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Portucel – mais um caso de conflitos de terra

Nos últimos 10 anos, em Moçambique, tem-se denunciado vários casos de conflito de terras entre investidores privados, produtores e camponeses. Estes casos parecem ser ignorados pelas entidades governamentais pois não estão a ser tomadas quaisquer medidas para reverter estas situações e evitar situações futuras.

Os projectos de plantações florestais têm ganho cada vez mais protagonismo neste processo de aquisição e disputa de terras, e têm entrado em sérios conflitos com as comunidades que chegam ao ponto de incendiar as plantações, como uma das formas de manifestar a sua grande insatisfação e revolta pelas injustiças a que estão sujeitos.

A Portucel Moçambique, é um projecto pertencente ao grupo português Portucel, proprietário de grandes áreas de plantações e que se dedica ao fabrico e comercialização de papel e outros derivados de madeira. De acordo com informações noticiadas pela Lusa (22 de Outubro), a primeira fase do projecto Portucel em Moçambique consiste em estabelecer novas plantações de eucaliptos nas províncias centrais de Zambézia e Manica numa área de 60 mil hectares, mas a empresa portuguesa tem um plano de reflorestação que pretende cobrir 356 mil hectares até 2026.

O investimento, orçado em cerca 1,7 mil milhões de euros equivalentes a 2,3 mil milhões de dólares, que será financiado pelo International Finance Corporation (IFC), membro do Grupo Banco Mundial e prevê o estabelecimento de plantações de eucaliptos, produção de papel e de energia em Moçambique.

De acordo com o comunicado oficial da empresa “presentemente, estão a ser iniciados os indispensáveis ensaios florestais, que precedem o início da plantação nas áreas concessionárias, de modo a avaliar a viabilidade das plantações de eucalipto”. Esta informação tornase pública após a Justiça Ambiental (JA!), em Julho de 2012, ter efectuado um trabalho no distrito de Ile, província da Zambézia, na comunidade de Socone no Posto Administrativo do mesmo nome, onde a Portucel já se encontra a operar, desde Fevereiro de 2011, segundo as nossas fontes locais (comunidades afectadas).

Em Socone, foram inquiridas e entrevistadas respectivamente 32 e 47 pessoas, entre elas membros das comunidades afectadas, régulos e líderes comunitários. Segundo os entrevistados a comunidade rejeitou o projecto porque temiam perder as suas terras, pelo que o chefe do Posto Administrativo de Socone, reuniu os líderes comunitários para que não tomassem nenhuma posição que pudesse influenciar a população local a rejeitar o projecto.

“O chefe do Posto proibiu os líderes comunitários de se pronunciarem ou tomarem qualquer decisão sobre a terra e a entrada da Portucel, então eles não falaram mais sobre o assunto e ficaram calados” – revelou um dos membros da comunidade.

Segundo os entrevistados, em Fevereiro de 2011, quando a Portucel iniciou as suas actividades aliciou os membros comunitários a vender as suas machambas com promessas de emprego. Emprego este que segundo eles não durava mais do que uma semana e auferiam entre 80 a 100 MT por dia. Fora as terras que lhes “pertenciam” a empresa colocou as máquinas nas machambas da população, removendo as culturas aí existentes para plantarem as mudas de eucalipto e parte deles viram as suas machambas rodeadas de eucaliptos.

Foi a quando da visita do governador da província ao local, na altura Francisco Itai Meque, que fizeram a queixa e este disse que iria mandar fazer um levantamento das pessoas afectadas e que perderam as suas terras para solucionar o problema. Enquanto que alguns investidores privados caracterizam-se por actuar de forma irresponsável e por diversos casos de violação de direitos das comunidades rurais, que na sua maioria já ocupavam as terras há mais de uma década, existem outras empresas do mesmo ramo com atitudes a louvar.

O exemplo disso é a SAPPI (originalmente Indústrias Sul Africanas de Polpa e Papel) que de acordo com o documento apresentado por Simon Norfolk na Conferência Anual do Banco Mundial Sobre Terra e Pobreza em Abril de 2012 em Washington, havia planeado, em 2008, uma plantação de eucalipto de 150 000 ha na província da Zambézia nos distritos de Gurué, AltoMolocuè e Gilé, mas que na reunião de quadros da SAPPI que decorreu em Maio de 2010, foi tomada a decisão que “os riscos relacionados à segurança alimentar, a estabilidade económica e aos impactos ambientais são demasiado complexos e grandes para que o projecto prossiga”, e foi acrescentado que dois dos distritos seleccionados para o desenvolvimento da plantação são áreas com elevado potencial agrícola. Um decisão surpreendente pois a própria Sappi tem já uma péssima fama em termos de impactos ambientais e sociais.

Restanos perguntar: Se a Sappi não tivesse desisitido do projecto por iniciativa própria, quem pagaria o preço de transformar terras ricas para agricultura em plantações? O povo, claro! Que não tem onde remeter as suas preocupações porque os elementos que supostamente deveriam defender os seus direitos, são os mesmos que dizem que em Moçambique há terras aráveis disponíveis e sem nenhuma ocupação.

Há que salientar que pelo menos até ao ano passado (2012) a Portucel, era a empresa com maior concessão de terras na sua posse. Mas infelizmente estas concessões estão associadas ao fenómeno ¨usurpação de terras¨, pois em muitas das áreas em que se localizam essas terras, as mesmas foram adquiridas e ocupadas sem o consentimento das comunidades e famílias que lá viviam (exproprietários) onde praticavam a agricultura, sua única fonte de rendimento e subsistência, hoje estão marginalizadas como resultados deste investimento, colocando em risco a sua segurança alimentar e soberania.

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