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Para mudar o mundo, “não há um único país, um únicolíder ou um único grupo de países”

Ban Ki-moon alerta e dá recados: no Afeganistão a UE tem que trabalhar com o resto do mundo. “Se há uma coisa que não existe é o momento perfeito para sair.” O secretário-geral das Nações Unidas, que esteve em Lisboa para fechar, com a NATO e o Presidente afegão, o roteiro para a transição de poderes no Afeganistão, diz que é a voz da esperança, mas também do pragmatismo. Unido, acredita Ban Ki-moon, o mundo vai conseguir uma transição de sucesso no Afeganistão e nos grandes desafios globais. “Juntos, tenho a certeza que vamos conseguir.”

 

 

Para a ONU, qual foi o resultado mais relevante desta cimeira da NATO?

A cimeira da NATO no Afeganistão definiu um caminho claro para a transição: em 2014, os afegãos e o seu governo terão mais responsabilidade e controlo para garantir a segurança e proteger a sua população, de modo a que os afegãos possam desenvolver a sua sociedade e torná-la mais próspera.

Mas quero dizer que, apesar de ter sido adoptada uma estratégia de transição, isso não significa que o importante sejam os prazos. O importante é o estado das coisas, ou seja, sabermos quando e onde os afegãos vão ser capazes de garantir a sua própria segurança.

Para a ONU, esta transição significa que a ONU se vai envolver mais em ajudar e facilitar o desenvolvimento social e económico do país. A ONU está no Afeganistão há 60 anos e continuaremos a estar envolvidos a longo prazo nas questões civis, a ajudar a integração política e o processo de reconciliação e desenvolvimento social e económico.

2014 é um timing realista? Em Lisboa, ouvimos e vimos um compromisso político muito forte dos líderes mundiais – não apenas dos Estados-membros da NATO, mas também dos seus parceiros e países doadores – de que vão apoiar esta transição. Com um forte compromisso da comunidade internacional em apoiar a população afegã, com o bom governo da liderança afegã (o Presidente Karzai) e com apoio adequado da comunidade internacional ao desenvolvimento social e económico, ou seja, com estes três elementos combinados, tenho a certeza que vamos conseguir.

Foi isso que eu disse ontem juntamente com o secretário- geral da NATO, Rasmussen, e o Presidente Karzai. Fiquei muito comovido e encorajado por este claro roteiro de transição ter sido adoptado.

Participei em todas as conferências internacionais anteriores, duas cimeiras da NATO e outras reuniões de alto nível, mas esta cimeira de Lisboa foi a mais histórica de todas, pois deu-nos um caminho muito mais claro para o futuro.

Como vê o Afeganistão em 2020, cinco anos depois do início desta transição?

Acredito que os afegãos vão ter mais liberdade e mais segurança, espero ver as mulheres mais envolvidas e a participar nas questões económicas, sociais e políticas, e tenho a certeza que haverá mais jovens a ter um papel na definição do seu futuro. A ONU vai continuar a trabalhar como um todo, e isto é uma questão estratégica para a ONU: ajudar o Afeganistão de um modo mais amplo e polivalente.

Concorda que o processo de construção do Estado e das instituições democráticas falhou no Afeganistão?

O Afeganistão tem sofrido muito com todas estas guerras, várias décadas de guerra civil e inúmeras agressões. Por isso, uma das prioridades da comunidade internacional é ajudar os afegãos a caminharem por si próprios, a construírem o seu próprio futuro – e esta ideia é a filosofia e o enquadramento essencial da cimeira de Lisboa.

Não aprendemos com o passado que sair cedo de mais pode ser demasiado perigoso?

Se há uma coisa que não existe é o momento perfeito para sair. Esta transição não pode ser vista como uma saída. Nós não vamos sair, não vamos deixar o povo afegão sozinho. Esta operação militar poderá ser reduzida por essa altura, em 2014, mas continuará a haver um envolvimento contínuo da comunidade internacional com a ONU a liderar. A ONU está mandatada para coordenar todo o desenvolvimento social e económico e como facilitador político.

A iniciativa política é um dos seus principais poderes. Onde é que, nestes seus três anos de mandato, tem sido mais eficaz? O meu mandato é muito amplo e eu sou responsável por todos os grandes desafios globais: alterações climáticas, pobreza, saúde, conflitos… Como manter a paz e segurança internacional quando assistimos ao rebentar de tantos conflitos à volta do mundo, como o Afeganistão e o Iraque? Daí a pergunta: com tantas frentes, onde é que a ONU está a ser eficaz?

O meu mandato só pode ter sucesso com a total participação e apoio dos Estadosmembros. Vivemos numa era de crises múltiplas e desafios múltiplos. Não há um único país, um único líder ou um único grupo de países… Veja a União Europeia, um dos mais poderosos e ricos grupos de nações do mundo, e agora cada vez mais, com os EUA. Mas a verdade é que a União Europeia não pode fazer as coisas sozinha a não ser que se coordene com a comunidade internacional.

O que eu tenho feito como secretário-geral é, acima de tudo, chamar a atenção para assuntos como as alterações climáticas e a pobreza. Temos tido muito sucesso nos Objectivos do Milénio, adoptámos uma estratégia global para as mulheres e as crianças, e apesar de Copenhaga não ter satisfeito as expectativas de todos, fizemos progressos; o mesmo em relação a dar mais poder às mulheres.

Como secretário-geral sente-se impotente e frustrado?

