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“Purificação” de viúvas contestada em Moçambique

Judite Mário ficou viúva em 2009, quando o marido morreu de tuberculose, e, como acontece em muitas regiões de Moçambique, foi obrigada pela família do falecido ao “pitakufa”, cerimónia de “purificação” que inclui relações sexuais, geralmente com o cunhado.

A “pitakufa” ou, como se diz a sul, “kulhambela” ou “kutxinga”, a “purificação das viúvas”, mantém-se muito popular nas zonas rurais de Moçambique, mas está a ser combatida por mulheres, activistas anti-SIDA e até pelos médicos tradicionais, que consideram que a prática, que degrada a mulher, propaga o vírus HIV que infecta 11% da população entre os 15 e os 45 anos.

“Tinha que manter relações sexuais com o meu cunhado mais novo para voltar a ter uma vida sexual normal. Caso contrário, perderia o lar e os filhos. Não tive opção. Hoje vivo com os meus filhos porque depois me recusei a casar com ele (cunhado)”, disse Judite Mário, residente na província de Manica, centro de Moçambique.

O ritual obriga a viúva a manter relações sexuais não protegidas com o irmão do falecido, ou alguém alugado pela sua família, para purificar a viúva, para esta voltar a ter uma vida sexual normal. Simone Alfredo ficou viúva em 2011, quando o marido morreu infectado pelo vírus HIV/SIDA.

“Eu tinha abortos sempre que engravidava, geralmente devido à malária, até que o nosso teste de HIV deu positivo. Quando o meu marido morreu, devia ser submetida à purificação, mas fugi na noite anterior. Fui acusada de feitiçaria e outras coisas, mas não era tão ingénua para aceitar o ritual”, disse Simone Alfredo, também de Manica.

Pitakufa-Tchinda

Um estudo antropológico realizado em 2008 pela Associação Nacional para o Desenvolvimento Humanitário (ANADHU), permitiu a substituição do “pitakufa” pelo “pitakufa-Tchinda”.

No novo ritual, a viúva recebe algumas raízes e, depois de esfregadas nas suas mãos, entrega-as a um casal, da família do marido, que deverá manter uma relação sexual junto delas, devolvendo- as à mulher, que as esfrega no corpo.

“Esta solução da purificação está a ser amplamente divulgada nas comunidades e várias pessoas já a estão a implementar. Isso vai poder reduzir o índice de infecção e queremos acreditar ser a resposta satisfatória para o futuro”, disse António Windo, supervisor da ANADHU.

Os curandeiros juntaramse também à recusa da purificação tradicional, tendo decidido “não aconselhar as famílias a obrigar a viúva a casar com o parente do falecido, porque isso ajuda a espalhar doenças, como HIV/SIDA e outras de transmissão sexual”, disse Fernando Mathe, curandeiro há 20 anos, com “consultório” no bairro de Hulene, subúrbio de Maputo.

“A purificação da viúva e da família pode ser feita de outra forma, sem relações sexuais, através de banhos especiais e de uma refeição de uma massa de farinha tratada”, acrescentou Mathe, porta-voz da Associação dos Médicos Tradicionais de Moçambique (AMETRAMO).

Mais cauteloso, o Conselho Nacional de Combate ao SIDA (CNCS), agência do Governo moçambicano, defende que deve ser deixado “ao critério das comunidades e lideranças comunitárias a identificação de formas adequadas na abolição dessas tradições”.

Uma declaração enviada à Lusa admite que “é complicado para o CNCS indicar esta ou aquela prática como desaconselhável, devido à complexidade cultural da sociedade e à sensibilidade dessas questões”.

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