Bem sei que, como portista, pode parecer estranho que dedique esta crónica a falar de outro clube numa altura em que o meu clube ganha o tetra campeonato. Mas, perdoem-me os adeptos dos outros clubes, as nossas vitórias já são uma rotina e a nossa concorrência é tão fraquinha que nem há vontade para grandes comemorações.
Por outro lado, o sempre grande Vitória de Setúbal passa grandes dificuldades. Entre a alegria de mais um título e a tristeza de ver o clube do rio Sado com tantos problemas, resolvi lembrar o clube que tem um lugar especial no meu coração de fanático futebolístico.
Apesar de ser Andrade dos quatro costados sempre gostei do Vitória de Setúbal. Esta fézinha vem-me do tempo em que o meu querido amigo Tavares da Cruz (um dos melhores jogadores juniores de sempre do Vitória) me levava com o filho, e meu amigo de sempre, ao Bonfim. Uma sandes de choco frito e um Sumol de ananás e lá íamos para o nosso lugar nos cativos. Atrás de nós estava sempre uma senhora que passava o jogo inteiro a berrar o lema de sempre, “Vamos embora Vitórrria”, naquele sotaque cantado e com os erres bem arranhados.
Vi lá grandes jogadores: Mirobaldo, Caíca, Sobrinho, Octávio, Duda, José Maria, Carriço, Vítor Baptista, Vítor Madeira, Aparício, Joaquim Torres, Hélio, Diamantino e tantos outros.
Jogos, jamais esquecerei dois. O primeiro, um Vitória – F. C. Porto que terminou 4-4, era o Vitória treinado pelo Malcom Allisson e alinhou nesse dia com 5 pontas de lança: Jordão, Manuel Fernandes, José Rafael, Vítor Madeira (jogador mítico para os sócios do Vitória) e o grande Aparício. O que valeu ao Porto nesse dia foi o rato atómico Rui Barros.
O outro foi no campo do Estrela da Amadora, estava o Vitória na segunda divisão. Os sócios e adeptos invadiram a Reboleira. Não se via um único adepto do Estrela e o campo estava completamente cheio. O Vitória precisava de ganhar para subir e ao intervalo registava-se um empate a zero. Mas o Aparício, jogador fino, ganha uma bola a meio-campo e dispara uma bala que nem deu tempo ao infeliz Melo para levantar os braços. Em toda a minha vida só guardei dois bilhetes de futebol, o desse jogo e o de um, que não vi, que o meu padrinho me ofereceu, em que o Lemos marcou 4 golos ao Benfica.
Foi em Setúbal, diz a lenda, que o maior treinador português de todos os tempos, José Maria Pedroto, ganhou o vício das cartas. Contavam-me os velhos sócios vitorianos que o Zé do Boné, antes dos jogos, recusava-se a ir para a cama enquanto estivesse a perder, o que fazia com que raramente perdesse, já que os seus camaradas de jogatina eram vitorianos. Não devia fazer grande diferença já que Pedroto tinha uma fabulosa equipa: Jacinto João, Matine, Tomé, Carlos Cardoso, José Maria, Conceição e o miúdo genial Vítor Baptista. O Vitória atinge o segundo lugar na época de 71/72 e só porque na altura não era possível ser campeão.
Em 1976, o Vitória ainda era o terceiro clube português em palmarés internacional, tendo sido durante muito tempo o único clube português a eliminar o Liverpool e outras equipas inglesas.
Sempre que o meu Porto joga com o Vitória sei que quando a bola começa aos saltos o meu coração azul e branco não hesita e sofre pelos azuis e brancos. Mas, sei também, que se a coisa correr mal, estarei, depois do jogo, numa qualquer tasca a comer uma sandes de choco frito a cantar o hino do salmonete.
VAMOS EMBORRRA VITÓOOOORIA.