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Poderíamos ter feito mais

Poderíamos ter feito mais

Sobre os trinta e cinco anos de independência nacional, Calane da Silva – escritor e professor – entende que apesar de o país ter registado alguns avanços, muito poderia ser e ter sido feito para sanar as constantes dificuldades com que os moçambicanos se debatem no dia-a-dia em busca do norte da vida.

Sendo uma figura que acompanhou o processo da proclamação da independência até aos nossos dias, Calane da Silva identifica, na passagem destes 35 anos, a unidade nacional como um dos maiores ganhos do povo moçambicano. No seu entender, outra realização importante está ligada ao sucesso que o país registou no ramo da educação. Naquela época, segundo nos conta, muitos quadros eram portugueses e logo nos primeiros anos da independência verificou-se a escassez de pessoas para assegurar os destinos do país.

“Com efeito, alguns anos mais tarde invertemos a situação, sendo que hoje temos centenas de mestres e milhares de licenciados um pouco por todo país. Agora penso que chegou a hora de investirmos na qualidade. Como é sabido, nos próximos anos, ou seja, a partir de 2011, vamos ter nos vários graus de ensino, sete milhões de pessoas matriculadas e o senso de 2007 mostra que temos 50 porcento de pessoas que sabem ler e escrever, isso é uma das grandes vitórias para quem, como nós, provém do tempo colonial e sabe o quanto naquela altura a maior parte da população era iletrada”, afirmou, para depois acrescentar que “outro aspecto marcante tem a ver com a conservação da terra como pertença do Estado pois acabou com a especulação dos terrenos onde as pessoas perdiam o direito de propriedade sem justa causa. Portanto, essa medida moderou muito essa tendência”.

Faltou um desenvolvimento económico integral Avanços à parte, o desenvolvimento económico integral é tido pelo autor da obra literária “Xicandarinha na lenha do mundo”, como a maior dificuldade com que o país se debate nestes anos. “Até agora foram dados passos que ainda não satisfazem o quotidiano das pessoas. Muitos moçambicanos não sentem os efeitos positivos do boom do desenvolvimento. Este problema resulta do facto de as macroempresas que foram instaladas no país não trazerem retornos palpáveis ao Estado”. Além deste factor, Calane da Silva considera que falta uma abordagem sobre a verdadeira dimensão e capacidade criativa do povo moçambicano.

“Rei forte faz forte a fraca gente. Rei fraco faz fraca a forte gente. Já o dizia Camões no século XVI. Isto quer dizer que se não tivermos líderes que capacitam as pessoas para o trabalho, então cairemos num autêntico fracasso, porque não basta o Estado fazer leis. Não basta apenas o Estado abrir as portas para o investimento estrangeiro, pois é necessário que os moçambicanos por si comecem a pensar em ultrapassar os seus problemas”. Mais adiante lembrou os tempos passados.

“No tempo do socialismo de que hoje as pessoas têm medo de falar, lá nos distritos, sobretudo, eu via como os camponeses andavam organizados. Vinte deles uniam esforços e formavam uma cooperativa, podendo assim vender o produto, isto quer dizer que o pobre quando se une em iniciativas deste tipo vence. Se isso aconteceu na Ásia, porque que não há-de acontecer cá entre nós? O problema é que aqui avançamos com uma atitude neoliberal, capitalista, de tal forma selvagem que quase alienamos a cabeça dos nossos cidadãos”. Calane da Silva apontou também as assimetrias regionais como outras lacunas no desenvolvimento do país.

“Durante estes 35 anos realmente houve uma grande falta de um desenvolvimento não assimétrico. Há grandes assimetrias entre o norte e o sul. O sul está mais desenvolvido do que o centro e o centro do que o norte. Nós temos que acabar com isso. Façamos de cada província um boom como está acontecer com Tete, mas é necessário descentralizar o poder e dálo aos líderes comunitários que vão assumir as orientações do Estado no sentido de promover o desenvolvimento económico”, refere. Outro grave problema, na opinião do escritor, é a dependência de Moçambique em relação a África do Sul.

O Metical não vai sobreviver enquanto o negócio entre os dois países continuar desequilibrado. “Devemos fazer uma moratória com o país vizinho no sentido de que durante um período de dez anos não importemos nenhum produto para que a nossa agricultura consiga levantar. A partir daí então podemos concorrer, se não o fizermos então vamos ficar mais improdutivos até daqui a 100 anos”. “Nestes trinta e cinco anos houve também lacunas de investimento na Saúde e nas vias de comunicação.

Vocês já imaginaram as dificuldades que existem para escoar um produto das zonas do interior para as cidades? Faltam estradas que ligam essas regiões para as áreas urbanas”, afirma Portanto, para Calane da Silva, reabilitar as estradas, as pontes, barragens e a rede ferroviária é meio caminho andado para o desenvolvimento do país. Quanto à Saúde, a sua fraca qualidade está intimamente ligada a dois factores, nomeadamente a falta de boa alimentação e água potável.

 “Outras questões são os demasiados impedimentos na circulação de mercadorias. Devemos diminuir o número de barreiras aduaneiras que há dentro do país para deixarmos a mercadoria circular do Rovuma ao Maputo, como já dizia José Craveirinha, deixem as saborosas tangerinas de Inhambane passar”. Falando sobre os impostos, o nosso interlocutor disse haver muitos problemas nessa área, pelo que devem ser criados mecanismos tributários mais aliciantes no país. Não apenas para os estrangeiros que vêm investir, pois grande parte dos lucros das empresas estrangeiras que actuam por aqui volta para fora e ficamos com a miséria outra vez. É preciso investir nos recursos locais.

Existem capacidades para criar a nossa própria energia e abandonar a dependência dos combustíveis líquidos. Diferentemente da Europa que tem sol durante seis meses aqui temos todo o ano, então porque desperdiçar essa energia solar quando podemos aproveitá- la através dos nossos engenheiros? Portanto, embora algo tenha sido feito, podíamos ter feito mais”, disse.

A situação da Democracia

Mais tarde @Verdade quis conhecer a sua opinião em relação ao enquadramento da democracia nestes últimos anos. O professor, que também é escritor, considera que no contexto em que o país se encontra a democracia vai sofrer várias crises. “Como vocês sabem e eu tenho dito sempre, essa democracia é um modelo ocidental a funcionar em África e a nossa, tal como está, vai levar muitos pontapés. Ainda vamos a tempo de ter mais problemas”, disse, acrescentando a seguir que em Moçambique os interesses pessoais têm estado acima dos colectivos.

“Cada um puxa a brasa para a sua sardinha. No próprio grupo há interesses individuais. Então, cada um vai levando a água ao seu moinho, deixando para trás os anseios do país. Esse tipo de democracia deve ser repensado para transformá-lo em real dentro de um país plural, multirracial, multiétnico e multirreligioso. Entretanto, os trinta e cinco anos de Moçambique como Estado soberano coincidem no tempo com o debate público de alguns temas. Um deles tem sido sobre as três gerações tidas como protagonistas da história recente do país.

Nesse aspecto, o escritor, de 65 anos, disse não gostar de que as gerações recebam nomes enquanto estiverem em vigor. “Os nomes devem ser dados a posteriori. Não podemos dizer que a minha geração é da mentira ou da verdade porque só mais tarde saberemos que tipo de geração foi aquela. Isto para dizer que quando hoje se fala da geração da viragem eu pergunto sempre: viragem para esquerda ou a direita?

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