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“Quando uma vida humana vale apenas 75 meticais”

O presente artigo inspira-se num episódio ocorrido na terça-feira, envolvendo um mini-bus de transporte semi-colectivo de passageiros, vulgo “chapa”, cujo motorista decidiu “ensardinhar” 31 pessoas, entre as quais oito crianças, numa viatura concebida pelo fabricante para transportar um máximo de 15. Tudo isso apenas para ganhar mais 75 Meticais (cerca de três dólares) por cada passageiro, ignorando grosseiramente a segurança das pessoas que tinha a responsabilidade de fazer chegar ao seu destino sãs e salvas. Chocante! Pura e simplesmente chocante foi a experiência que uma equipe da AIM passou pois também estava a bordo da mesma viatura, durante uma viagem do distrito de Monapo à cidade de Nampula, na província de Nampula, norte de Moçambique, um percurso de cerca de 125 quilómetros.

A equipe da AIM regressava de uma jornada de trabalho efectuada a Ilha de Moçambique. “Nampula directo”, gritava o cobrador do referido “chapa”, que na altura não transportava mais de cinco passageiros. Contudo, mesmo depois de completar o número máximo de passageiros estabelecido por lei para aquele tipo de viatura, o motorista do minibus com chapa de matrícula MVB-07-01 recusava-se a prosseguir com a viagem alegando que ainda havia lugares vagos e por preencher. Na altura eram cerca de 12h30 horas locais.

O “chapa” só veio a partir para a cidade de Nampula quando eram cerca de 13h00 horas transportando a bordo nada mais nada menos que 31 pessoas, das quais oito crianças com idade compreendida entre os zero e cinco anos, numa viatura cuja lotação oficial é de 15 pessoas. Isso mesmo, 31 passageiros, incluindo o motorista! O motorista só parou de levar mais passageiros quando um sujeito que também seguia no interior do mini-bus questionou, num tom irónico, se o condutor também haveria de levar alguém no seu colo.

“O Sr. motorista também vai levar alguém ao seu colo?”, perguntou o sujeito, de raça branca, mas de nacionalidade moçambicana. É possível que o facto de a observação ter sido proferida por um sujeito de raça branca tenha levado o referido motorista a deixar de levar mais passageiros. São muitos os moçambicanos que ainda encaram um sujeito de raça branca como um complexo de inferioridade. Independentemente de tudo, valeu a observação. O cenário que assistia no interior do mini-bus era aterrador e fazia recordar os relatos que constam nos arquivos sobre o tráfico de escravos de África para as Américas e Europa, durante o tempo da escravatura.

São cenas destas que se repetem um pouco por toda a província de Nampula (e não só) e que a AIM teve a oportunidade (infelicidade) de testemunhar e que são uma afronta aos contínuos apelos do estadista moçambicano, Armando Guebuza, cuja aposta é de restituir a dignidade dos moçambicanos. O drama que se vivia no interior do mini-bus era exacerbado pelo calor intenso que se fez sentir, que segundo a previsão meteorológica indicava para cerca de 32 graus centígrados. A AIM aproveitou uma paragem, do mini-bus, para questionar ao motorista a razão para a superlotação da viatura.

Aliás, não era motivo para menos, pois toda a estrutura da referida viatura, desde o sistema de travões, incluindo a direcção, suspensão e outros requisitos que garantem a sua segurança foi concebida para uma determinada carga, que o fabricante nunca pensou que poderia ser excedida na ordem de 100 por cento. A resposta que a AIM recebeu foi um mutismo total, como se repentinamente o motorista tivesse ficado mudo. Porquê transporta 31 pessoas?, insistiu novamente a AIM. A resposta foi a mesma. Silêncio total do motorista, como se a pergunta não lhe tivesse sido dirigida.

Naturalmente, que, no caso vertente, o motorista dificilmente poderia controlar a sua viatura no caso de uma situação imprevista ao longo da estrada. Estes e outros abusos do género explicam em parte o elevado número de acidentes e do índice de mortalidade nas estradas moçambicanas. Segundo uma informação apresentada durante o Colóquio Nacional sobre Segurança Rodoviária, realizado nos meados do corrente ano em Maputo, os despistes de viaturas constituem a segunda causa da mortalidade nas estradas moçambicanas.

Ademais, estatísticas do Instituto Nacional de Viação (INAV) referentes ao primeiro trimestre do corrente ano demonstram que Nampula é a província que regista o segundo maior número de óbitos, com um total de 43, comparativamente a outras regiões de Moçambique, enquanto a província de Maputo assume a primeira posição com 53 casos. São abusos desta natureza que cabe as autoridades competentes da província de Nampula, incluindo a nível central, combater, senão ainda vamos ver muito sangue derramado pelas estradas nacionais. É tempo de agir.

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