuldade.

@V – O que é que deve ser feito em termos concretos para o sucesso do andebol?

HB – Temos de redefinir as estratégias para esta modalidade. Tem de haver no país um plano de formação e de competição, seja nacional, seja internacional.

@V – Há pouco esteve a lamentar a falta de dinheiro…

HB – De facto. Mas se for para mudar o actual cenário do andebol nacional é preciso planificarmos e só depois podemos correr atrás do dinheiro. Antes de alguém ter dinheiro, tem de saber o que vai fazer com ele.

@V – O que acha da mudança do ministro da Juventude e Desportos?

HB – A relação com o Ministério da Juventude e Desportos (MJD) ainda não mudou. Porém, notamos que o novo é aberto e mais próximo da realidade. Quando chegou ao seu novo gabinete, uma das coisas que fez foi agendar um encontro com a nossa federação, o qual se desmarcou porque andamos envolvidos num evento internacional. Contudo, esperamos que ele se aproxime mais das federações e se inteire das dificuldades com que elas se debatem, e, acima de tudo, saiba que o desporto no país não é um assunto isolado, que diz respeito somente às federações. Nos Jogos Africanos nós vimos a capacidade do Governo através do MJD de estar próximo das federações e da realidade desportiva nacional. Penso que se podia manter aquele nível de aproximação.

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