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“Em Moçambique há 24 mil famílias chefiadas por crianças”

O norueguês Arild Drivdal é especialista em comunicação na UNICEF, a agência das Nações Unidas para a área da criança. Em Moçambique há quatro anos, Arild, a propósito do Dia Mundial da Criança, deixou-nos aqui as suas principais impressões sobre a situação da criança no nosso país.

@ VERDADE – Que acções tem a UNICEF previstas este ano para o Dia Mundial da Criança?

Arild Drivdal (AD) – Temos previstas iniciativas que vão desde o dia 1 até ao dia 16, que é o Dia da Criança Africana. Toda esta quinzena tem um lema: Tolerância Zero ao Abuso Sexual da Criança. Vamos ter pequenos encontros, palestras, debates e mesas redondas durante este período. Isto vai envolver ONG’s que trabalham na área da criança, como, por exemplo, a Save the Chidren, e ministérios do Governo que trabalham especificamente em assuntos relacionados com a criança.

@ VERDADE – A questão do abuso sexual da criança foi um dos problemas mais graves que a UNICEF detectou no terreno?

(AD) – Sim. Estamos a trabalhar a nível político para estabelecer procedimentos para a implementação no terreno das medidas contra o abuso sexual de menores. O ambiente legislativo é bom, mas falta implementar essas medidas. Os próprios pais não conhecem os seus direitos legais quando ocorre um abuso sexual. Por exemplo, uma filha é sexualmente abusada por um professor, e os pais não sabem que é ilegal. Não conhecem os seus direitos. O nosso trabalho é divulgar essa informação e reforçar os procedimentos que já existem. Temos de desencorajar os casamentos prematuros. Mais de metade das meninas moçambicanas têm filhos com menos de 18 anos, sobretudo na zona norte.

@ VERDADE – Essa campanha vai arrancar agora?

(AD) – Sim, já temos tudo preparado. Vai começar em Junho e irá durar um mês, mas depende dos fundos que forem conseguidos. É uma colaboração entre cinco ministérios: Mulher e Acção Social, Educação e Cultura, Interior, Justiça e Saúde.

@ VERDADE – Qual é o orçamento desta campanha?

(AD) – Ainda não está completamente fixado porque depende das instituições que irão contribuir. Mas, no mínimo, irá envolver pelo menos 100 mil dólares.

@ VERDADE – Este problema do abuso sexual incide mais ou menos por igual em todo o território ou existem zonas onde o problema se manifesta de um modo mais agudo?

(AD) – Não temos informações que é mais grave numa zona rural ou urbana. Sabemos que os casamentos prematuros têm uma percentagem muito mais elevada na região norte.

@ VERDADE – Qual é o perfil típico do abusador?

(AD) – Normalmente são homens de idade indiferenciada, é frequente haver uma diferença de idades grande que pode ir dos 15 aos 25 anos. Há pouco foi registado um caso em que o marido tinha 75 e a mulher 15. Os pais dela receberam um lobolo de 20 vacas. Mas o que é importante realçar é que em relação a isto verifica-se uma cultura de silêncio, ninguém gosta de falar sobre isso porque é um estigma social muito grande, sobretudo na área social. A vítima sofre duas vezes: o abuso sexual e a discriminação social. Temos de criar um ambiente para as pessoas falarem.

@ VERDADE – No geral, como é que classificaria a situação da criança em Moçambique?

(AD) – Depende muito do indicador utilizado na análise. Um indicador muito usado é a subnutrição. 44% das crianças moçambicanas sofrem deste mal. Isto chama-se subnutrição crónica, que é muito difícil de detectar. A subnutrição é um fenómeno detectado a partir dos seis meses. Mas, comparando com outros países africanos, poderemos dizer que perde para países como África do Sul, Botswana e Namíbia mas regista os mesmos índices da Tanzânia e do Malawi, por exemplo. Pode dizer-se que Moçambique está a meio do ranking.

@ VERDADE – Quais são as grandes áreas de actuação da UNICEF em Moçambique?

(AD) – Trabalhamos fundamentalmente em seis áreas: saúde e nutrição; água, saneamento básico e higiene; educação básica; protecção da criança; comunicação para a mudança de comportamento; e política social, área em que trabalhamos particularmente com o Governo devido aos orçamentos.

@ VERDADE – Destas seis áreas qual é a de carência mais aguda?

(AD) – É importante termos em conta que Moçambique encontra- se entre os cinco países mais pobres do mundo. Em todas estas áreas existem grandes carências mas é difícil estabelecer comparações. Na área de educação está a crescer muito, mas, ao mesmo tempo, há desafios enormes no campo da qualidade de educação, que ainda é muito baixa. O mesmo acontece na área da saúde. Têm-se registado muitos progressos no que diz respeito à malária – há registos de uma redução de 25% dos casos nestes dois últimos anos – mas simultaneamente a taxa de HIV continua a crescer. Aliás, Moçambique é o único país na região onde isso acontece. Acho que agora já se atingiu o topo. Na área da protecção acontece o mesmo. Regista-se um sucesso na criação dos mecanismos legais mas ainda há 24 mil famílias chefiadas por crianças com idades entre os 10 e os 18 anos.

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