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“Até o diabo não poderia acreditar em Guantanamo”

Espancados, privados de sono, humilhados, confinados durante anos em minúsculas celas sem ver a luz do dia, os detidos que devem sair da prisão de Guantanamo arriscam-se a serem perseguidos ainda por muito tempo por seu calvário. “Ninguém pode imaginar como é terrível. Até o diabo não poderia acreditar num local assim tão mau”, explicou à AFP Mustapha Ait Idir, 38 anos, libertado em dezembro passado, após sete anos.

Como Lakhdar Boumediene, um argelino que a França vai acolher, havia sido detido no final de 2001 na Bósnia, conhecendo a prisão desde seus primeiros dias, quando os detidos eram trancafiados numa espécie de gaiola a céu aberto, vestidos de uniforme cor de laranja.

Ait Idir chegou a ser totalmente inocentado pela justiça americana. “Os guardas tinham o hábito de vir em grupos de seis ou sete e começavam pulverizando tudo com gás; aí iniciavam, então, as sessões de espancamento”, lembra-se ele. “Uma vez, vi um médico em companhia dos guardas. Ele designava, então, alguns locais do corpo e dizia ‘bata aqui”. Depois disso, não havia marcas visíveis em nossos corpos, mas nos sentíamos tão mal que nem conseguíamos nos mexer”, conta ele. “Estes homens passaram três anos sem ver ninguém, a não ser seus carcereiros”, explicou por sua vez à AFP David Remes, advogado de 20 detidos.

Só conseguimos conversar com nossos clientes no final de 2004, depois de três anos da abertura do centro de detenção. Todos os advogados de detidos ouvidos pela AFP contam o choque sentido na primeira vez em que foram à prisão, mesmo que, por motivos de segurança, não possam entrar em detalhes.

No total, cerca de 800 homens, suspeitos de terrorismo, passaram pelos cárceres de Guantanamo, dos quais 550 foram libertados ou transferidos, segundo o Pentágono. Sessenta e dois dentre eles estão sendo objeto de um estudo realizado por dois universitários de Berkeley (Califórnia, oeste), Laurel Fletcher e Eric Stover. “O pesadelo dos detidos não para com sua libertação: estes homens que nunca foram acusados formalmente sofrem do ‘estigma de Guantanamo’ durável, não conseguindo, também, encontrar trabalho”, explicam os pesquisadores.

O estudo descreve também os pesadelos e as angústias ligadas a suas lembranças, como o detido que foi deixado durante horas numa posição desconfortável com música ao fundo e uma luz intensa. “No começo, a gente não sente nada depois, após um momento (…), você começa a ter cãibras nas coxas, nas nádegas, na panturrilha e lentamente, suas pernas ficam entorpecidas (…) mesmo com os olhos fechados, você pode ver sempre esta luz que começa a alucinar”, detalha.

Libertado após cinco anos de calvário, Murat Kurnaz contou sobre os anos de pesadelo à comissão de Relações Exteriores do Senado. “Nada fiz e fui tratado como um monstro”, depôs. “Fui privado de sono, isolado, submetido a humilhações religiosas e sexuais, golpeado incontáveis vezes, interrogado sempre e sempre” e deixado à mercê dos carcereiros. “Não havia lei em Guantanamo”, insistiu.

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