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Pequenos trabalhadores

Pequenos trabalhadores

O número de trabalhadores de palmo e meio cresce a olhos vistos, particularmente na cidade de Maputo. Diante da perda dos pais ou da falta de condições, a maioria das crianças moçambicanas recorre ao comércio informal para sobreviver, muitas vezes abandonando a escola. Sem sonhos nem perspectivas, aprendem desde pequenos a ganhar a vida.

São crianças, de idades compreendidas entre 7 aos 14 anos, forçadas pela necessidade de ganhar o sustento diário. Fomo- -nos cruzando com elas em diversos lugares movimentados da cidade de Maputo. Umas carregando sacos plásticos cheios de pão e uma tigela com “badjias” ou “rachel”, algumas levando nos braços uma caixa de ovos cozidos e outras sentadas por detrás de algumas bancas improvisadas ao longo dos passeios.

De diferente apenas têm a idade, mas os esquemas de sobrevivência são semelhantes e os objectivos que perseguem também: ajudar no sustento da família. Sem sonhos, até porque o que mais importa é ganhar o sustento diário na lógica de “o amanhã só a Deus pertence”, os petizes buscam, no comércio informal, um meio de sobrevivência.

Segundo os resultados do primeiro Inquérito Nacional ao Sector Informal, realizado pelo Instituto Nacional de Estatísticas (INE), em todo o país existem, pelo menos, 504.3 mil crianças trabalhadoras dos 7 aos 14 anos de idade, o que corresponde a 6.6 porcento da população, que viram na actividade informal a maneira de ganhar a vida.

Na zona urbana, são estimadas em cerca de 68.4 mil crianças de ambos os sexos nesta situação, contra os 435.9 mil no campo. Nos sectores de actividades como a Agricultura, 497.2 mil são crianças; o Comércio e o Turismo abarcam cerca de 4.6 mil; a Indústria e Construção 0.9 mil, e Outros Serviços 1.6 mil.

Crianças sem infância

Estes são apenas um exemplo de milhares de outras crianças moçambicanas na mesma situação. Elas formam uma parcela da população economicamente mais activa, apesar de não fi gurarem nas estatísticas ofi ciais de forma expressiva.

Todos os dias, Domingos Moyana, de 11 anos de idade, faz mais de 50 quilómetros circulando pelas artérias da cidade, carregando nos braços uma caixa cheia de ovos cozidos. Vive no bairro de Chamanculo, arredores da cidade de Maputo, com os irmãos mais velhos. Não sabe por onde andam os seus pais e muito cedo viu-se obrigado a arranjar dinheiro para ajudar nas despesas da casa.

Domingos trabalha para o seu tio e ganha apenas 750 meticais por mês. O seu dia começa relativamente cedo e não tem horas de término. Às 5 horas já está de pé, faz algumas tarefas de casa e sai para trabalhar. Há dois anos que a sua rotina tem sido a mesma. Interrompeu a 2ª classe e não pensa em voltar para a escola. “Se eu for à escola não terei o que comer depois”, diz. Encontrámo-lo na paragem do Museu no fi nal da tarde de uma segunda-feira. Já havia vendido 11 dúzias de ovos. A sua meta é de 18 por dia. Nos dias bons, ultrapassa a barreira, o que lhe tem valido um bónus de 20 meticais por cada façanha no fi nal do mês. “Com o dinheiro que recebo contribuo nas despesas da casa e outro compro as minhas coisas”, conta. Rigidamente sentado num pequeno banco de madeira ao longo de um passeio, Lucas António vende laranjas e amendoins torrados. A sua história não difere da de outras crianças na mesma situação. Desde os sete anos que se dedica ao comércio. Começou por vender refrigerantes e bolachas de terceirospara ajudar a avó com que mora algures no bairro de Magoanine.

Presentemente, com 13 anos de idade, o pequeno Lucas tem negócio próprio e amealha, em média, por mês, 500 meticais, valor com o qual ajuda a sua avóa sustentar mais dois irmãos, três primos e dois tios já adultos que vivem de biscates. “Os meus pais faleceram”, conta. Face à situação, ele e os seus dois irmãos viram-se obrigados a viver com a sua avó.Apesarde a avótudo fazer para obter o pão de cada dia para todos,socorrendo-se do cultivo e posterior comercialização de couve, o rapaz sente a obrigação de contribuir na renda familiar. Lucas nunca esteve sentado numa sala de aulas. “Eu pensava em estudar, mas agora já não penso mais porque não sei o que irei fazer lá”. Trabalha todos os dias, não tem Sábados nem Domingos e muito menos feriados. “Se não vender, faltará sempre alguma coisa em casa”, justifica.

Há três anos atrás, Armando António viu-se forçado pelas condições de vida, que defi nhavam com o andar do tempo, a abandonar a sua terra natal, o distrito de Chokwé, província de Gaza, para buscar melhores condições de vida na capital do país. Filho único, ele conta que foi a sua mãe que o incentivou a partir com destino a Maputo. Em Maputo, sem parentes mais próximos e, muito menos, pessoas conhecidas, o rapaz teve a sorte de ser acolhido por uma senhora. Hoje,trabalha para a referida pessoa, a que trata por tia, e aufere 600 meticais por mês, quantia com a qual ajuda a família em Gaza. Primeiramente, vendia chips e laranjas e, nos últimos tempos, a comercialização de nik naks tem sido a sua actividade. Não tem tempo para brincar como todas as outras crianças da sua idade. Vende tais produtos todos os dias, das 6h30 às 19 horas. Carrega sempre nos braços um saco de plástico contendo nik naks e tem a obrigação de vendê-lo todo. Nunca foi à escola e não tem sonhos, até porque se sente realizado. “Com o dinheiro que ganho, mando para a minha mãe em Chókwè e supro todas as minhas necessidades”, afirma.

Quem também tem uma infância roubada pela necessidade de levar dinheiro para casa é João Mabunda, de 11 anos, que interrompeu a 5ª classe para trabalhar. Não se lembra do dia em que começou a circular nas avenidas de Maputo com uma bacia cheia de “badjias” e um saco de plástico cheio de pão, mas, conta que tudo começou logo após deixar os seus progenitores em Homoíne, na província de Inhambane para morar com a suairmã na capital do país.

Saiu de Inhambane com o objectivo de dar continuidade aos seus estudos, ao mesmo tempo que procurava melhores condições de vida, facto que veio a acontecer até a família acolhedora se aperceber de que as despesas aumentaram com a vinda de mais uma pessoa. É-lhe dado a conhecer que o dinheiro já não chegava para as despesas, era preciso arranjar algum para suprir a falta, razão pela qual teve de abandonar a escola. Vender pão e “badjias” pelas ruas da cidade tem sido a sua ocupação nos últimos dias. Aufere por mês 700 meticais. Nunca tem tempo para brincar. Tem hora para começar a trabalhar mas o mesmo não acontece em relação ao término do seu trabalho. “Muitas vezes, volto para casa às 20 horas”, lamenta. Com o dinheiro que ganha, ajuda a irmã e outro guarda para voltar à escola, pois deseja realizar o seu sonho e o dos seus pais, formando-se em Medicina.

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