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‘@Verdade Convidade: Putin mais perto de Brejnev

Um blogue russo retratou Vladimir Putin, em 2024, com ar brejneviano e o peito coberto de medalhas, no apogeu de 24 anos de poder. O Primeiro-Ministro russo anunciou recentemente a sua candidatura à presidência. Depois de ter cumprido dois mandatos presidenciais – e um na chefi a do Governo – pode ficar no Kremlin por mais 12 anos.

Antes da eleição de 2008, Putin designou Dmitri Medvedev para lhe suceder, retirando-se para o papel de Primeiro-Ministro. Anuncia agora que voltam a trocar de papéis: depois de eleito, nomeará Medvedev chefe do Governo. O processo eleitoral é esvaziado e deixa de ter sentido.

Os conservadores exigiam o regresso de Putin ao Kremlin, os liberais – e os ocidentais – queriam uma legitimação do poder de Medvedev. Este sempre manifestou a vontade de permanecer na presidência. Durante quatro anos, governaram em tandem, nunca pondo em causa a coabitação, mas defendendo estratégias distintas.

Medvedev explicou que deu a primazia a Putin, porque este “tem mais autoridade” e “maior aprovação na opinião pública”. Garantiu que, até à eleição de Março, está na plenitude dos poderes e que, depois, dirigirá um governo “modernizador” e profundamente remodelado. É um cenário pouco credível, que faria dele um fantoche.

“Agora, Putin é o patrão (…) e já não há espaço para um Medvedev forte. O tandem deixou de existir no dia 24 de Setembro”, declarou a analista Lilia Shevtsova. A maioria dos analistas russos partilha a opinião de Shevtsova. Resta-lhe ocupar um posto honorífico.

O analista Gleb Pavlovski diz que Medvedev, ao abdicar, deu uma machadada na sua autoridade política. “Medvedev tem dezenas de milhões de simpatizantes no país. Ao recusar bater-se pela cadeira presidencial, volta-lhes as costas sem explicação.” O principal conselheiro de Medvedev limitou-se a dizer: “É altura de fazer zapping para o canal de desporto.”

O Presidente tentou salvar a face ao demitir o ministro das Finanças, Alexei Kudrin, que o acusou de laxismo financeiro e declarou que não faria parte de um governo seu. É o segundo lado da intriga. Kudrin é um homem de Putin. Criticou o aumento das despesas militares, que criariam uma perigosa situação financeira. Essas despesas – todos o sabem – foram determinadas por Putin.

Os analistas põem duas hipóteses: o “responsável” Kudrin, que servia de garante perante os investidores estrangeiros, espera ser o próximo primeiro- ministro ou presidente do Banco Central; na opinião do jornalista Alexander Golts, é o primeiro a saltar do barco que se afunda, pois conhece bem a situação.

O sistema político é autoritário. Na tradição russa, só se concebe a mudança ou a reforma a partir de cima. Chamam-lhe “democracia dirigida”– um “Estado forte”, ultracentralizado e em que as decisões são monopólio de um pequeno número de homens, organizados em clãs, em que Putin exerce o papel de “supremo árbitro”. A sua saída do Kremlin não transformou radicalmente o equilíbrio de forças.

Medvedev nunca pôs em causa o sistema, apenas manifestou uma vontade ambígua de o reformar. A partir da crise financeira de 2008, passou a fazer críticas severas ao modelo económico russo dependente da renda do petróleo e dos minérios.

Se Putin fez emergir uma nova casta dominante, os siloviki (homens do ex-KGB, polícias e militares), Medvedev apoiou-se na elite concorrente – tecnocratas, economistas e juristas que propõem uma liberalização económica e também política.

Procurou demonstrar autoridade, desafi ando orientações de Putin e destituindo inclusivamente personagens próximas dele. No plano internacional, estabeleceu uma relação privilegiada com Barack Obama.

No início deste ano, ambos deram a entender que queriam a presidência. As suas máquinas e bases de apoio começaram a movimentar-se. Mas estavam numa situação assimétrica: Medvedev só tinha hipóteses, se conseguisse forçar Putin a desistir. Não dispõe de suficiente base de poder dentro do establishment.

A decisão final, a seis meses das presidenciais, foi tomada antes que a competição fosse longe demais. Como homem do “sistema”, Medvedev não quis, ou não podia, assumir a responsabilidade de uma eleição competitiva. Aspirava à sucessão. É a sua fraqueza original.

“Os grandes perdedores no sistema Putin são, ainda e sempre, as eleições e as instituições”, resume a politóloga francesa Marie Mendras, especialista na Rússia.

“Ao insistir em que, seja qual for a sua função, ele é o chefe, Putin declara fúteis as regras do direito e os mecanismos institucionais. Não tem contas a prestar fora do serralho. (…) A consequência mais dramática é a perda de sentido do processo eleitoral.”

A Rússia foi incapaz de adaptar os modelos indiano ou japonês em que um forte partido nacional domina longamente a cena política – o Partido do Congreso, na Índia, e o Partido Liberal-Democrata, no Japão – mantendo a competição eleitoral, escreve o analista americano Nikolas Gosdev. “Este anúncio (a candidatura) revela a fraqueza fundamental da ordem política da Rússia pós-soviética. É a franca admissão de que não há putinismo sem Putin – o sistema Putin, assente nos equilíbrios sectoriais e nos interesses dos clãs dentro do establishment do Kremlin, não pode ser regulado por qualquer outra pessoa.”

Analistas ocidentais reconhecem os limites da retórica de Medvedev, mas manifestam inquietação com a futura postura internacional da Rússia. Maior inquietação é a das elites russas. Os sucessivos desastres – incêndios em instalações militares, quedas de aviões, naufrágios – sinalizam o estado das infra-estruturas.

Há outro desastre no horizonte, o demográfico: menos dez milhões de trabalhadores em 2025, o que fará cair a produção e provocará uma explosão das despesas sociais – o fundo de pensões tem um défice de 30 mil milhões de dólares. Os responsáveis económicos apelam ao investimento estrangeiro, por razões financeiras e de aquisição de tecnologia. A recessão mundial ameaça desencadear uma crise financeira russa.

Putin falará de modernização e grandeza nacional. Prometerá colocar a Rússia, em cinco anos, entre as maiores cinco economias mundiais. Mas terá um problema: a Rússia que o espera em 2012 não é a dos caóticos anos 2000. É mais exigente e tem aspirações cada vez mais elevadas.

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