Tem havido muitos altos e baixos, tenho sentido muitas dificuldades, mas como secretário-geral da ONU o meu papel é enviar uma mensagem de esperança. Não sou suposto transmitir as minhas frustrações. Se eu me sinto frustrado, o que sentirão todas as pessoas que não têm ajuda, que não têm voz, que não tem defesa? Tento ser o mensageiro da esperança, o defensor dos que não têm defesa, a voz dos que não têm voz. Mas o meu papel só pode ser eficaz se os Estados-membros me apoiarem.

Precisamente: qual é o seu papel em posicionar a ONU como órgão mais relevante e capaz de responder aos desafios de hoje?

A comunidade internacional faz cada vez mais pressão para que a ONU desempenhe em papel maior e mais importante. Vivemos numa era de crises múltiplas. Crises múltiplas exigem soluções múltiplas. E estas soluções múltiplas só podem surgir de uma organização como as Nações Unidas, que é a mais universal organização do mundo e que tem a legitimidade de toda a comunidade internacional.

Há cada vez mais analistas a dizerem que o papel e a capacidade de influência da ONU está a diminuir, ao mesmo tempo que a força de grupos como o G20 está a aumentar. O G20 faz sombra à ONU?

Essa é uma má leitura da realidade. Sabemos que o G20 é um grupo de países cujos PIB nacionais juntos representam 80% do PIB mundial e cuja população é 80% da população mundial. Por isso, as suas decisões afectam significativamente a economia mundial.

Mas o trabalho do G20 e da ONU tem sido sempre complementar e a reforçar mutuamente o trabalho uma da outra. Para a reunião do G20 de Novembro do próximo ano, em Cannes, a ONU vai estar totalmente envolvida nos passos preparatórios, inclusive nas reuniões dos ministros das Finanças.

E assim, pela primeira vez na história do G20, e a pedido dos Estados-membros da ONU, o Governo coreano [anfitrião da última cimeira G20] adoptou, com consenso, uma agenda de desenvolvimento que funcionará em complementaridade com o plano de acção da cimeira dos Objectivos do Milénio. Não há competição, há reforço mútuo.

Nesse sentido, eu continuo a ocupar um lugar proeminente. As Nações Unidas, com mandato do G20, vai operacionalizar o chamado Global Pulse, utilizando todas as agências da ONU à volta do mundo. Não há nenhuma outra organização internacional ou país que tenha uma presença mundial desta dimensão.

Estamos a recolher todos os dados, hora a hora, dia a dia, a analisá-los centralmente e vamos enviar informação e alertas de prevenção a todos os Estados. Este é um papel muito importante que a ONU está a desempenhar.

O papel do secretário-geral da ONU é visto como devendo ser o de uma espécie de Papa secular. É essa a sua visão?

Não dever haver mal entendidos. A questão não é saber se o secretário-geral das Nações Unidas é ou não um líder global – eu sou um líder global. Eu simplesmente não gosto da expressão “Papa secular”. O Papa é um líder espiritual. Eu sou um líder global secular, não sou um Papa.

Sou um homem no terreno, um homem de acção, tenho uma visão, mas a minha visão deve ser implementada no terreno e por isso sou um homem sempre em movimento. Se me virem como um Papa secular, sinto-me honrado, mas gostaria de ser mais do que um líder espiritual.

John Bolton, ex-embaixador dos EUA junto da ONU, fez a célebre análise ao título do seu cargo e disse que um secretário-geral da ONU deveria ser mais “secretário” e menos “general”. Como se vê neste papel, agora que vai no terceiro ano de mandato?

É preciso combinar as duas capacidades. Um secretáriogeral das Nações Unidas não pode só falar de política ou idealismo. Tem que ser uma pessoa com as mãos na massa, que controla a gestão da máquina, os recursos humanos e as questões administrativas, porque a ONU tem que ser muito eficaz, responsável e transparente. Nesse sentido, um secretário-geral tem que ser um gestor muito eficaz e poderoso.

Mas há muitos desafios globais que precisam de mobilização e liderança política. Para isso, o secretário-geral tem que ser general, líder político. Nenhum dos dois deve ter mais ênfase. Eu acumulo as duas coisas: tenho experiência de gestão e sou muito executivo, quer as pessoas gostem quer não, mas ao mesmo tempo tento discutir todos os desafios globais com os líderes mundiais.

Sente-se frustrado com a situação da justiça em Timor Leste?

Estou muito optimista em relação ao futuro de Timor Leste. Desde que se tornaram independentes em 2002, ganharam uma imensa maturidade política, democrática e de desenvolvimento económico. Claro que tem havido altos e baixos. A ONU tem desempenhado um papel muito importante e estamos muito agradecidos ao Governo de Portugal pelo seu forte envolvimento e apoio no país. E tive bons encontros aqui em Lisboa com o primeiro-ministro José Sócrates e o Presidente Cavaco Silva.

Nesses encontros pediu que Portugal enviasse mais mulheres- polícias para Timor. Porquê mulheres?

As mulheres são muitos mais acessíveis à população, são melhor recebidas, em particular pelas próprias mulheres. Tivemos casos de grande sucesso na Libéria, por exemplo, onde contingentes só de mulheres indianas fizeram um grande trabalho. Essas mulherespolícias tornaram-se parte da vida das comunidades. Queremos repetir esse modelo noutros lugares, como em Timor-Leste.

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